Aprovar a teleconsulta farmacêutica pode abrir uma brecha para a criação do farmacêutico remoto (figura tão desejada por alguns líderes e políticos e tão odiada pela maioria da classe farmacêutica)? Essa foi uma das questões debatidas pelos conselheiros federais durante a 493ª Reunião Plenária do Conselho Federal de Farmácia (CFF) – a primeira realizada, de forma presencial, após mais de cinco meses de suspensão, por conta da pandemia.
A ideia era apresentar uma proposta de resolução a ser discutida e votada pelos conselheiros em Plenária. A resolução contemplaria apenas o período em que legalmente perdurar o estado de emergência pela pandemia. Porém, por conta das várias facetas que foram sendo reveladas durante a apreciação do tema, os representantes acabaram intimidados e decidiram ganhar mais tempo para avaliar melhor o caso.
O que se discutiu é que a maior questão que envolveria a teleconsulta farmacêutica é que ela poderia ser confundida com o farmacêutico remoto, cujo tema já foi alvo de diversas propostas de lei apresentadas na Câmara e Senado anteriormente, e que foram prontamente refutadas pelos farmacêuticos, pois implicariam no funcionamento das farmácias sem a presença física desses profissionais.
Veja bem: se a teleconsulta farmacêutica for realizada fora do ambiente farmacêutico, ela seria, praticamente, um farmacêutico remoto. Isso é o que se quer evitar. Os conselheiros consultados pelo jornalismo do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico acreditam que a teleconsulta não deveria ser implementada em farmácias comunitárias, mas em hospitais e consultórios, por exemplo. A proposta proibiria a teleconsulta pelo responsável técnico e em casos em que fosse necessária uma anamnese presencial.
A teleconsulta farmacêutica está sendo considerada como aquela realizada pelo farmacêutico por meio de tecnologias da informação e comunicação que permitam a interação com o paciente, podendo ser pela internet (por meio de aplicativos) ou via telefone.
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O maior cuidado com o tema é garantir que a teleconsulta ocorra dentro do estabelecimento, com o farmacêutico prestando o atendimento remoto para os pacientes. Dessa forma, atenderia à legislação vigente e se tornaria apenas uma maneira a mais de atendimento à população, com o farmacêutico sempre dentro da farmácia.
E como ficaria a teleconsulta na dispensação? Os conselheiros acreditam que, no ato da dispensação, é fundamental a presença do farmacêutico, sendo a teleconsulta utilizada apenas para a assistência e orientação dos pacientes.
É preciso salientar que a dispensação envolve, não apenas a entrega do medicamento, mas, anteriormente, a avaliação da receita e do paciente, para posterior orientação sobre o tratamento e o medicamento.
Entretanto, vale lembrar que a RDC 357/20, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já permite, temporariamente, a entrega em domicílio de medicamentos, inclusive aqueles sujeitos a controle especial durante a pandemia, portanto essa dispensação já está sendo feita sem a interferência do farmacêutico.
Outra preocupação levantada durante a reunião plenária é que se o farmacêutico estiver remoto, qual seria a função de fiscalização do Conselho Federal de Farmácia? Eles iriam fiscalizar o quê? Quem? Onde?
O fantasma do farmacêutico remoto pode voltar?
Claramente, há o receio de abrir precedentes para a teleconsulta neste momento e que, posteriormente, ela possa voltar, travestida de atendimento remoto, e possa ser estendida para depois da pandemia. A ideia é: se é possível utilizar o farmacêutico remoto durante a pandemia - e com sucesso - por que ele não poderia ser usado depois dela? Com isso, as farmácias não precisariam mais de farmacêuticos.
Muitas investidas já foram feitas nesse sentido no passado, todas derrubadas. Uma das mais recentes aconteceu em fevereiro, quando o PL 1.481/19 seria votado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), mas, durante a leitura do texto, ele foi retirado de pauta pelo presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT/RJ), por conta do protesto de farmacêuticos no local. O PL 1.481/19 é de autoria conjunta dos deputados Alexandre Freitas (NOVO-RJ), Anderson Moraes (PSL-RJ), Chicão Bulhões (NOVO-RJ) e Filipe Soares (DEM-RJ).
O presidente da Associação do Comércio Farmacêutico do Estado do Rio de Janeiro (Ascoferj), Luis Carlos Marins, estava a favor do projeto, e comentou o caso em uma matéria publicada no portal da entidade: “Houve uma interpretação errada da proposta. A essência do PL é neutralizar as penalidades com que as empresas acabam arcando pela falta involuntária do farmacêutico. Nós reconhecemos que a presença do profissional dentro das farmácias e drogarias é imprescindível, porém o atendimento remoto é uma alternativa válida para casos excepcionais, já citados no texto do PL”.
