Depois de ver uma propaganda que ganhou destaque nas redes sociais, em meados de fevereiro, de uma clínica que usava o ator Henri Castelli como usuário e defensor da eficácia do ozempic, a farmacêutica Flavia Masson, decidiu denunciar o fato, e afirma que conseguiu derrubar a publicidade do ator e da clínica. Vale lembrar que, para adquirir esse medicamento, bastava um pedido pelo WhatsApp. Nada mais.
Não é novidade que o uso de medicamentos para determinadas finalidades tem se tornado, indiscriminadamente, o apoio de muitas pessoas para emagrecimento considerado ‘fácil’. O mais conhecido é a semaglutiba (princípio ativo do ozempic), medicação injetável para o tratamento do diabetes, aliado também na perda de peso (off-label). Neste último, o problema é a falta de acompanhamento e orientação profissional.
Para expor o caso, a farmacêutica Flavia - que possui um Instagram com mais de 70 mil seguidores (@flavonoide) - mostrava o vídeo divulgado pelo ator, em que contava como mudou de corpo em um intervalo de pouco mais de um mês. Castelli apontava o uso da semaglutiba para pessoas que sofrem com inchaço e retenção de líquidos e informava a clínica (o Instituto Dr. Derek Camargo) que poderia auxiliar a se livrar “desses problemas”. Bastava ir até o perfil do ator, clicar no link na bio e ser direcionado para a compra da semaglutiba. Simples assim. Vale ressaltar que esse tipo de propaganda é ilegal.
A semaglutida é um hormônio sintético que desempenha um papel crucial no controle dos níveis de glicose no sangue, além de enviar sinais ao cérebro indicando a sensação de saciedade. Isso ocorre porque ele replica os efeitos do GLP-1, um hormônio natural produzido no intestino.
Embora inicialmente indicado em bula para o tratamento do diabetes, profissionais têm, de forma off-label, receitado o medicamento para auxiliar na perda de peso. Endocrinologistas já destacaram que o uso do ozempic no combate à obesidade é seguro e tem sido extensivamente estudado por cientistas. No entanto, é importante o acompanhamento médico para garantir a segurança do tratamento.
Em sua postagem nas redes sociais, Flavia explica: “A semaglutida demonstrou que pode ajudar na redução de peso em pessoas com obesidade ou sobrepeso com diabetes tipo 2, é isso que está na bula. ‘Ah, mas eu vejo um monte de gente que não tem diabetes, nem sobrepeso ou é obeso, e um monte de médico indicando também, falando que dá certo. Beleza, só que não existem estudos nessas pessoas, você não pode nem processar o médico se der ruim, você assumiu o risco. A semaglutida não queima diretamente gordura e nem tem nada a ver com retenção de líquido [que nem o Henri dizia em sua publicação]”.
Após o alerta da farmacêutica, Castelli apagou o post e retirou o contato da clínica que comercializa o ozempic diretamente ao paciente.
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A farmacêutica Gabriela Bárbara, que é dona da página @umaestudantedefarmácia, com mais de 95 mil seguidores no Instagram, checou, junto à clínica, sobre como adquirir a semaglutida. Após ir ao perfil de Henri Castelli, um link direcionava para uma conversa de WhatsApp já com a mensagem automática que dizia: “Vi no insta do Henri e quero mais informações da semaglutida”.
“Eu prezo muito pela atenção e pela assistência farmacêutica, e nós sabemos que a obesidade é um assunto bem complexo a ser tratado e, por isso, escolher o medicamento para auxiliar nesse processo precisa ser muito criterioso e é super indispensável uma avaliação clínica e laboratorial antes de incluir o medicamento na rotina do paciente. Quando eu enviei a mensagem eu esperava que fosse uma consulta médica, mas foi o contrário. Apesar de todo o suporte que ofereceram com médico, nutricionista e afins, isso não substitui uma avaliação clínica”, conta Gabriela.
“Fui informada de que o medicamento acelera o metabolismo e ajuda na troca de gordura por massa magra, quando na verdade o mecanismo de ação dele é simular à ação do hormônio GLP-1, inibindo a fome e regulando os níveis de açúcar do sangue. Os efeitos colaterais mais comuns são aumento das enzimas pancreáticas. Cálculo biliar, dor, inchaço no abdômen, diminuição na glicemia, náuseas, dor de cabeça são os sintomas mais questionáveis pelos pacientes. E nós, como farmacêuticos, devemos levar informação ao paciente, acompanhar a terapia medicamentosa e, principalmente, lutar pelo uso racional dos medicamentos. É dever nosso repudiar qualquer ação irresponsável como essa”, afirma Gabriela.
