No mesmo dia em que os Estados Unidos retiraram a autorização de emergência de tratamento com a cloroquina e hidroxicloroquina contra a Covid-19, o Ministério da Saúde (MS) estendeu a recomendação de uso das drogas para gestantes e crianças. Medida foi considerada irresponsável por profissionais de saúde.
Apesar da falta de evidências científicas de que o tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina tenha resultados positivos contra a Covid-19, o MS decidiu recomendar nesta segunda-feira (15/6) seu uso para crianças e grávidas com suspeita da doença, contrariando a opinião de especialistas. Dois ministros da Saúde, por exemplo, deixaram o governo por se opor ao uso indiscriminado da substância. O presidente Jair Bolsonaro é ferrenho defensor desse tratamento.
A diretriz anterior do MS, que estendia a possibilidade de uso da cloroquina para casos leves, já abria espaço para o uso em crianças, mas não havia orientações específicas para esse grupo, o que ocorre agora. O modelo recomendado pelo ministério prevê indicação conjunta com o antibiótico azitromicina e doses que variam por fase de tratamento e sintomas leves, moderados ou graves.
No caso das crianças com sintomas leves, o uso deve ser recomendado em caso de presença de fatores de risco, como diabetes, hipertensão, obesidade, asma e cardiopatias, entre outros. A mesma ressalva não consta para casos moderados ou graves, de acordo com apresentação prévia da pasta, conforme divulgou a Folha.
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Para o médico, advogado sanitarista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Dourado, é “inacreditável” que o MS, sob o comando interino do general Eduardo Pazuello, dobre a aposta no uso da cloroquina, ampliando a orientação de uso, no mesmo dia da decisão dos EUA contrária ao tratamento.
“Sem nenhuma base científica, sem comprovação de segurança e eficácia. No mesmo dia em que a Food and Drug Administration (FDA) (órgão responsável pelo controle de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos) cancelou até mesmo a autorização emergencial para esse tipo de uso, concluindo que não é mais razoável acreditar que essas drogas possam ser eficazes no tratamento da Covid-19 e nem que os benefícios potenciais possam superar seus riscos conhecidos e potenciais”, disse Dourado ao Estadão.
Segundo o jornal, o uso da cloroquina contra a Covid-19 também é rejeitado por três das principais entidades médicas e científicas nacionais. A Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia assinam documento no qual recomendam não usar essas drogas como tratamento de rotina da doença.
A nova medida, segundo a Folha, também contraria parecer divulgado em maio pela Sociedade Brasileira de Pediatria, que recomendou a médicos que o uso da cloroquina e hidroxicloroquina em crianças ficasse restrito apenas a estudos clínicos controlados, e não como rotina de tratamento precoce, como prevê o Ministério da Saúde.
MS não mostra evidências para novo posicionamento
De acordo com a Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, gestantes e crianças são grupos de risco para a doença, e por isso foram incluídos na recomendação. Ela disse que o ministério deve orientar uso da cloroquina e de outros medicamentos na atualização da nota.
Questionada sobre o posicionamento da Sociedade Brasileira de Pediatria, Mayra disse à Folha que segue as orientações da entidade, mas não respondeu sobre a divergência de diretrizes. Segundo ela, o documento ainda deixará a decisão sobre a oferta a critério dos médicos. A medida, porém, pode aumentar mais uma vez a pressão para uso desses medicamentos na rede de saúde.
O MS deve agora atualizar a nota informativa divulgada em 20 de maio sobre o uso da cloroquina. De acordo com o Estadão, o documento não é um protocolo, ou seja, não dita regras no Sistema Único de Saúde (SUS) nem passa a autorizar procedimentos antes proibidos, mas tem forte poder político. Um dos pilares para elaborar o protocolo é a comprovação científica da eficácia da droga – o que não existe.
Mayra minimizou também a decisão da FDA sobre a retirada da autorização da cloroquina e hidroxicloroquina para uso emergencial. Segundo a secretária, a agência se baseou em “trabalhos de péssima referência metodológica”. Ela disse ainda que a FDA só permitia uso para casos graves, enquanto no Brasil a recomendação é do uso precoce.
A secretária do MS ainda sugeriu, sem mostrar evidências, que a mudança de discurso do ministério sobre a cloroquina, feita no fim de maio, fez a curva de casos no País e a taxa de ocupação de leitos de UTI baixarem. “Não podemos afirmar com segurança que se deve a Estados e municípios que usaram prescrição, mas há indícios”, disse ao Estadão.
Contudo, números divulgados pelo próprio Ministério da Saúde têm apontado aumento na curva de casos e mortes em boa parte do País. Também sem mostrar evidências sólidas Mayra disse que a Índia teve resultados benéficos por adotar de forma preventiva o uso da cloroquina, o que ainda não é feito no Brasil.
O que a secretária não contou é que a Índia decretou lockdown em 24 de março. Em pouco mais de dois meses de isolamento social, o país de 1,3 bilhão de habitantes registrou 280 mil casos e 8 mil mortes por Covid-19. Pelos dados de hoje (16/6), o Brasil (que não teve lockdown e o isolamento social vem caído de forma acentuada nas últimas semanas) contabiliza 904.734 pessoas infectadas e 44.657 mortes pelo novo coronavírus.
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