A imunologia é o estudo dos mecanismos fisiológicos que os seres humanos e outros animais empregam para defender seus corpos da invasão por outros organismos. O sistema imune é crucial para à sobrevivência humana, e falhas em sua funcionalidade resultam em desfechos fatais, como observado em condições de redução ou ausência de imunidade protetora.
De acordo com o professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, dr. Edson Luiz Oliveira, o maior triunfo da imunologia foi o processo imunização ativa artificial, por meio da vacinação - um procedimento em que uma enfermidade de natureza infecciosa é prevenida por meio da exposição prévia ao agente infeccioso, inativado ou atenuado, oportunizando o sistema imune em obter a experiência necessária para elaborar uma resposta protetora com pouco risco para a saúde ou a vida.
“O procedimento de vacinação, principalmente em crianças, tem apresentando um papel relevante no contexto da saúde da população mundial, na prevenção das doenças infecciosas. O profissional farmacêutico, além de atuar na pesquisa científica para o desenvolvimento e produção de vacinas, apresenta papel relevante na rede de frio, que assegura o bom funcionamento da cadeia de frio. Além disso, recentemente, por meio resolução 654/18, foram estabelecidos os requisitos necessários à prestação do serviço de vacinação”, afirma Oliveira.
O organismo humano apresenta dois tipos de resposta à invasão por um patógeno: a imunidade inata e a imunidade adquirida. Os mecanismos de imunidade inata estão sempre presentes e podem ser ativados rapidamente. Em conjunto com as barreiras físicas podem ser considerados defesas fixas prontas para atuar todo o tempo.
“A resposta imune adaptativa, em contraste, focaliza de modo específico o agente patogênico e estabelece uma condição de proteção duradoura, como ocorre quando da infecção pelo sarampo, resultando em imunidade ao sarampo, mas não à caxumba, uma infecção causada por um vírus diferente”, lembra o professor.
As defesas do organismo podem falhar devido a deficiências de caráter genético que alteram o funcionamento do sistema imune. A presença de alelos mutantes para muitos genes que codificam os componentes do sistema imune resulta em doenças de imunodeficiência, que variam em severidade dependendo do gene alterado. A falha no sistema imune pode ser decorrente da ação de certos agentes biológicos, por exemplo, o vírus HIV que determina severa imunodeficiência, e que resulta na Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
Reações alérgicas
A estimulação do sistema imune é de suma importância para a manutenção da homeostasia. No entanto, em determinadas condições ocorrem reações excessivas aos antígenos ambientais inofensivos, que são denominadas reações de hipersensibilidade ou alérgicas. Esses antígenos ambientais, que provocam reações excessivas, são comuns no ambiente humano e a porcentagem de indivíduos que são alérgicos a um ou mais antígenos ambientes é de 10% a 30% dos habitantes.
Segundo o professor, a atividade do sistema imune pode, em determinadas condições, voltar-se contra o próprio organismo, e a imunidade adaptativa ser direcionada erroneamente para as células e tecidos saudáveis do corpo. Tratam-se das chamadas doenças autoimunes, que podem ocorrer entre 2% a 3% da população. As doenças autoimunes são condições inflamatórias em que o processo natural de reparo tecidual é suplantado pelo processo de destruição tecidual imposto pelo sistema imune e, nessas condições, a doença autoimune torna-se uma ameaça à vida.
“A atuação do farmacêutico na atenção clínica em imunologia, considerando o paciente pediátrico, é de grande importância no contexto do cuidado, atuando no serviço de vacinação para profilaxia de doenças infecciosas bacterianas ou virais e na orientação do emprego de terapêuticas não-farmacológicas e farmacológicas em pacientes que manifestam reações de hipersensibilidade e nos indivíduos portadores de doenças autoimunes”, afirma Oliveira.
Diferentes alterações em pediatria
Em pediatria, diferentes alterações na funcionalidade de órgãos e sistemas estão relacionadas com a atividade do sistema imune, incluindo infecções de repetição na criança saudável e no paciente imunodeficiente, dermatite atópica, urticária, alergia ocular, rinussinusite alérgica, alergia alimentar mediada por IgE, alergia a medicamentos, alergia a himenópteros, anafilaxia e asma.
