Desafios da Farmácia Hospitalar brasileira

A farmácia hospitalar vem passando por mudanças significativas nos últimos anos, porém coexistem várias realidades em nosso País, desde farmácias extremamente modernas, prestando toda a gama de serviços, até o outro extremo, com hospitais sem farmacêutico.

O Brasil é um País continental e a farmácia hospitalar enfrenta diversos desafios, como ter farmacêuticos em 100% dos hospitais. Além disso, tem de melhorar a gestão administrativa (estocagem, armazenamento, planejamento, compras etc.). A melhoria da qualidade técnica é outra urgência no que se refere à dispensação, manipulação, participação em grupos multiprofissionais e ações de farmácia clínica.

Já percebemos alguns avanços, principalmente com as diretrizes curriculares (MEC, 2002); a RDC 44/09 (Anvisa), com foco nos serviços farmacêuticos; as Resoluções do Conselho Federal de Farmácia (CFF) - 585/13 e 586/13 - com a regulamentação das atividades clínicas e prescrição farmacêutica.

Entretanto, no cenário técnico profissional, há a deficiência na formação para atender essas necessidades e falta de prática na prestação de serviços dessas atividades. É fundamental a prática mais desenvolvida em ambiente hospitalar (por conta do aumento da demanda por profissionais preparados).

De acordo com o CFF, farmácia hospitalar e outros serviços de saúde são definidos como unidades clínicas, administrativas e econômicas, dirigidas por farmacêutico, ligadas hierarquicamente à direção do hospital ou serviço de saúde, e integrada funcionalmente com as demais unidades administrativas e de assistência ao paciente.

O farmacêutico hospitalar é o profissional responsável pela orientação de pacientes internados e ambulatoriais, visando sempre à eficácia terapêutica, racionalização dos custos e uso racional dos medicamentos, o que promove o ensino e a pesquisa, além de propiciar um vasto campo de aprimoramento profissional.

Ele também atua na gestão dos estoques e logística farmacêutica, tendo o medicamento como insumo mais importante. Representa a farmácia nas mais variadas comissões hospitalares, sendo uma referência em tudo o que cerca o medicamento.

As atribuições do farmacêutico hospitalar no Brasil são definidas pela Resolução 568/12, do CFF, que regulamenta o exercício profissional nos serviços de atendimento pré-hospitalar, na farmácia hospitalar e em outros serviços de saúde, de natureza pública ou privada.

As principais atribuições do farmacêutico foram agrupadas em cinco grandes áreas: atividades logísticas, atividades de manipulação e produção, atividades focadas no paciente, controle de qualidade e atividades intersetoriais.

1. Atividades Logísticas

O farmacêutico é o responsável legal por todo o fluxo do medicamento dentro da unidade hospitalar. As atividades de logística hospitalar englobam o planejamento, implementação e controle eficientes e o correto custo do fluxo e armazenagem de medicamentos e outros materiais. Além disso, inclui a elaboração de normas e controles que garantam a sistemática da distribuição e a qualificação de fornecedores.

Eu diria que as atividades logísticas contemplam ainda a aquisição; processo de compra; dispensação individualizada, coletiva e unitária; gases medicinais; gerenciamento de resíduos; e farmacoeconomia.

2. Atividades de manipulação e produção

A manipulação de fármacos, por exigência ética e jurídica, deve seguir os princípios das Boas Práticas de Manipulação em Farmácia, conforme RDC 67/07, da Anvisa. Segundo essa normativa, para realizar a manipulação, a farmácia deve dispor de áreas para as atividades administrativas, de armazenamento, controle de qualidade e dispensação, além de salas exclusivas para a pesagem e para a manipulação propriamente dita. Inclui a nutrição parenteral, medicamento citostático, produção de saneantes e a produção de medicamentos manipulados.

No caso da manipulação de produtos com maior toxicidade e, consequentemente, com risco ocupacional e ambiental elevados, é necessária a observação de aspectos específicos:

I - Antibióticos, hormônios e citostáticos - A RDC 67/07 determina que, para a manipulação dessas classes terapêuticas, as farmácias devem possuir salas exclusivas para cada classe, contendo uma antecâmara com sistemas de ar independentes e de eficiência comprovada. Essas salas devem possuir pressão negativa em relação às áreas adjacentes, para evitar contaminação cruzada e proteger o manipulador e o meio ambiente.

Já a RDC 220/04, da Anvisa, define os requisitos mínimos para a terapia antineoplásica, cujos destaques são a necessidade de área destinada à paramentação, cabine de segurança biológica da Classe II B2 (conforme a RDC 50/02, da Anvisa), sala exclusiva para a preparação de medicamentos para TA com área mínima de 5m2 por cabine de segurança biológica e área de armazenamento exclusiva para medicamentos.

