Ambiente regulatório e os desafios para as indústrias

Ambiente regulatório e os desafios para as indústrias

O Brasil passou de uma fase com pouca regulação sanitária e ausência de lei de patentes até os anos 1990 para um ambiente regulatório intenso nos dias atuais, o que impõe desafios importantes à indústria farmacêutica. Nesse cenário, surgiu o conceito de inteligência regulatória, que pode contribuir para as empresas enfrentarem a demanda da legislação.

No final do século 19, a indústria farmacêutica ensaiou seus primeiros passos no Brasil. Por volta de 1890, surgiam os primeiros estabelecimentos industriais de ‘especialidades pharmaceuticas’, ocupando o espaço até então das boticas. Com a expansão da cultura cafeeira no oeste paulista, um grande fluxo de imigrantes chegou ao País. Medidas de combate a doenças e infecções se tornaram necessárias devido às péssimas condições sanitárias de portos, cortiços e hospedarias que os abrigavam, conforme revelou o Portal Educação.

O desenvolvimento inicial da indústria farmacêutica no Brasil “guarda forte relação com a instituição da saúde pública, das práticas sanitárias de prevenção e combate às doenças infecciosas e, em especial, com as instituições de pesquisa básica e aplicada” (RIBEIRO, 2000). Nesse cenário, o Estado teve participação importante nos primórdios do desenvolvimento da indústria ao incentivar e fornecer recursos para alguns dos primeiros laboratórios farmacêuticos.

Nas primeiras décadas do século 20, o pequeno e incipiente parque industrial brasileiro começou por produzir anilinas vegetais, óleos, ceras e medicamentos naturais que tiveram sua redução, após a descoberta e emprego industrial da síntese orgânica na Europa. Os anos de 1930 foram o auge da primeira fase da indústria farmacêutica brasileira e ficaram marcados pela produção de medicamentos fitoterápicos e biológicos.

Naquela época, o Instituto Vacinogênico e o Instituto Butantã eram as instituições encarregadas da fabricação de produtos biológicos em São Paulo. O primeiro focado na produção de imunizantes para varíola e o segundo para a produção de vacinas contra a peste. Mais tarde, com o advento dos trabalhos realizados por Vital Brasil, surgiu a produção de soro contra picadas de cobras, aranhas e escorpiões.

No entanto, ao longo dos anos não houve o desenvolvimento de um parque farmoquímico que acompanhasse o crescimento da produção de medicamentos. “Por isso que, até hoje, o Brasil tem dificuldade de conseguir insumo farmacêutico ativo (IFA), revela a professora da pós-graduação de Assuntos Regulatórios na Indústria Farmacêutica do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Luciana Colli.

“Se o País passar por algum tipo de problema na importação de IFA, ele ficará desabastecido, pois até mesmo as indústrias transnacionais existentes no território brasileiro precisam de IFAs, que vêm de outros países”, completa Luciana.

A partir dos anos 1950, o perfil do setor farmacêutico no Brasil sofreu uma mudança significativa. Com as medidas e planos desenvolvimentistas do presidente Juscelino Kubitschek, abriram-se as portas às empresas de capital estrangeiro, dotadas de maior know-how e recursos financeiros, que foram responsáveis pela eliminação de boa parte da concorrência dos laboratórios nacionais, que só foram recuperar fôlego décadas depois, com a adoção dos genéricos em 1999.

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Regulação tardou a acompanhar a evolução do setor

Até a década de 1990, a regulação sanitária no Brasil era tímida. Não havia lei de patentes no País, o que levou as empresas a copiar medicamentos do exterior. Apenas em 1997, por pressão internacional, o Brasil aderiu ao tratado internacional de direitos de propriedade intelectual – Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (Trips).

“O Brasil demorou a ter a uma lei de patentes, assim como a implementar uma agência regulatória e ter um ambiente regulatório mais agressivo. Até então se enxergava como estratégia ter um ambiente sem regulação, com pouca legislação sanitária e sem leis de patente”, explica Luciana.

“Imaginava-se que isso atrairia mais empresas inovadoras. Só que aconteceu o contrário. Ninguém que trabalhava com pesquisa e inovação queria vir para o Brasil porque não tinha proteção para suas pesquisas. Qualquer empresa poderia fazer cópias das suas criações. Por muitos anos isso impediu que o País evoluísse nesse ambiente”, continua a professora do ICTQ.

Durante esse período é observado como a produção industrial de medicamentos envolve um elevado risco sanitário, com impactos na saúde pública. “Só depois, com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é que tivemos uma melhoria da qualidade dos produtos aqui produzidos”, salienta a especialista.

Em 1997, um evento foi decisivo para a mudança no ambiente regulatório no País: a CPI dos medicamentos. A comissão apontou em seu relatório final que o Brasil tinha um derrame de medicamentos adulterados e falsificados. Esse relatório deixou ainda a recomendação de que a Lei 5.991/73 precisava ser cumprida à risca e que o País precisava de mais farmacêuticos. A norma preconiza a presença do farmacêutico durante todo o horário de funcionamento dos estabelecimentos que trabalham com medicamentos, como farmácias, drogarias e distribuidoras.

A pressão por uma legislação mais rigorosa e órgãos de controle independentes e estruturados fez nascer, em 1999, a Anvisa. No mesmo ano, foi publicada a Lei dos Genéricos, que gerou intenso desenvolvimento do mercado, com a atração de empresas estrangeiras e o ressurgimento de uma indústria nacional. “Passamos, assim, a escrever o nome do Brasil no ambiente regulatório mundial”, frisa Luciana.

