Atenção farmacêutica junto aos pacientes oncológicos

Na oncologia, a integração de uma equipe com funcionamento harmônico, com amplos e efetivos canais de comunicação, torna os tratamentos mais efetivos, mais seguros e mais bem tolerados pelos pacientes. Por isso, há os que defendem que a oncologia é, atualmente, uma atividade estritamente multiprofissional. Será mesmo que já passou a época em que o médico só prescrevia, o farmacêutico só manipulava e o enfermeiro só administrava os medicamentos? Será que essa atuação multidisciplinar existe na prática ou está apenas limitada ao discurso politicamente correto?

“A atenção humanizada é importante em todas as áreas do cuidado à saúde e é de fundamental importância em doenças graves, como o câncer, em que os pacientes estão mais fragilizados. A prática nessa atividade tem sido o desenvolvimento de programas de aperfeiçoamento e a atenção multidisciplinar, já que dificilmente um único profissional consegue dar conta de todas as demandas dos pacientes e seus familiares”, defende o oncologista Ricardo Caponero autor dos livros A Comunicação Médico-Paciente no Tratamento Oncológico (MG Editores), e Cuidados paliativos - Conversas sobre a vida e a morte na saúde (Ed. Manole).

Importante salientar que oncologia é uma das especialidades médicas atendidas pelas farmácias hospitalares e que segue, do ponto de vista logístico, os mesmos cuidados dos demais medicamentos, porém com algumas peculiaridades, como a questão dos riscos associados ao seu manuseio e manipulação. “Via de regra, são medicamentos que exigem conservação em refrigeração ou controle de temperatura ambiente devido a sua termolabilidade, além da questão do alto custo, que requer cuidados com a segurança do seu armazenamento”, fala o presidente da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde (Sbrafh) e conselheiro Federal no CFF, Marcelo Polacow Bisson.

Ele lembra que a manipulação desses medicamentos é privativa do farmacêutico e exige área física apropriada de acordo com as normas sanitárias da Anvisa e profissionais do CFF. Como se tratam de medicamentos com elevado índice de reações adversas e efeitos colaterais, é fundamental um acompanhamento farmacêutico clínico - questão reforçada pela Lei Federal 13.021/2014. “Esses medicamentos não podem ser dispensados no varejo, pois são de uso exclusivo clínico e hospitalar, quase sempre exigindo diluições que requerem fluxo laminar e paramentação dos manipuladores. Mesmo os medicamentos orais exigem cuidados especiais no armazenamento e na dispensação, além de uma rigorosa orientação aos pacientes”.

No quesito importância do farmacêutico nesse contexto, o médico é enfático: “O farmacêutico tem um papel fundamental no levantamento das medicações que o paciente utiliza de forma rotineira, na análise das interações medicamentosas e, o mais importante, avaliando eventos adversos e garantindo a adesão do paciente ao tratamento”.

Atenção farmacêutica

Claudinei Alves Santana é professor do ICTQ de Atenção Farmacêutica em Oncologia, Atenção Farmacêutica em Antibioticoterapia, Farmácia Clínica, Farmacoterapias, Interações Medicamentosas, Fisiologia e Fisiopatologia dos Sistemas nos cursos de Farmácia Hospitalar e Oncologia, Prescrição Farmacêutica e Farmácia Clínica (Regular e In Company). Ele diz que a farmácia hospitalar é diferenciada em área física, sistemas de dispensação e controle logístico. O paciente não tem acesso à farmácia hospitalar, porém, é o farmacêutico que se desloca até o paciente para coleta de informações, dispensação de medicamento eventualmente e orientação ao paciente e seus familiares.

“É de suma importância a atenção farmacêutica nesses pacientes, pois alguns tipos de câncer são tratados por um longo período. Esse tratamento, isoladamente, já demanda muitos medicamentos, e em alguns casos, os pacientes têm doenças concomitantes (diabetes, depressão, hipertensão) que fazem com que se utilize ainda mais medicamentos, denominada polifarmácia”, comenta Santana. Nesse momento, o farmacêutico, com sua formação humanística, pode exercer a prática da atenção farmacêutica para diminuir as dificuldades do paciente em relação aos medicamentos. As principais práticas da atenção farmacêutica estão relacionadas a colaborar para a solução dos Problemas Relacionados com os Medicamentos (PRMs) que surgem devido ao mecanismo de ação dos oncológicos (anemias, náuseas e vômitos, fraqueza, dores musculares, entre outras). Ele defende que um ponto importante a ser ressaltado é a avaliação da prescrição e a sua adequação aos mais variados protocolos de tratamento. O farmacêutico é o profissional responsável por essa avaliação e intervenção junto à equipe médica.

Polacow afirma que, considerando a gravidade dos pacientes oncológicos e, muitas vezes, seu status psicológico, o cuidado com eles exige um alto grau de humanização. Até pouco tempo, o farmacêutico quase nunca tinha contato com o paciente, e suas atividades eram meramente logísticas e na manipulação. Atualmente, com o incremento da farmácia clínica na oncologia, o farmacêutico adquiriu outras atribuições que envolvem o seguimento farmacoterapêutico dos pacientes e a farmacovigilância destes medicamentos.

Com relação à prescrição do farmacêutico, mesmo para tratamentos complementares que reduzem os efeitos das reações adversas ocasionadas pelos medicamentos de tratamento oncológico, o oncologista Caponero afirma que o farmacêutico não é um prescritor: “Só podem fazer prescrições os médicos, odontologistas e veterinários (esses, é óbvio, só para sua clientela). O farmacêutico pode sugerir ao médico, mas não pode fazer prescrições. Isso seria caracterizado como exercício ilegal da medicina”.