Essas alterações exigem acompanhamento de diferentes profissionais -incluindo o profissional farmacêutico - que, por meio da orientação do uso correto de medicamentos bem como de medidas não farmacológicas, orienta os familiares e o paciente, reduzindo as exacerbações, evitando hospitalização e as reações adversas dos fármacos empregados.
ITRR (infecção do trato respiratório)
A infecção de repetição na criança saudável representada pela ITRR (infecção do trato expiratório por repetição), em geral, não está associada às falhas da resposta imunológica, mas reflete imaturidade imunológica e maior exposição a micro-organismos patogênicos durante os primeiros anos de vida. “Diferentes fatores de risco, tais como permanência em creches, número de irmãos, tabagismo e poluição ambiental, são determinantes do aumento da frequência de infecções respiratórias. A prevalência é de 3,4% a 32,1% e, a orientação farmacêutica no acompanhamento do paciente pediátrico com ITRR incluirá informação aos familiares sobre a importância de reduzir a exposição da criança a fumaça do cigarro e poluentes ambientes e também a importância do aporte adequado de micronutrientes, da manutenção do aleitamento e a imunização com vacina”, destaca Oliveira.
Infecções por repetição em pacientes imunodeficientes, geralmente, apresentam-se com maior gravidade e duração, sendo ocasionadas por micro-organismos oportunistas, de baixa virulência, por cepas vacinais ou mesmo micro-organismos habituais.
As imunodeficiências primárias estão vinculadas a defeitos predominantemente de anticorpos, alterações da imunidade celular (célula T), falhas na atividade e fagócitos defeitos do complemento.
“Importante ressaltar que o diagnóstico e a instituição da terapêutica adequada são de suma importância para a sobrevivência e melhora da qualidade de vida das crianças. A participação da equipe multiprofissional é fundamental e, nesse contexto, o profissional farmacêutico atuaria na educação do paciente e seus familiares, quanto a evolução e a importância da adesão ao tratamento”, comenta o professor do ICTQ.
Dermatite atópica
A dermatite atópica é uma dermatose inflamatória de curso crônico e recidivante, de etiologia desconhecida, frequente na infância, caracterizada por prurido intenso, xerodermia e hiper-reatividade cutânea. Estudos epidemiológicos indicam que a prevalência é de aproximadamente 8,2% em crianças entre 6 e 7 anos, e a fisiopatológica inclui deficiência da função de barreira cutânea, disfunção da imunidade inata por meio da atuação que queratinócitos e células de Largerhans, alteração da microbiota e influência de fatores psicossomáticos.
“Os fatores desencadeantes englobam alterações das condições climáticas, presença de antígenos alimentares, aeroalérgenos e fatores psicológicos. Em torno de 55% do pacientes relatam que fatores emocionais são determinantes do desencadeamento de crises”, diz Oliveira.
O farmacêutico atua na orientação do paciente, considerando os quatro pilares do manejo da dermatite atópica:
- educação e autocuidado do paciente;
- orientação sobre hidratação da pele;
- informação sobre controle de fatores desencadeantes (produtos para higiene pessoal e limpeza doméstica, fumaça de cigarro, variações de temperatura e umidade, alérgenos ambientais, poluentes ambientais e alérgenos alimentares); e
- uso adequado dos medicamentos tópico-oral.
A orientação sobre o uso correto de corticosteroides tópicos na dermatite atópica exerce um efeito anti-inflamatório local com reduzida ação sistêmica. Nesse contexto, é preciso evitar que a aplicação em áreas cobertas pelas fraldas ou em grandes superfícies ocorra por tempo prolongado.
Urticária
Urticária e angioedema são dermatoses imunológicas que, nas crianças, são geralmente leves e autolimitadas, sendo consideradas agudas (menos de seis semanas) e crônicas (mais de seis semanas). Essas duas condições são decorrentes de reação alérgica IgE mediadas. As principais causas incluem a ocorrência de infecções virais, uso de medicamentos e consumo de certos alimentos.