Em nota enviada ao jornalismo do ICTQ, o Instituto Dr. Derek Camargo, associado ao ator Henri Castelli no início desta reportagem, afirmou que “primeiramente gostaríamos de deixar 100% claro que a venda do medicamento é 100% acompanhada pela equipe médica desde o primeiro momento até mesmo durante todo o tratamento, com suporte de médicos referenciados há mais de dez anos no mercado. A medicação apenas é vendida mediante consulta prévia de médico especializado, posterior ao preenchimento de toda a anamnese elaborada de forma personalizada ao paciente”, diz o texto.
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“A equipe médica é totalmente capaz e todos os pacientes possuem livre escolha em comprar o medicamento em uma drogaria (produto da indústria) ou de manipular o mesmo princípio ativo tendo um custo mais barato, lembrando que a venda é da prestação de serviço de protocolos e não uma revenda de medicamento. Outra ressalva é de que não compactuamos em nenhum momento com propagandas ou algo que seja divergente dos códigos de éticas e condutas, mas acaba fugindo do nosso controle qualquer paciente que esteja totalmente satisfeito com o nosso produto e principalmente com o atendimento médico em publicar em suas redes sociais os benefícios que o protocolo está lhe proporcionando”, finaliza o Instituto.
Reportagem da Revista Marie Claire, veiculada no último dia 27 de fevereiro, trouxe esclarecimento do laboratório dinamarquês Novo Nordisk, que detém, até 2026, a patente da semaglutida, utilizada nos remédios Ozempic®, Rybelsus® ou Wegovy®. O conteúdo destaca que o princípio ativo semaglutida não foi desenvolvido, em nenhum lugar do mundo, para uso em formato injetável em frascos, cápsulas orais, pellets absorvíveis, chip ou mesmo disponibilizada em farmácias de manipulação, conforme tem sido divulgado e associado erroneamente aos medicamentos da companhia”, diz a nota enviada à Marie Claire.
A empresa desconhece a origem das matérias-primas e a forma de fabricação desses produtos: “A Novo Nordisk afirma que não fornece ou autoriza o fornecimento de semaglutida a nenhuma farmácia de manipulação ou outra fabricante”.
O laboratório alerta também que os medicamentos que têm a semaglutida como princípio ativo foram estudados e testados para o tratamento seguro de populações e patologias específicas: “Portanto, sua segurança está garantida apenas quando as moléculas registradas junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são utilizadas conforme as indicações de uso apresentadas em bula”.
A Novo Nordisk ressalta ainda que “a importação, manipulação, fabricação e comercialização dos medicamentos e princípios ativos registrados pela companhia no Brasil, que não sejam nas apresentações originais de Ozempic®, Rybelsus® ou Wegovy® aprovadas pela Anvisa, é considerada um medicamento irregular”.
Segundo a Anvisa, medicamentos podem ser manipulados desde que haja avaliação de eficácia e segurança do insumo farmacêutico ativo, de acordo com a resolução RDC 204/05.
O PhD em Farmacologia e professor do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Thiago de Melo, reforça que a semaglitida é um análogo do GLP-1, que tem a sua indicação principal para o controle da glicemia. Seu uso off-label tem sido explorado na medicina no Brasil, mas muito cuidado deveria existir na prescrição e acompanhamento desses pacientes.
“É um absurdo observar o comportamento de consumo deliberado com propaganda de artistas falando ‘faça como eu’, é uma forma indireta de venda que promete um bônus sem ônus. O bônus da perda de peso pode custar muito caro. O efeito da semaglutida não é apenas na redução do apetite, mas também interfere no peristaltismo, podendo causar constipação. Pessoas que serão submetidas a cirurgias podem ter complicações importantes, além disso há a produção exagerada de insulina em pacientes e pessoas que têm histórico de distúrbio da tireoide podem ter complicações”, alerta o professor.
Melo cita ainda uma investigação que está sendo feita pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) sobre uma possível relação do consumo da semaglutida com tendências e índices de suicídio aumentados. “É um absurdo vermos no Brasil um consumo deliberado e sob conchavo de médicos com artistas. Isso não pode acontecer”, fala o professor.
O especialista continua, falando sobre as possibilidades de interações medicamentosas da semaglutida com o que o paciente já a utiliza. “Se ele faz uso de anfetaminas, se já usa substâncias para perda de peso, faz uso de lítio, são complicações que merecem aqui um cuidado e, claro, a responsabilidade também de farmacêuticos que estão cedendo esses produtos para as clínicas. Não pode haver também a anuência da profissão farmacêutica com essa conduta”, finaliza Melo.
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