Ele complementa que, quanto às substâncias não medicamentosas, não haveria problema na recomendação. Mas ele alerta que muitas substâncias ditas naturais (por exemplo, erva de São João; suco de toranja etc.) possuem interações com os fármacos tradicionais e precisam ser usadas com cuidado.

Caponero destaca, no entanto, que a comunicação é essencial em todos os aspectos do cuidado. É importante que as intervenções sejam sincrônicas e harmônicas, e isso só se consegue com a comunicação franca e frequente. “Todos os aspectos referentes ao cuidado do paciente devem ser privilegiados, mas a adesão ao tratamento e a ocorrência de efeitos colaterais são aspectos importantes. Em nosso meio, outro aspecto também de grande relevância é a qualidade da medicação. O farmacêutico é corresponsável pela qualidade dos medicamentos administrados”, diz o médico. Ele completa falando que, apesar de não serem prescritores, a lei faculta aos farmacêuticos a autonomia para trocar o nome comercial dos medicamentos, respeitadas as substâncias químicas e posologia.

Prescrição polêmica

Apesar de a classe médica não aceitar com facilidade, Polacow afirma que, de acordo com as resoluções 585 e 586/13 do CFF, o farmacêutico pode prescrever medicamentos e, no caso da oncologia - quando houver protocolos clínicos e eles tiverem valor legal e forem pactuados entre a equipe multiprofissional -, o farmacêutico, assim como o enfermeiro, podem prescrever, nos moldes do que ocorre atualmente nos Estados Unidos e na Europa, em países mais avançados em termos de farmácia oncológica. “Os medicamentos complementares normalmente são aqueles prescritos para tratar os efeitos colaterais dos medicamentos, como a náusea, vômito, enjoos, irritação nas mucosas, inapetência, fadiga ou a própria manifestação clínica da doença como, por exemplo, a dor”, comenta ele. Uma vez prescrito o medicamento, cabe ao farmacêutico acompanhar o paciente e encaminhá-lo ao médico quando entender necessário, sempre respeitando seus limites técnicos, éticos e legais.

Para Santana, esse profissional, acima de tudo, precisa entender o quanto é importante na restauração da saúde do paciente e o seu papel fundamental na equipe multiprofissional: “O farmacêutico precisa ter conhecimento em farmacologia dos medicamentos antineoplásicos e farmácia clínica em pacientes oncológicos, conhecimento aprofundado em interações medicamentosas e interpretação de resultados de exames laboratoriais, além de excelente técnica para manipulação de injetáveis”.

Segurança nos hospitais

No que se refere às práticas e aos cuidados essenciais quando os medicamentos oncológicos são administrados nos próprios hospitais nas vias orais ou intravenosa, Santana explica que essa administração é feita sempre com o objetivo de alcançar a segurança do paciente e, com isso, melhorar a efetividade do tratamento: “Em relação aos medicamentos orais e intravenosos a proposta é o medicamento certo, para o paciente certo, na dose certa e via certa. E isso somente é conseguido com sistemas de dispensação de medicamentos adequados que garantam rastreabilidade dentro da instituição hospitalar”. Em relação aos medicamentos intravenosos a etapa de manipulação é crucial, pois, além da avaliação da prescrição para a manipulação, o profissional farmacêutico necessita manipular os medicamentos com segurança e atenção. Nessa etapa, a rotulagem do manipulado é de extrema importância, pois deve conter informações completas sobre o nome do paciente, leito, tempo de infusão e estabilidade, nome do manipulador, para evitar erros no momento da dispensação e administração do medicamento.

Polacow comenta que a atividade deve seguir as boas práticas em farmácia hospitalar (da Sbrafh) e em farmácia oncológica (da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia - Sobrafo). O importante é o farmacêutico trabalhar conjuntamente com os demais membros da equipe multiprofissional. Sejam medicamentos orais ou intravenosos, ele diz que o farmacêutico deve acompanhar toda a administração por parte da enfermagem, sendo acionado quando necessário para orientar o paciente ou até mesmo discutir os protocolos com os médicos. “Já passou a época do serviço estanque, em que o médico só prescrevia, o farmacêutico só manipulava e o enfermeiro só administrava os medicamentos, sendo que hoje todas estas etapas são compartilhadas e discutidas conjuntamente”.

Para os cuidados em casa, as orientações aos pacientes englobam desde o efeito farmacológico, mecanismo de ação, posologia, reações adversas e como lidar com elas, além do armazenamento seguro e em condições apropriadas. É fundamental utilizar linguagem clara e inteligível com os pacientes, respeitando suas limitações. O ideal é que as orientações sejam escritas e, em casos de pacientes analfabetos ou com limitações, que a comunicação respeite suas necessidades, utilizando, por exemplo, pictogramas e até mesmo braile no caso de deficientes visuais.

Importante ressaltar para quem deseja atuar neste segmento que, além da graduação em Farmácia, é altamente recomendável a prática profissional (neste caso a residência multiprofissional) e a participação em cursos de pós-graduação lato sensu, por exemplo, em farmácia clínica em oncologia, farmácia oncológica ou em farmácia hospitalar. O ICTQ mantém cursos nessas áreas distribuídos nas principais capitais brasileiras.

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