Pandemia e alta do dólar estimulam nacionalização de insumos

Pandemia e alta do dólar estimulam renacionalização de insumos

Empresas de vários setores buscam reduzir a dependência do fornecimento de insumos do exterior, especialmente o asiático, com destaque para o chinês, afetado por conta da pandemia e alta da moeda americana. Indústria farmacêutica brasileira é bastante dependente da matéria-prima importada.

A pandemia mostrou o impacto que a dependência por insumos estrangeiros pode ter em momentos de crise. Setores mais afetados por falta de peças e de matéria-prima estudam com o Governo como determinar áreas estratégicas, na tentativa de recompor cadeias de produção que foram quebradas por falta de investimento ou de competitividade.

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Somado à alta do dólar, que pressiona as compras internacionais, esse problema tem estimulado trazer a produção de insumos de volta para o País. Empresas de variados segmentos têm planos de nacionalizar a fabricação de matérias-primas para reduzir a dependência externa, conforme revelou o jornal O Globo.

O setor químico é um dos mais dependentes dos insumos importados. A indústria farmacêutica brasileira sofreu quando a Índia, a maior exportadora de genéricos do mundo, impôs corte nas vendas externas de remédios. O impacto só não foi maior porque os estoques estavam elevados, com provisão para até cinco meses, em média.

Para a diretora de Assuntos Regulatórios e Acesso ao Mercado da EMS, líder no setor farmacêutico brasileiro, Solange Dallana, essa não é uma discussão só no Brasil. “É mundial, devido às dificuldades de importação e à volatilidade cambial. No curto prazo temos estoques, mas, para médio e longo prazos, há uma discussão que é inevitável em relação ao complexo industrial”, disse ao jornal.

Solange afirmou, ainda, que sua empresa, juntamente com as demais do setor, estão debatendo que produtos são essenciais para o País, para os quais faz sentido criar uma política de nacionalização e quais poderiam ser exportados.

Entidades defendem diminuir dependência externa

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química, Ciro Marino, na cadeia farmoquímica, o País “não produz quase nada”. Voltar a produzir no Brasil já é debatido nos gabinetes em Brasília, disse ele. A discussão acontece nos ministérios da Defesa, Economia e Cidadania.

“Nesse setor, 95% dos insumos são importados. E há os fertilizantes. São agroquímicos, estamos falando de biossegurança. Temos debatido nos ministérios da Defesa, da Economia e da Cidadania, mas a Defesa pegou para si a questão. Algumas cadeias que foram interrompidas podem voltar. O mundo está vendo que precisa se reindustrializar e desconcentrar produção”, defendeu Marino.

“Devido à elevada complexidade e ampla diversidade de tecnologias existentes no setor farmacêutico, nenhum país no mundo é autossuficiente. Todos precisam importar medicamentos e insumos, mesmo os países mais modernos e inovadores”, destacou em nota ao Portal do ICTQ a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).

Mas a entidade concorda que, com a expressiva alta recente do dólar, a indústria farmacêutica atuante no Brasil foi impactada. Por conta disso, juntamente com os desafios impostos pela pandemia e seu reflexo na economia mundial, “está levando o setor farmacêutico a reavaliar estratégias e ações para prever possíveis riscos e, assim, buscar soluções para sempre garantir o abastecimento de medicamentos no País”.

A Interfarma acrescentou que, para lidar com possíveis interrupções no fornecimento de insumos farmacêuticos (IFAs), como tem ocorrido em decorrência da pandemia, a RDC 348/20 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada em 18 de março, conferiu celeridade à troca de fornecedores de IFAs pelas empresas produtoras, “minimizando os impactos na produção”.

Fundada em 1990, a Interfarma possui 52 empresas associadas, que são responsáveis pela venda, no canal farmácia, de 79% dos medicamentos de referência do mercado e por 32% dos genéricos produzidos. Além disso, as empresas associadas respondem por 41% da produção dos medicamentos isentos de prescrição (MIPs) do mercado brasileiro e por 49% dos medicamentos tarjados (50% do total do varejo).

Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), o mercado brasileiro de medicamentos movimentou R$ 69,04 bilhões em 2019 (Canal Farmácia, valor líquido), conforme levantamentos da consultoria IQVIA. Procurado pelo Portal do ICTQ para comentar sobre a reindustrialização de insumos, a entidade não quis se pronunciar.

Modelo deve ser repensado

O debate sobre a redução da dependência do fornecimento de insumos do exterior também chegou às empresas estatais, que avaliam positivamente o movimento. O diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz), Jorge Mendonça, afirma que tem capacidade de suprir o mercado brasileiro, caso as pesquisas apontem essa necessidade.

“A crise pode nos levar a repensar o modelo e a valorizar a importância da pesquisa e da produção farmacêutica no País. Sabemos que vivemos em um mundo globalizado, e isso traz vantagens, mas queremos ter uma dependência externa tão grande?”, questionou Mendonça.

Algumas cadeias foram remontadas em tempo recorde. A explosão de demanda pelo álcool em gel fez renascer a indústria de espessante no País, de acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, João Carlos Basílio.

“No Brasil, o produto era fabricado por pequenas e médias empresas, o restante era importado. Com esse boom no consumo, ficamos sem matéria-prima. Conseguimos produzir o insumo no Brasil, e o fornecimento está sendo normalizado. O preço vem caindo para o consumidor. Aconteceu numa escala muito rápida”, disse o executivo ao Globo. “Teremos condições de produzir 31 bilhões de frascos por ano. Poderemos exportar. Houve uma reversão completa no fornecimento”, completou.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, o discurso oficial mudou completamente durante a epidemia. “Antes da crise, até fevereiro, a nota de toque era pela abertura comercial. Na Casa Civil e no Ministério da Defesa já veem a necessidade de diminuir a dependência de bens industrializados do exterior, uma mudança muita rápida. A conversa agora é sobre substituir importações por bens nacionais, escolhendo setores estratégicos”.

Já o diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni, diz que o Estado precisará ter atuação mais focada e seletiva. Segundo ele, o País não pode repetir os modelos do passado. “Haverá uma redefinição do papel do Estado, será um agente de equilíbrio social. Se ele voltar a liderar o processo de desenvolvimento, vai inviabilizar o reencontro do crescimento sustentável pós-pandemia. No caso brasileiro, ainda temos a fragilidade financeira”.

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