Erros de prescrição comprometem a segurança do paciente e a qualidade do tratamento. Como resultado disso há um aumento da mortalidade relacionada aos medicamentos, prolongamento do tempo de internação e elevação significativa dos custos assistenciais. Os antimicrobianos estão entre os medicamentos que mais apresentam erros nas prescrições, por isso é fundamental que o farmacêutico atente para a prescrição.
O professor da pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Rafael Poloni, frisa que o farmacêutico deve confirmar que os sinais e sintomas estão condizentes com o medicamento prescrito e reportar ao médico quaisquer discrepâncias ou dúvidas em relação ao tratamento.
“Erros de prescrição não são raros e o farmacêutico deve estar atento para identificar e evitar equívocos de dispensação, além de ter o dever de certificar que o paciente entendeu o manuseio e utilização do medicamento, para garantir o tratamento seguro e eficaz. Caso a prescrição contenha erros, há necessidade de relatar ao prescritor para possíveis alterações”, salienta Poloni.
De acordo com o estudo Erros de administração de antimicrobianos identificados em estudo multicêntrico brasileiro, coordenado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP e publicado na Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, os erros de administração de antimicrobianos são relevantes, “pois podem interferir na segurança do paciente e no desenvolvimento de resistência microbiana”. A pesquisa foi realizada em unidades de clínica médica de hospitais das cinco regiões do País.
Os erros foram classificados em cinco categorias: dose, medicamento não prescrito, via de administração, paciente e horário. A categoria que apresentou equívocos mais frequentes foi a de horário, envolvendo 87,7% dos medicamentos antimicrobianos administrados, sendo que, desses, 57,6% deles foram administrados com antecedência em relação ao horário planejado.
Segundo os pesquisadores, o desconhecimento das especificidades dos antimicrobianos a serem administrados, assim como da necessidade de se cumprirem os intervalos de tempo entre as doses é um dos fatores que contribuem para a ocorrência desse tipo de erro.
O estudo mostra que os erros de dose foram a segunda categoria mais frequente, envolvendo 6,9% dos medicamentos. Segundo os cientistas, tais erros podem estar associados a falhas no cálculo matemático durante o preparo do medicamento. “Os erros de dose são preocupantes, considerando-se que, em unidades de clínica médica, é comum a internação de pacientes geriátricos, que apresentam diminuição da função hepática e renal, assim como a diminuição do metabolismo e da eliminação dos medicamentos”, anotaram os pesquisadores.
Entre os demais erros apontados no levantamento, o de medicamento não autorizado correspondeu a 3,2% do total; de via, 1,5%; e do paciente, 0,7%. Ao analisar as formas farmacêuticas dos medicamentos, as de uso parenteral foram as mais envolvidas nos erros com antimicrobianos, com 91,3% do total.
As cefalosporinas de terceira geração e as penicilinas de amplo espectro estão entre os antimicrobianos que apresentaram mais erros. Segundo os pesquisadores, esses grupos de medicamentos têm contribuído para o aumento da resistência de bactérias produtoras de beta lactamase estendida. Atualmente, esses microrganismos também representam uma grande preocupação referente à resistência bacteriana.
Segundo o farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Clínica de Endocrinologia e Metabologia no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Edson Luiz de Oliveira, o uso inadequado de antimicrobianos ocorre quando a escolha é incorreta, a dosagem é inadequada e o tempo de utilização é incorreto. Equívocos ocorrem também quando da utilização da terapêutica de prova em pacientes febris sem diagnóstico definido e pela via de administração inadequada.
Princípios que regem o uso de antimicrobianos
De acordo com os pesquisadores da USP, ações para promover o uso racional de antimicrobianos devem ser desenvolvidas pelas comissões de farmácia e terapêutica e de controle de infecção hospitalar, visando a conter a expansão da resistência microbiana nos serviços de saúde.
