O farmacêutico hospitalar tem assumido um papel estratégico fundamental na gestão de medicamentos de altíssimo custo. Essa atuação vai além da simples dispensação: o farmacêutico tornou-se o guardião da sustentabilidade financeira institucional diante de terapias que podem custar milhões por paciente.
O professor da pós-graduação do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, em farmacoeconomia, e coordenador do grupo técnico de oncologia do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Verneck Silva, exemplifica: “Na gestão do Zolgensma, que pode chegar a R$ 8 milhões por dose (fonte CMED junho/25), a responsabilidade desse profissional começa na análise criteriosa dos protocolos de elegibilidade”.
Ele desenvolve fluxos rigorosos de avaliação pré-autorização, trabalhando em conjunto com equipes multidisciplinares para garantir que cada indicação seja absolutamente precisa e baseada em evidências científicas sólidas.
Para as terapias CAR-T Cell, Silva ressalta que essa atuação é ainda mais complexa. O farmacêutico coordena todo o processo logístico, desde a coleta das células do paciente até o retorno do produto personalizado. Isso inclui o gerenciamento de cronogramas apertados, controle de temperatura durante todo o processo e coordenação com laboratórios especializados.
O impacto na sustentabilidade financeira é direto e mensurável. Por meio de análises farmacoeconômicas rigorosas, o farmacêutico demonstra que cada real investido na estrutura especializada resulta em significativa economia ao evitar desperdícios e perdas. “Isso acontece por conta da redução de perdas por armazenamento inadequado, otimização de protocolos de uso e negociações mais eficazes com fornecedores”, destaca o professor.
Diante da necessidade de armazenar medicamentos termolábeis de valores milionários, a estrutura da farmácia hospitalar vem se modernizando em termos de equipamentos, tecnologia e controle. “A modernização da infraestrutura farmacêutica hospitalar tem sido uma revolução silenciosa, mas absolutamente necessária. Quando falamos de medicamentos que custam mais que um carro de luxo, não podemos aceitar riscos de perda por falhas de armazenamento”, afirma Silva.
Ele explica que o farmacêutico implementa sistemas de refrigeração biomédica com redundância tripla - equipamentos principais, backup automático e sistema de emergência. Cada refrigerador possui monitoramento 24/7 com alertas em tempo real via SMS e email para a equipe farmacêutica. Os sensores de temperatura são calibrados mensalmente e possuem certificação metrológica.
A tecnologia de monitoramento evoluiu para sistemas de IoT (Internet of Things, ou Internet das Coisas) que registram não apenas temperatura, mas também umidade, pressão de porta e até mesmo vibrações que possam comprometer a integridade dos produtos. Esses dados são armazenados em nuvem com backup automático, criando um histórico auditável para agências regulatórias.
“Investimos também em sistemas de identificação por RFID (Radio Frequency Identification ou, em português, Identificação por Radiofrequência) para medicamentos de alto custo, permitindo rastreabilidade completa desde o recebimento até a administração. Cada movimentação é registrada automaticamente, eliminando erros humanos e criando uma cadeia de custódia inviolável”, comenta ele.
O controle de acesso foi revolucionado com biometria e cartões de proximidade, garantindo que apenas profissionais autorizados manipulem esses medicamentos. Câmeras de segurança com gravação em alta definição complementam o sistema, criando um ambiente de máxima segurança.
Refrigeradores domésticos
“Os riscos de utilizar refrigeradores domésticos para medicamentos de alto custo são catastróficos e evitáveis. Esses equipamentos não foram projetados para manter a estabilidade térmica necessária para produtos farmacêuticos, especialmente aqueles termolábeis de altíssimo valor”, alerta Silva.
Refrigeradores domésticos apresentam variações de temperatura que podem chegar a 10°C durante um único ciclo de degelo, enquanto medicamentos como terapias biológicas requerem estabilidade de 2°- 8°C. Ele explica que essa variação pode causar desnaturação proteica irreversível, tornando o medicamento não apenas ineficaz, mas pode torná-lo perigoso para o paciente.