“Os medicamentos que deflagram urticária alérgica incluem certos antibacterianos beta-lactâmicos (penicilina e cefalosporinas), sulfas, carbamazepina, fenobarbital, ácido valpróico e AINE. A manifestação clínica inclui erupção cutânea muito pruriginosa, com ocorrência de placas eritematosa elevadas de tamanho variado, únicas ou numerosas e coalescentes, sendo a região central pálida. A forma crônica é provocada por uma grande diversidade de fatores e a exclusão do agente desencadeante e o emprego de fármacos específicos são medidas empregadas na terapêutica não-farmacológica e farmacológica”, fala Oliveira.
Alergia ocular
O quadro de alergia ocular é comum na infância e na adolescência, com frequência de 10,6% a 17,4% nas crianças entre 6 e 7 anos; e 9,6% a 28,5% nos adolescentes entre 13 e 14 anos. Considerando a vascularização dos olhos e o contato direto com alérgenos ambientais é possível verificar que eles, como substâncias irritantes, facilmente se depositam na superfície dos olhos.
De acordo com Oliveira, as reações de hipersensibilidade geralmente estão envolvidas nos mecanismos da conjuntivite alérgica, ceratoconjuntivite vernal e papilar gigante, e os fatores desencadeantes incluem alérgenos presentes na poeira doméstica, como antígenos de animais domésticos, antígenos da barata e ácaros.
Em geral, o paciente não apresenta dor ocular e as manifestações incluem prurido, fotofobia, hiperemia conjuntival, lacrimejamento, secreção e desconforto ocular. O diagnóstico e acompanhamento pelo oftalmologista são imprescindíveis, e o farmacêutico atuará orientando sobre o uso correto dos medicamentos prescritos (lubrificantes oculares, anti-histamínicos e CCT, dentre outros). O emprego de medidas não-farmacológicas será de extrema importância para a resolução dessa condição clínica.
Rinossinusite alérgica
A prevalência da rinite alérgica para escolares e adolescentes é de 12,6% e 15,6%, respectivamente, sendo classificada em intermitente ou persistente, e leve ou moderada/grave considerando a gravidade. Os principais sintomas clínicos incluem: obstrução nasal, rinorreia, espirros em salvas, prurido local e, algumas vezes, gotejamento pós-nasal.
As medidas farmacológicas e não-farmacológicas incluem o emprego de irrigação nasal salina, anti-histamínicos, corticosteroides tópicos nasais e, mudanças de estilo de vida da criança. Os descongestionantes tópicos nasais e descongestionantes orais (como a pseudoefedrina e fenilefrina) devem ser evitados por serem agonistas adrenérgicos, ocasionando vasoconstrição com consequente hipertensão, tremores e palpitação. O farmacêutico orientará sobre o uso correto dos medicamentos prescritos e sobre as medidas não-farmacológicas.
Alergia Alimentar mediada por IgE
As reações alérgicas aos alimentos se devem, principalmente, ao leite vaca, soja, ovo, castanhas, trigo, peixes e crustáceos e, as crianças com atopia são mais propensas a apresentar essa condição clínica. Proteínas alimentares, de baixo peso alimentar e resistentes à desnaturação pelo aquecimento e digestão são responsáveis pelo desencadeamento das reações Ig-E mediadas.
Para Oliveira, a ligação dessas proteínas à IgE resultará em alterações celulares que culminarão com liberação de histaminas, proteases, prostaglandinas, leucotrienos e citocinas que promoverão alterações em diversos órgãos, ocasionando os sintomas. As manifestações clínicas incluem alterações cutâneas, gastrintestinais, respiratórias e sistêmicas (anafilaxia). O manejo do paciente requer basicamente restrição alimentar e tratamento das reações, caso ocorra ingestão acidental. Orientações feitas pelos profissionais envolvidos, incluindo o farmacêutico, serão imprescindíveis para propiciar boa qualidade de vida para o paciente e sua família.
Alergia a Medicamentos
Reação adversa a medicamentos (RAM), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é definida como qualquer evento nocivo, não intencional e indesejado, que ocorre durante o uso de medicamentos para prevenção, diagnóstico ou tratamento de enfermidades. RAM pode ser previsível ou imprevisível, sendo a alergia medicamentosa (IgE e não IgE-mediada) classificada entre as últimas. “Os medicamentos mais frequentemente envolvidos nas alergias são os antibióticos (betalactâmicos), antitérmicos e AINEs. Clinicamente as reações são divididas em imediatas ou tardias, sendo a pele o órgão mais envolvido nas alergias aos medicamentos”, explica Oliveira.