Outra tentativa partiu do deputado Felício Laterça (PSL-RJ), com o PL 111/20, que, além de criticar as multas extorsivas e as fiscalizações excessivas praticadas pelo CRF, também ressuscitava o farmacêutico remoto. Na ocasião, o presidente do CFF, Walter Jorge João, se posicionou por meio de suas redes sociais, dizendo: “Se o PL for aprovado, a nova lei será um golpe mortal em um dos maiores patrimônios legais dos farmacêuticos e da saúde pública brasileira, a Lei 13.021/14. O PL ainda ressuscita a proposta do farmacêutico remoto, o que reduzirá drasticamente a empregabilidade, precarizará as relações de trabalho e comprometerá a qualidade da assistência farmacêutica à população”. Leia a matéria sobre o tema aqui.
Laterça já é conhecido pela classe por propor questões polêmicas e acusar os Conselhos de fomentar o que ele chama de indústria da multa. Durante a apreciação da Medida Provisória 881/19, da Liberdade Econômica, aprovada no ano passado, ele havia apresentado emenda (retirada do texto na última hora) que instituiria o farmacêutico remoto. Em transmissão do congresso pela televisão, ele já chegou a dizer: “Hoje nós vamos falar sobre a indústria da multa... Refiro-me às multas aplicadas pelos Conselhos Regionais, endossadas pelo Conselho Federal de Farmácia”.
Já o senador Sérgio Petecão (PSD-AC) também protagonizou um capítulo sobre o tema. Ele apresentou o PL 5455/19, com a justificativa de que a abertura da comercialização de medicamentos isentos de prescrição (MIP), além das portas de uma farmácia, iria beneficiar a população, principalmente, com o aumento da oferta e, consequentemente, com a queda dos preços. Com os medicamentos nos supermercados, ele indicava a disponibilização do farmacêutico remoto. Leia a matéria sobre o tema aqui.
Avalie você mesmo
Para que o leitor possa formar a sua opinião sobre o assunto, vale transcrever, na sequência, a íntegra da proposta inicial que passou por debates na 493ª Reunião Plenária. Ela não foi votada, pois os conselheiros decidiram levar o assunto para a próxima reunião plenária, a fim de que essa resolução tenha mais lastro e que ofereça segurança jurídica para que não dê margem a qualquer tipo de interpretação que possa prejudicar a categoria farmacêutica.
O texto será harmonizado e deverá voltar à pauta da próxima plenária, que poderá acontecer no final de agosto, em sessão extraordinária (a ser confirmada). Acompanhe a proposta inicial.
RESOLUÇÃO Nº ...., DE ..... DE AGOSTO DE 2020
Ementa: Dispõe sobre o procedimento da teleconsulta farmacêutica enquanto perdurar o estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) relacionada ao novo Coronavírus (SARS-CoV-2).
O Conselho Federal de Farmácia (CFF), no uso de suas atribuições previstas na Lei Federal nº 3.820, de 11 de novembro 1960;
Considerando que o CFF, no âmbito de sua área específica de atuação e, como entidade de profissão regulamentada, exerce atividade típica de Estado, nos termos do artigo 5º, inciso XIII; artigo 21, inciso XXIV e artigo 22, inciso XVI, todos da Constituição Federal;
Considerando a outorga legal ao CFF de zelar pela saúde pública, promovendo ações de assistência farmacêutica em todos os níveis de atenção à saúde, de acordo com a alínea "p", do artigo 6º da Lei Federal nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, com as alterações da Lei Federal nº 9.120, de 26 de outubro de 1995;
Considerando a Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências;
Considerando a Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências;
Considerando a Lei Federal nº 13.021, de 8 de agosto de 2014, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas, que em seu artigo 2º define assistência farmacêutica como conjunto de ações e de serviços que visem a assegurar a assistência terapêutica integral e a promoção, a proteção e a recuperação da saúde nos estabelecimentos públicos e privados que desempenhem atividades farmacêuticas, tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao seu acesso e ao seu uso racional;
Considerando a Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), ou outra que vier a substituí-la;
Considerando a Portaria de Consolidação n° 2, do Ministério da Saúde, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde, em seu Anexo XXVII, que dispõe sobre a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e, em seu Anexo XXVIII, que dispõe sobre a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF);
Considerando a Portaria GM/MS nº 2.095, de 24 de setembro de 2013, que aprova os Protocolos Básicos de Segurança do Paciente;
Considerando a Resolução CNE/CES nº 6, de 19 de outubro de 2017, que estabelece as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia;
Considerando a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nº 36, de 25 de julho de 2013, que institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde, e dá outras providências;
Considerando a Medida Provisória 2.200-2/2001, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras;
Considerando a Medida Provisória n° 983, de 16 de junho de 2020, que dispõe sobre as assinaturas eletrônicas em comunicações com entes públicos e em questões de saúde e sobre as licenças de softwares desenvolvidos por entes públicos;
Considerando a declaração de emergência em saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da infecção humana pelo novo Coronavírus;
Considerando a Portaria nº 188/GM/MS, de 4 de fevereiro de 2020, que declara emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN), em decorrência da infecção humana pelo referido vírus;
Considerando a classificação pela Organização Mundial de Saúde, no dia de 11 de março de 2020, como pandemia do novo Coronavírus;
Considerando a Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, determinando procedimentos para o enfretamento de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo Coronavírus;
Considerando o pedido da Organização Mundial de Saúde para que os países redobrem o comprometimento contra a pandemia do novo Coronavírus;
Considerando o Decreto Legislativo, do Congresso Nacional, nº 6, de 20 de março de 2020, reconhecendo a ocorrência do estado de calamidade pública no país;
Considerando que o farmacêutico tem o dever de documentar de forma clara e ordenada as informações resultantes do processo de cuidado e para isso é recomendada a utilização de modelos de documentos disponíveis em publicação do Conselho Federal de Farmácia intitulado Programa de Suporte ao Cuidado Farmacêutico na Atenção à Saúde (Profar): documentação do processo de cuidado (modelos de formulários);
Considerando as tecnologias disponíveis para o registro, o armazenamento e a transmissão de dados referentes à assistência aos pacientes e que estes devem permitir sua pronta recuperação de forma rastreável e segura, tanto pelo paciente quanto pelos profissionais de saúde envolvidos na assistência e aqueles autorizados pelo paciente, RESOLVE:
Art. 1º - É permitida a teleconsulta farmacêutica enquanto oficialmente declarado o estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) relacionada ao novo Coronavírus.
