O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a lei aprovada pelo Congresso Nacional que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como ‘pílula do câncer’, por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Os supostos efeitos anticancerígenos da substância não foram comprovados em testes.
Ministros avaliaram que o Congresso não poderia autorizar drogas que não tenham sido aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Lei 13.269 foi aprovada em 2016, mas no ano seguinte o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) suspendeu a inclusão de novos pacientes nos testes clínicos devido à ausência de “benefício clínico significativo” nas pesquisas realizadas até aquele momento, apurou o G1.
Ação que gerou a decisão do STF foi ajuizada pela Associação Médica Brasileira (AMB), por entender que o uso da pílula do câncer pode causar dano ao usuário uma vez que a toxicidade da droga no organismo humano ainda é desconhecida.
O plenário do STF já havia suspendido a distribuição da droga por meio de liminar anteriormente. Agora a decisão é definitiva. O relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, defendeu a autoridade da Anvisa para permitir ou proibir a distribuição de substâncias químicas, de acordo com protocolos cientificamente validados. Para ele, há “danos em potencial que o medicamento poderia causar com a liberação sem realização dos estudos clínicos correspondentes”.
“Ao elaborar a lei, o Congresso omitiu-se no dever constitucional de tutelar a saúde da população, afirmando que a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é exigência para sua comercialização. O registro mostra-se imprescindível ao monitoramento, pela Anvisa, da segurança, eficácia e qualidade terapêutica. Ausente o cadastro, a inadequação é presumida”, defendeu Mello, segundo o jornal DCI.
De acordo com o ministro, a esperança que a sociedade deposita nos medicamentos, sobretudo aqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. “Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia dos fármacos utilizados. O direito à saúde não será plenamente concretizado se o Estado deixar de cumprir a obrigação de assegurar a qualidade de droga mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar desengano, charlatanismo e efeito prejudicial”, frisou Mello, conforme revelou o site Poder 360.
A lei declarada inconstitucional é de autoria de 26 congressistas, dentre eles, o então deputado Jair Bolsonaro (em um dos dois únicos projetos que aprovou em quase três décadas na Câmara), seu filho, Eduardo Bolsonaro, e o atual candidato a prefeito de São Paulo, Celso Russomano.
Substância foi criada há quase 40 anos
A fosfoetanolamina sintética foi desenvolvida nos anos 1980 pelo professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo em São Carlos Gilberto Orivaldo Chierice, morto no ano passado aos 75 anos. Trata-se de um polímero criado a partir do óleo de mamona.
Ao estudar as propriedades da molécula, Chierice observou que trabalhos antigos apontavam uma relação entre a fosfoetanolamina e a presença de tumores em animais, o que sugeria que ela poderia ser cancerígena. Mas havia a possibilidade de ser o contrário – o organismo poderia estar produzindo a substância para combater o tumor.
Sua equipe conseguiu que a Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu fizesse um teste de toxicidade da substância em roedores. “Ficou demonstrado que ela não era tóxica, muito pelo contrário, e que podia ser usada em qualquer ser vivo”, disse o professor à Folha em 2016.
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Chierice produziu e distribuiu o medicamento gratuitamente por 20 anos, embora não houvesse testes clínicos comprovados em humanos. Segundo o professor, a pílula funciona assim: depois de ingerido, o polímero entra em contato com as mitocôndrias das células cancerígenas e avisa o sistema imunológico sobre a anormalidade. As células doentes seriam, então, destruídas em um processo de autodefesa, revelou o Uol.
A falta de evidências sobre a segurança e a eficácia do produto, porém, levou especialistas a questionar seu uso informal. No currículo de Chierice constam apenas seis trabalhos publicados sobre a molécula em revistas científicas internacionais (de um total de mais de 80 envolvendo outras áreas de pesquisa ao longo de sua carreira). As pesquisas saíram entre 2011 e 2013 e tratam apenas sobre a ação da fosfoetanolamina em culturas de células em laboratório e animais. A falta de benefícios aos pacientes fez com que os estudos fossem cancelados, segundo a Folha.
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