A distribuição de temperatura em refrigeradores domésticos é extremamente heterogênea. Enquanto algumas áreas podem estar a 2°C, outras podem atingir 15°C ou mais. Isso significa que mesmo medicamentos aparentemente refrigerados podem ter perdido completamente sua eficácia terapêutica.
“Infelizmente, ainda encontramos essa prática em algumas unidades de saúde por três razões principais: falta de conhecimento técnico sobre as exigências específicas de armazenamento, resistência administrativa aos investimentos necessários e ausência de farmacêuticos qualificados na liderança dessas decisões. Muitos gestores ainda veem refrigeradores biomédicos como luxo desnecessário, não compreendendo que uma única perda de medicamento de alto custo por armazenamento inadequado pode custar mais que toda a infraestrutura adequada. É uma questão de educação e conscientização que precisamos continuar trabalhando”, defende Silva.
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Por isso, os farmacêuticos têm conseguido justificar e viabilizar investimentos em equipamentos especializados (como refrigeradores biomédicos), que antes eram considerados luxo.
A justificativa para investimentos em equipamentos especializados tem se baseado em três pilares fundamentais: análise de risco financeiro, compliance regulatório e evidências científicas de custo-benefício.
“Desenvolvemos análises de Retorno sobre Investimento (ROI) que demonstram claramente o impacto financeiro de perdas por armazenamento inadequado. Por exemplo, um refrigerador biomédico de R$ 50 mil se paga com a prevenção de uma única perda de medicamento oncológico de alto custo. Quando apresentamos esses números para a diretoria, a decisão se torna óbvia”, pondera o professor.
Utiliza-se também o argumento regulatório. A RDC 430/2020, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estabelece requisitos específicos para armazenamento de medicamentos, e o não cumprimento pode resultar em multas pesadas e até interdição da farmácia.
O custo do compliance é sempre menor que o custo da não conformidade. Silva defende que a estratégia mais eficaz tem sido a apresentação de casos reais de outros hospitais que sofreram perdas milionárias por armazenamento inadequado. Ao mostrar que um hospital perdeu R$ 2 milhões em medicamentos oncológicos por falha de refrigeração, o investimento em equipamentos adequados deixa de ser visto como gasto e passa a ser encarado como proteção patrimonial essencial.
Protagonismo do farmacêutico hospitalar
“Definitivamente estamos vivendo um momento de reconhecimento do protagonismo farmacêutico, e isso é visível em múltiplas dimensões do ambiente hospitalar. A participação em comitês estratégicos é o indicador mais claro dessa mudança”, comemora Silva.
Os farmacêuticos já integram comitês de padronização, comissões de controle de infecção, grupos de gestão de custos e até conselhos administrativos. Sua voz técnica não é apenas ouvida, mas ativamente solicitada nas decisões que impactam a sustentabilidade institucional, pois eles olham além dos números frios.
“Na gestão de medicamentos de alto custo, somos reconhecidos como os especialistas indispensáveis. Médicos e administradores compreendem que nossa expertise em farmacoeconomia e logística farmacêutica é fundamental para viabilizar tratamentos inovadores sem comprometer a saúde financeira da instituição”, fala ele.
A tecnologia tem sido a grande aliada nesse reconhecimento. Sistemas de prescrição eletrônica, análise de interações medicamentosas em tempo real e protocolos de reconciliação medicamentosa demonstram diariamente o valor agregado dessa atuação. Cada erro evitado, cada economia gerada e cada protocolo otimizado fortalece essa posição estratégica.
“O aspecto mais gratificante é ver que nossa atuação está sendo reconhecida pelos próprios pacientes e familiares. Quando explicamos protocolos de segurança, orientamos sobre medicamentos de alta complexidade ou coordenamos terapias personalizadas, percebemos o respeito e a confiança que nossa profissão inspira. Contudo, ainda há muito trabalho pela frente. Precisamos continuar demonstrando nosso valor através de resultados mensuráveis, educação continuada e liderança técnica. O protagonismo conquistado deve ser mantido e expandido por meio da excelência profissional constante”, finaliza Silva.
Capacitação farmacêutica
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