“Devem ser analisados a idade do paciente, seu histórico de hipersensibilidade e função renal e hepática, gravidez, estado imunológico, uso recente de antibiótico e local de atendimento”, destaca Oliveira. Acerca da infecção em si, o professor lembra que é preciso observar o seu local, o agente microbiológico, a gravidade e dados epidemiológicos, bem como aspectos relativos ao paciente e ao fármaco.
Sobre o fármaco, Oliveira ressalta que é preciso conhecer seu mecanismo de ação, farmacocinética (absorção, distribuição, biotransformação), espectro de atividade, dose prescrita, posologia e via de administração, interação com outros antibióticos e fármacos, incompatibilidade (de via de administração), atividade microbiana, potencial de resistência, contraindicação e custo.
É importante também, segundo o professor do ICTQ, avaliar a eficácia do antibiótico. Nesse caso, é preciso ter em conta que todos os antibióticos contribuem para a pressão seletiva e seleção de micro-organismos resistentes (o antibiótico seleciona as linhagens que são resistentes) e os de espectro restrito são sempre mais efetivos e selecionam menos organismos resistentes. A utilização de dados microbiológicos é sempre recomendada, em contraposição à terapia empírica e devem ser utilizados sempre consensos e diretrizes atualizados como referência terapêutica.
“Caso a antibioticoterapia não esteja sendo eficaz – quando não se atingiu a expectativa terapêutica – verifique se a infecção não é ocasionada por outro micro-organismo, ou seja, pode ser uma infecção viral, analise a adequação da dose empregada (questionar se a dose está adequada às necessidades do paciente), assim como o perfil farmacocinético inadequado (o fármaco não atinge o sítio infeccioso). É preciso observar também a diminuição da imunidade do paciente por fármacos ou comorbidades e a presença de cepas resistentes”, salienta Oliveira.
Estratégias para o uso racional dos antimicrobianos
Entre as estratégias para o uso racional de antimicrobianos, o professor do ICTQ elenca: conhecimento do espectro de ação, diagnóstico bacteriológico, terapêutica dirigida, grau de sensibilidade dos micro-organismos, hipersensibilidade do paciente aos antibacterianos e se vai ocorrer ou não terapia combinada em situações específicas (por exemplo, no caso da bactéria da tuberculose).
Outro aspecto relevante, segundo ele, é verificar se a febre é isolada. Nesse caso, não há indicativo de infecção bacteriana e, portanto, não será necessário o uso de antibacterianos. “É sempre importante avaliar a resposta terapêutica em um prazo de 72 horas, verificando se há ou não redução da infecção”, completa Oliveira.
Outro dado importante é que o antimicrobiano não deve ser utilizado por tempo prolongado, exceto em condições especiais, bem como avaliar o propósito da prescrição, se usado, por exemplo, em uma grávida, analisando os riscos dessa medicação.
Adesão ao tratamento também é fundamental. “Para o uso racional tem que ter o paciente aderindo ao tratamento. Um exemplo é o tratamento por microbactéria da turberculose. O paciente tem que aderir senão o micro-organismo não é eliminado”, frisa Oliveira.
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Outro aspecto relevante é ajustar a forma de administração, para verificar se ela está compatível com o paciente. No caso de terapêutica ambulatorial, deve-se empregar sempre que possível o uso oral. No caso de profilaxia pré-operatória é importante respeitar o tempo, não devendo ser prolongada.
Oliveira orienta também que é importante fazer a monitorização de antimicrobianos que apresentam nefrotoxicidade, como é o caso dos aminoglicosídeos e da vancomicina. “É fundamental avaliar as interações medicamentosas, bem como evitar o uso de antibióticos por via tópica, com exceção das infecções oculares e cutâneas”, conclui o professor.
Na conclusão do estudo, os pesquisadores da USP destacam que “o erro de medicação é evitável e deve ser analisado e revertido em educação e melhoria do sistema, promovendo o fortalecimento do processo de administração de medicamentos tornando-o mais seguro”.
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