Parágrafo único – É vedada a teleconsulta farmacêutica:
I - na assunção de responsabilidade técnica;
II – após prévia avaliação mediante contato telefônico ou eletrônico/digital, seja imprescindível a anamnese farmacêutica presencial.
Art. 2º - Considera-se teleconsulta farmacêutica a realizada pelo farmacêutico mediada por tecnologias da informação e comunicação que permitam a interação com o paciente ou o seu responsável, em tempo real (síncrona) ou não (assíncrona), respeitando os princípios de confidencialidade e a privacidade do paciente, bem como de segurança e integridade da informação.
Parágrafo único – A teleconsulta farmacêutica tem por finalidade a promoção, proteção, recuperação da saúde, prevenção de doenças e de outros problemas de saúde, bem como a resolução de problemas da farmacoterapia, o uso racional dos medicamentos e de outras tecnologias em saúde.
Art. 3º - O Farmacêutico tem autonomia e independência para determinar quais pacientes ou casos podem ser atendidos via teleconsulta farmacêutica, baseando-se sua decisão em evidências clínico-científicas, no benefício e na segurança de seus pacientes.
- § 1º – A teleconsulta deve ser devidamente consentida pelo paciente ou seu representante legal e realizada por livre decisão e sob responsabilidade do farmacêutico.
- § 2º – É obrigatória a comprovação de identidade do paciente/representante legal ao iniciar a teleconsulta,
- § 3º – É obrigatória a identificação do profissional e o esclarecimento ao paciente/representante legal sobre o processo e as limitações da teleconsulta.
Art. 4º - O Farmacêutico deve atuar em observância ao Código de Ética Farmacêutica e as respectivas exigências ao exercício profissional.
Art. 5º - Os meios eletrônicos utilizados para a teleconsulta deverão:
I - garantir a identificação unívoca do paciente;
II - garantir o consentimento do paciente e registrá-lo no prontuário;
III - prover o sigilo e confidencialidade na comunicação, no registro, no armazenamento e no compartilhamento dos dados, bem como a sua disponibilidade e integridade, resguardando a privacidade do paciente;
IV - associar univocamente a sessão de atendimento ou as informações recebidas, com a identificação do paciente, a identificação do profissional e todos os registros realizados;
V - garantir a rastreabilidade e impossibilidade de remoção ou alteração dos registros no prontuário;
VI - permitir o fornecimento das informações do prontuário ao paciente, sob solicitação do mesmo.
Art. 6º - É de responsabilidade do farmacêutico e da instituição de saúde, a guarda dos registros em prontuário do paciente.
Art. 7º - O tratamento, o arquivamento e a gestão das informações relativas ao serviço prestado pelo farmacêutico obedecerão às regulamentações vigentes.
Art. 8º - A teleconsulta deve ser registrada em prontuário do paciente e conter no mínimo os seguintes componentes:
I - Identificação do farmacêutico;
II - Identificação e dados do paciente ou do seu representante legal;
III - Registro do consentimento do paciente ou do seu representante legal;
IV - História clínica do paciente;
V - Identificação das necessidade de saúde do paciente;
VI – Seleção de conduta e plano de cuidado;
VII - Registro da data e hora do início e do encerramento da teleconsulta.
Art. 9º - Durante o atendimento, a emissão de outros documentos podem ser necessários, como declaração de serviço farmacêutico, a receita, além do documento de encaminhamento a outros profissionais ou serviços de saúde.
Art. 10 - Todos os registros e documentos emitidos eletronicamente pelo farmacêutico deverão ser assinados utilizando o certificado digital provido pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil).
Art. 11 - Consideram-se, para os fins desta resolução, as definições de termos (glossário) e o modelo de Termo de Consentimento Informado, contidos no Anexo.
Art. 12 - Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Federal de Farmácia.
Art. 13 - Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação, com validade pelo período que durar a pandemia provocada pelo novo Coronavírus, revogando-se as disposições em contrário.
WALTER DA SILVA JORGE JOÃO
Presidente – CFF
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