A terapêutica consiste na suspensão imediata do medicamento e o emprego de anti-histamínico H1 (urticária e angioedema) e CCT (exantema maculopapular), segundo prescrição médica. O farmacêutico, em sua atuação clínica, deve orientar a população sobre o uso indiscriminado de medicamentos e os riscos da ocorrência de reação medicamentosa.
Alergia a himenópteros
A alergia aos himenópteros (abelhas, vespas e formigas) é uma reação de hipersensibilidade do tipo I, mediada por IgE, e desencadeada pelos componentes (proteínas, peptídeos e aminas vasoativas) presentes no veneno desses insetos.
Sua ocorrência é mais frequente na infância e, geralmente, a maioria das reações são limitadas ao local da picada, com sintomas como dor, eritema e edema. Reações anafiláticas e potencialmente fatais são mais raras e exigem medidas terapêuticas com emprego de fármacos específicos. Em sua atuação clínica, o farmacêutico deve atuar na orientação dos pacientes alérgicos e seus familiares.
Anafilaxia
Embora já mencionada, a anafilaxia pode ser definida como uma reação alérgica muito séria, sistêmica, de início súbito e que pode ocasionar morte. A frequência da ocorrência é de 0,05% a 2% no curso da vida das pessoas. Os fatores de risco para incidência e gravidade incluem a idade do paciente (predomínio em adolescentes e adultos jovens), presença de comorbidade (asma, rinite alérgica, dermatite atópica e doenças cardiovasculares) e uso de certos medicamentos.
A causa morte, nos casos mais graves, reside na intensa vasodilatação e redistribuição do volume circulante. Os principais responsáveis por anafilaxia em pediatria compreendem: certos alimentos (leite e derivados, amendoim, nozes), hipersensibilidade ao veneno de himenópteros, certos medicamentos (anestésicos, opiáceos, alguns antibióticos, AINEs, antineoplásicos e agentes de diagnóstico e o látex, presente em artefatos do cotidiano (chupetas, brinquedos, entre outros), que têm papel relevante no desencadeamento de anafilaxia.
“Vale ressaltar que é rara a anafilaxia associada às vacinas. A manifestação clínica envolve eventos cutâneos, alterações respiratórias e do trato gastrointestinal e taquicardia, lacrimejamento, eritema conjuntival, congestão nasal, rinorreia, irritabilidade e alteração do estado mental e perda da consciência. A terapêutica empregada protocolos específicos e o farmacêutico atuará na orientação dos pacientes e de seus cuidadores quanto ao risco de recorrência”, ensina o professor.
Asma
A asma é uma doença respiratória crônica mais frequente na infância que apresenta componente genético e interações ambientais. Sua prevalência reside entre 10% a 30% na maioria dos países. As orientações para o sucesso do manejo da asma buscam reduzir e eliminar os sintomas, permitir sono repousante, propiciar crescimento e desenvolvimento normais, garantir a frequência escolar, permitir a prática de esportes, reduzir as exacerbações, evitar a hospitalização e minimizar reações adversas frente ao uso dos medicamentos.
Os cuidados farmacêuticos incluem a orientação sobre os medicamentos prescritos, o emprego de espaçadores e orientações em relação aos inaladores pressurizados, inaladores de pó seco e nebulizadores. A presença do farmacêutico na orientação dos cuidadores, no que concerne à profilaxia dos episódios de asma, é fundamental na redução dos episódios e manutenção da qualidade de vida.
Formação continuada
O farmacêutico clínico apresenta conhecimento, seja dos fundamentos da Imunologia e da Fisiopatologia, bem como dos medicamentos empregados na terapêutica das reações alérgica, para garantir os cuidados relacionados aos diferentes eventos alérgicos que se manifestam na infância. “Assim, uma formação continuada permitirá uma especialização para garantir a excelência no cuidado das reações alérgicas que ocorrem na infância. O farmacêutico também será parte integrante da engrenagem que garante o emprego de vacinas para a imunização das crianças, garantindo a profilaxia de doenças infectocontagiosas que acometem a população mundial”, conclui Oliveira.