O governo é contra as duas propostas apresentadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que prevê resoluções para a liberação do cultivo de cannabis no Brasil para fins medicinais e de pesquisa.
As duas propostas de RDCs (Resoluções da Diretoria Colegiada) que entrarão em consulta pública foram produzidas a partir de estudos e evidências científicas sobre o benefício terapêutico de medicamentos feitos à base da planta.
Uma delas trata dos requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta por indústrias farmacêuticas, única e exclusivamente para fins medicinais e científicos. A outra traz os procedimentos para o registro e monitoramento de medicamentos produzidos à base de Cannabis spp., seus derivados e análogos sintéticos.
A informação de que o governo é contra as propostas da Anvisa foi confirmada pela Casa Civil ao jornalista Mateus Vargas, repórter do portal de notícias jurídicas JOTA. Segundo a pasta comandada pelo ministro Onyx Lorenzoni (DEM), o governo defende que a planta seja importada.
Mesmo com a oposição do Governo, de acordo com a Anvisa, as normas serão aplicáveis apenas a medicamentos cuja indicação terapêutica seja restrita a pacientes com doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica.
Ainda, segundo a Anvisa, antes de estruturar as propostas, foi realizado um diagnóstico do problema e uma reflexão sobre a necessidade de atuação e os possíveis impactos das opções regulatórias disponíveis. Por isso, foi feito um estudo de Análise de Impacto Regulatório (AIR) para definir as opções regulatórias viáveis.
Um dos problemas identificados foi a dificuldade de acesso dos pacientes ao uso medicinal seguro da Cannabis spp. e seus derivados. Além disso, a Anvisa aponta o alto custo dos tratamentos, que poderá ser reduzido com a produção nacional.
O estudo da agência incluiu também a avaliação de modelos de regulação relacionados ao cultivo, à produção e ao registro de medicamentos em países como Canadá, Portugal, Israel e Estados Unidos.
Interferência do Governo na Anvisa
Para uma fonte do Ministério da Saúde, apesar da contrariedade do governo, não deve haver uma intervenção direta no processo que ocorre na agência. Há alto custo político em intervir no debate de órgãos com autonomia técnica.
O que se especula nos bastidores da agência e do governo é que o contra-almirante Antonio Barra Torres, indicado ao cargo de diretor da Anvisa, poderá ser nomeado presidente da Anvisa e pedir vista sobre o processo. Na quarta tentativa de ocupar o mesmo cargo na agência, aberto há quase um ano, o militar ainda precisa ser sabatinado pelo Senado.
Debate na Câmara
O uso medicinal de produtos à base de cannabis divide opiniões no Legislativo e tem movimentações recentes. Além dos pedidos de audiência pública com William Dib da Anvisa e o ministro Osma Terra do Ministério da Saúde, a Câmara dos Deputados criou, na quinta-feira (13/06), uma comissão especial para elaborar parecer sobre o PL 399/2015, que trata da liberação do comércio de medicamentos à base de cannabis.
Há personagens de partidos à direita que já se manifestaram favoráveis, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Usuária de medicamento à base de cannabis, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) também defende expansão do acesso ao produto.
Conselho Federal de Medicina contra
O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) divulgaram na quinta-feira (13/6) posição contrária sobre o plantio de cannabis no Brasil. “Ao admitir a possibilidade de liberação do cultivo e de processamento dessa droga no País, a Anvisa assume postura equivocada, ignorando riscos à saúde pública que decorrem dessa medida”.
O presidente do CFM, Carlos Vital, argumenta que a maconha não é uma droga inofensiva e que são vastas as evidências científicas de que o uso precoce da droga leva à dependência. “Acreditamos que é nossa missão informar e conscientizar a comunidade médica e científica, bem como educadores, legisladores, gestores e o público em geral, sobre o tema”.
A Anvisa afirma que a nota “não observou o real propósito da minuta de regulamentação sobre o plantio”. Segundo a agência, a proposta não sugere o uso da planta in natura. “A Anvisa não estaria apresentando uma proposta com este teor se não fosse para atender a pacientes e médicos que, muitas vezes, têm nos medicamentos à base de Cannabis a única ou mesmo última alternativa terapêutica”, diz a Anvisa.
CFF apoia Anvisa em regulamentação
Em nota publicada no site do CFF (Conselho Federal de Farmácia), o coordenador técnico e científico, José Luis Miranda Maldonado, lembrou que o Conselho apoia a regulamentação do canabidiol como alternativa terapêutica desde 2013, quando procurado por um grupo de mães de crianças portadoras de epilepsia que relataram a luta delas e pediam apoio de todas as organizações de saúde para apoiá-las a conseguir importar medicamentos à base de canabideol.
“Em 2014, a pedido de um procurador da República, o Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos (Cebrim/CFF) elaborou um parecer embasado o nosso posicionamento em que o uso deveria ser regulamentado para fins de pesquisa. Socialmente, nos posicionamos favoráveis já que essa alternativa se mostrava, no Mundo, viável como solução imediata para problemas decorrentes de epilepsia em pacientes pediátricos”, pontuou Maldonado.
O representante do CFF explicou que, “passados sete anos do nosso parecer, vivenciamos num ambiente completamente diferente, com tecnologia, no qual não apenas estamos falando de terapias para epilepsia, mas também tratamento da depressão, para dor neuropática, Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, esquizofrenia, então é interessante termos mais essa possibilidade terapêutica em nosso país, desde que seja muito bem regulada conforme as boas práticas fabricação e de produção” finaliza ele.