Pesquisadores da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, descobriram que os rinovírus, causa mais frequente do resfriado comum, podem proteger contra a infecção provocada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), revelou a CNN.
Rinovírus (do grego rhino, que significa ‘do nariz’) são vírus respiratórios comuns encontrados em seres humanos. Identificados pela primeira vez em 1953, eles são extremamente pequenos e estão presentes em todo o mundo. As infecções por rinovírus podem ser graves em alguns casos. No entanto, eles geralmente causam o resfriado comum, uma doença relativamente leve.
Em resposta a essa infecção, o sistema imunológico humano produz moléculas destruidoras de vírus chamadas interferons, revelou Matthew Jame, assistente de pesquisa do Instituto Wellcome-Wolfson, na Queen's University Belfast, na Irlanda do Norte, em artigo para o site The Conversation e reproduzido no Brasil pela revista Galileu.
As células que revestem a garganta e vias respiratórias inferiores estão mais expostas ao ambiente, tornando-as um alvo primário para a infecção (ou coinfecção) por vírus respiratórios. Segundo os cientistas, as pessoas estão suscetíveis a muitos vírus diariamente, e a coinfecção (quando alguém é infectado simultaneamente por dois ou mais tipos de vírus) é bastante comum.
Conforme Matthew Jame, um dos resultados mais frequentes da coinfecção é a interferência viral, um fenômeno em que um vírus supera a competição e suprime a replicação dos outros vírus coinfectantes. Curiosamente, um crescente corpo de evidências sugere que os rinovírus podem interferir na replicação de outros vírus respiratórios que tendem a ser mais graves. Eles podem até oferecer ao hospedeiro uma proteção temporária contra eles.
No estudo de Yale, divulgado na semana passada no periódico científico Journal of Experimental Medicine, os pesquisadores descobriram que os rinovírus demonstraram suprimir a replicação do coronavírus. Segundo eles, o vírus respiratório comum inicia a atividade de genes estimulados por interferon, moléculas de resposta precoce no sistema imunológico que podem interromper a replicação do vírus SARS-CoV-2 nos tecidos das vias aéreas infectados com o resfriado.
O disparo dessas defesas no início da infecção por Covid-19 promete prevenir ou tratar a infecção, afirmou à CNN a professora assistente de medicina laboratorial e imunobiologia da Escola de Medicina de Yale Ellen Foxman, autora sênior do estudo. Uma maneira de fazer isso é tratando pacientes com interferons, uma proteína do sistema imunológico que também está disponível como medicamento. “Mas tudo depende do momento”, disse Ellen.
Trabalhos anteriores mostraram que nos estágios posteriores de Covid-19, altos níveis de interferon se correlacionam com doenças piores e podem alimentar respostas imunológicas hiperativas. Mas estudos genéticos recentes mostram que genes estimulados por interferon também podem ser protetores em casos de infecção por Covid-19.
Como estudos anteriores feitos pelo laboratório de Ellen Foxman mostraram que os vírus do resfriado comum podem proteger contra a gripe, eles decidiram avaliar se os rinovírus teriam o mesmo impacto benéfico contra o vírus Covid-19. Para o novo estudo, sua equipe infectou tecido das vias aéreas humanas cultivadas em laboratório com SARS-CoV-2 e descobriu que, nos primeiros três dias, a carga viral no tecido dobrou a cada seis horas. No entanto, a replicação do vírus Covid-19 foi completamente interrompida em tecido que havia sido exposto ao rinovírus.
Se as defesas antivirais fossem bloqueadas, o SARS-CoV-2 poderia se replicar no tecido das vias aéreas previamente exposto ao rinovírus, analisaram os cientistas. As mesmas defesas retardam a infecção por SARS-CoV-2 mesmo sem rinovírus, mas apenas se a dose infecciosa for baixa, sugerindo que a carga viral no momento da exposição faz diferença para que o corpo possa combater a infecção de maneira eficaz.
Os pesquisadores também estudaram amostras de esfregaços nasais de pacientes diagnosticados perto do início da infecção. Eles encontraram evidências de rápido crescimento do SARS-CoV-2 nos primeiros dias de infecção, seguido pela ativação das defesas do corpo.
De acordo com as descobertas, o vírus normalmente aumentava rapidamente durante os primeiros dias de infecção, antes que as defesas do hospedeiro entrassem em ação, dobrando a cada seis horas. Em alguns pacientes, o vírus cresceu ainda mais rápido. “Parece haver um ponto ideal viral no início da Covid-19, durante o qual o vírus se replica exponencialmente antes de desencadear uma forte resposta de defesa”, afirmou Ellen.
Segundo a cientista, o tratamento com interferon é promissor, porém pode ser complicado porque seria mais eficaz se tratado imediatamente nos dias após a infecção, quando muitas pessoas não apresentam sintomas. Os ensaios de interferon em Covid-19 até agora mostram um possível benefício no início da infecção, mas não quando administrado posteriormente.
Daí se depreende outra atitude: em teoria, o tratamento com interferon poderia ser usado preventivamente em pessoas de alto risco que estiveram em contato próximo com outras pessoas diagnosticadas com Covid-19. Mas isso teria que ser analisado com atenção e após estudos mais aprofundados.
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De qualquer forma, segundo Ellen, essas descobertas podem ajudar a explicar por que, em épocas do ano em que os resfriados são comuns, as taxas de infecções por outros vírus, como a gripe, tendem a ser mais baixas.
Por outro lado, os cientistas se preocupam que, à medida que as regras de distanciamento social diminuem, os vírus do resfriado comum e da gripe – que estiveram inativos no ano passado – voltem com mais força. A interferência entre os vírus respiratórios pode ser um fator atenuante, criando um ‘limite superior’ no grau de co-circulação dos vírus respiratórios, afirmou Ellen.
“Existem interações ocultas entre os vírus que não entendemos muito bem, e essas descobertas são uma peça do quebra-cabeça que estamos examinando agora”, completou a professora de Yale.
Para o farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Rafael Poloni, essas pesquisas podem indicar um caminho para barrar o avanço do novo coronavírus.
“Os resultados desses estudos apontaram que a defesa induzida de genes estimulados por interferon (ISG, do inglês induced interferon-stimulated genes), que são glicoproteínas com alta atividade antiviral produzidas pelo organismo, reduz a progressão da infecção pelo novo coronavírus”, salienta Poloni.
“Além disso, foi demonstrado que a infecção por outros vírus, por exemplo, o rinovírus, acelera as respostas de ISG e, quando previamente à infecção por SARS-CoV-2, a replicação deste último pode restar prejudicada. Esse estudo é fonte de esperança de novos estudos e horizonte promissor para tratamento da infecção do novo coronavírus”, conclui o professor do ICTQ.
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