II - Radiofarmácia - Esse é o ramo da ciência farmacêutica que se ocupa da pesquisa e desenvolvimento, produção, controle de qualidade, garantia da qualidade e demais aspectos relacionados aos radiofármacos. Visando à proteção da saúde dos pacientes, dos profissionais envolvidos e do público em geral, os serviços de medicina nuclear devem atender aos requisitos e parâmetros de instalação e funcionamento estabelecidos pela RDC 38/08, da Anvisa.

III - Nutrição Parenteral - Apesar de não apresentar riscos ocupacionais e ambientais, a manipulação de nutrição parenteral exige condições específicas e controladas, principalmente pela necessidade de esterilidade, apirogenicidade e ausência de partículas. Para isso, devem ser observados os aspectos destacados pela Portaria MS/SNVS 272/98, que determina o regulamento técnico para a terapia de nutrição parenteral.

3. Atividades focadas no paciente

I – Farmácia Clínica – Segundo o Comitê de Farmácia Clínica da Associação Americana de Farmacêuticos Hospitalares, essa área pode ser definida como a ciência da saúde cuja responsabilidade é assegurar, mediante aplicação de conhecimentos e funções, que o uso do medicamento seja seguro e apropriado, necessitando, portanto, de educação especializada e interpretação de dados, motivação pelo paciente e interação multiprofissional.

II – Atenção Farmacêutica – Segundo o Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica (OPAS, 2002), a atividade pode ser definida como uma prática desenvolvida no contexto da assistência farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e corresponsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde.

É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando à farmacoterapia racional e à obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida. Essa interação também deve envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades biopsicossociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde.

III – Assistência Domiciliar – O Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) deve atender ao regulamento técnico de funcionamento estabelecido pela RDC 11/06. As atribuições do farmacêutico na assistência domiciliar são regulamentadas pela Resolução 386/02, do CFF.

Nesse serviço, o farmacêutico presta orientações quanto ao uso, indicações, interações (medicamentosas e alimentares), efeitos colaterais, medicamentos via sonda (enterais e nasoenterais), guarda, administração e descarte de medicamentos para a equipe multidisciplinar, para o paciente e seus familiares.

IV - Erros de Medicação – É qualquer erro em qualquer dos processos do sistema de utilização de medicamentos. Pode assumir dimensões clinicamente significativas e impor custos relevantes ao sistema de saúde. Os erros de medicação podem ser classificados em erros de prescrição, de dispensação e de administração.

4. Controle de Qualidade

Toda instituição hospitalar, dada a sua missão essencial em favor da preservação da vida do ser humano, deve preocupar-se com a melhoria permanente da qualidade de sua gestão e assistência, de tal forma que consiga uma integração harmônica das áreas médica, tecnológica, administrativa, econômica, assistencial e, quando houver, das áreas de docência e pesquisa.

5. Atividades intersetoriais

O ambiente hospitalar é extremamente complexo, demandando a ação conjunta de profissionais com diferentes formações para atingir seu objetivo maior, que é melhorar a saúde dos pacientes atendidos. Nesse sentido, destaco as principais atividades em que o farmacêutico hospitalar pode oferecer sua contribuição:

- Programa de capacitação e ensino

- Pesquisa em seres humanos

- Farmacovigilância

- Tecnovigilância

- Hemovigilância

- Centro de informações de medicamentos

- Participação nas comissões hospitalares: Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT), Comissão de Licitação e Parecer Técnico, Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), Comitê de Ética e Pesquisa, Comissão de Terapia Nutricional e Comissão de Terapia Antineoplasica.

Frente a tudo isso, quero destacar que o papel da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar (Sbrafh), cuja unidade do Acre eu presido, é o fortalecimento da representatividade do segmento farmacêutico hospitalar, com foco no reconhecimento da área.

O objetivo da Sbrafh é a qualificação, capacitação, normatização e defesa da sociedade e dos interesses dos farmacêuticos hospitalares. A fim de estabelecer alguns parâmetros para as atividades hospitalares, a entidade publicou os Padrões Mínimos para a Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde.

De acordo com o documento, a unidade de farmácia hospitalar - para proporcionar o desenvolvimento de processos seguros e sem sobrecarga ocupacional - deve contar com farmacêuticos e auxiliares em número adequado para a realização das suas atividades. O número mínimo de farmacêuticos recomendado dependerá das atividades desenvolvidas, da complexidade do cuidado e do grau de informatização e mecanização da unidade.

Eu vejo boas perspectivas para a área, que é a de maior crescimento na profissão farmacêutica, com transformação da realidade de saúde pública no País. Acredito muito na mudança do paradigma: Setor Rico – Profissão Pobre!

O poder de transformação da profissão farmacêutica está dentro de nós e depende da fagulha chamada força de vontade, que é alimentada pelo desejo de mudança com o foco no paciente, que é o maior beneficiário dos nossos serviços.

*Rossana Freitas é farmacêutica, mestre em Serviços de Saúde, especialista com título de Farmácia Clínica (SBRAFH), especialista em farmácia hospitalar (UNB), pós-graduada em Vigilância Sanitária e Epidemiológica.

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