A partir de então, a Anvisa passou a publicar várias resoluções, o que impactou vários setores, da indústria de medicamentos e cosméticos às farmácias. “Passamos de um ambiente sem regulamentação para um extremamente regulado. Houve necessidade de as empresas se adequarem rapidamente. Foi dolorosa a adaptação. Mas teve um lado positivo, pois mostrou a necessidade de ter o farmacêutico no mercado”, esclarece a professora.

Com o passar dos anos, muitas regras caducaram, o que obrigou a Anvisa promover uma guilhotina de normas. “A Agência vem analisando as normas que não tratam mais de assuntos relevantes e passou a revogá-las”, diz Luciana, lembrando que ainda assim o ambiente regulatório se mantém complexo, fazendo com que muitas empresas tenham problemas. 

“Como lidar com um ambiente extremamente regulado sem inteligência?”, questiona a professora. “Se não conheço minha organização, não sei o quanto ela está preparada e estruturada para atender à legislação. É trágico isso”.

“Os desafios das indústrias são inúmeros, nosso ambiente regulatório ainda está se adaptando. Digo isso porque não basta a publicação das normas, há necessidade de colocar a legislação em prática, e esse é um grande desafio, o papel aceita qualquer coisa”, diz Luciana, lembrando que no cenário internacional a regulação também é complexa. “Se falarmos em países que são referência em vigilância sanitária a dificuldade é semelhante, a diferença é que talvez as empresas estejam mais adaptadas nesses locais”.

No Brasil, algumas indústrias estão estruturadas, outras não. “As empresas nacionais e os laboratórios oficiais são os mais sacrificados por não terem lucro. E o custo regulatório é altíssimo, o que não significa que seja desnecessário”, revela a professora.

Em um ambiente regulatório extremamente dinâmico os segmentos da indústria mais impactados são o de medicamentos sintéticos e semissintéticos. “A área de medicamentos biológicos não fica atrás. O registro é complexo, mas o pós-registro está cada dia mais difícil de atender, e com grande impacto financeiro”, assinala Luciana.

Isso ocorre, segundo a professora, porque existem mudanças que têm grande impacto na qualidade, segurança e eficácia dos produtos. Em função disso, devem ser peticionadas na Anvisa. “Só que esses processos exigem, muitas vezes, testes com elevado custo, como o estudo de bioequivalência. Seria necessária uma revisão das normas, ajustando as exigências à realidade atual”, sugere a professora.

Inteligência regulatória pode ser a saída

Em muitas indústrias, uma decisão errada pode trazer problemas graves e até levá-la à falência. Para sobreviver nesse ambiente é fundamental dispor de um sistema de inteligência competitiva que forneça informações analisadas de forma integrada e tempestiva, para que seja possível tomar decisões mais seguras e em tempo real, garantindo, assim, não apenas a sobrevivência da empresa, mas também o seu crescimento.

Na área regulatória não é diferente. A empresa precisa se adequar a inúmeras normas de órgãos reguladores como a Anvisa, Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e os conselhos de classe. Nesse cenário, adotar o conceito de inteligência e estratégia regulatória pode ser um diferencial concorrencial para a organização.

“É muito importante entender como lidar com todas as normas dos vários órgãos, como implantá-las no ambiente organizacional e fazer com que elas possam reverter em resultados positivos para a empresa, ajudando-a a ser mais competitiva e se destacando no mercado”, explica Luciana.

Em um ambiente corporativo, as informações e conhecimentos se diferenciarão quanto à sua utilização. E, se bem usados, ajudarão a sanar incertezas, podendo ser fundamentais para que as tomadas de decisão sejam respaldadas em fundamentos sanitários legais. Esses elementos são considerados fatores estratégicos, desde que seja desenvolvida a gestão da informação voltada para buscar vantagem competitiva.

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O setor regulatório coleta as informações da legislação, interpreta e as dissemina na empresa, gerando aprendizado organizacional. Muitas vezes, o profissional de assuntos regulatórios precisa fazer reuniões com a alta gerência, fazer treinamentos para os demais setores, entre outras atividades. O objetivo é implantar mudanças de procedimentos para atendimento da legislação. “Em alguns casos, é necessário mudar um procedimento simplesmente porque precisa atender a uma nova legislação”, argumenta Lucina.

A inteligência regulatória é uma prática que deve ser inerente ao profissional farmacêutico que deseja realizar uma gestão pautada em regulação sanitária e necessidade corporativa. “Os farmacêuticos precisam estudar freneticamente para acompanhar tudo o que está acontecendo, hoje o mercado não permite comodismo. O profissional com inteligência regulatória vai acomodar o ambiente interno e externo, ajustando as potencialidades da empresa com as exigências da legislação e do mercado, combinando tudo isso com a visão de futuro da organização”, finaliza Luciana.

Saiba mais sobre inteligência regulatória

Adotar a inteligência regulatória pode ser um diferencial competitivo importante para a organização. Mas como aplicar esse conceito na prática? A professora Luciana Colli apresenta em suas aulas do curso de Assuntos Regulatórios na Indústria Farmacêutica do ICTQ vários pontos que envolvem esse tema.

Luciana é farmacêutica industrial, mestre em Ciências e Tecnologia Farmacêutica pela UFRJ, com MBA em Gestão Empresarial (FGV) e especialização em Homeopatia (IHB) e em Manipulação Magistral (UFRJ). Cursa doutorado em Ciências Farmacêutica (UFRJ).

Com 14 anos de experiência em produtos para saúde e medicamentos, Luciana atua há 11 anos em educação superior nas disciplinas: tecnologia industrial, farmacotécnica, gestão de empresas farmacêuticas, cosmetologia, operações unitárias, garantia da qualidade, farmacoeconomia, assuntos regulatórios na indústria farmacêutica, ética e legislação e promoção da saúde e qualidade de vida no trabalho.

Confira abaixo um trecho das vídeo-aulas que fazem parte do curso oferecido pelo ICTQ.

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