Agora confirmados, inclusive no Brasil, os casos de reinfecção por Covid-19 exigem atenção não apenas de profissionais de saúde, mas de toda a população. A rede britânica BBC News Brasil elaborou um apanhado com os pontos principais para entender e se prevenir dos casos de reinfecção da doença causada pelo novo coronavírus.
Para se configurar como tal, a reinfecção pela Covid-19 deve ser demonstrada por dois testes PCR positivos, com intervalo de 90 dias entre ambos, além do sequenciamento genômico mostrando duas cepas diferentes, conforme protocolo do Ministério da Saúde (MS). Segundo o MS, até segunda-feira (21/12), o País tinha dois casos de reinfecção confirmados e pelo menos 58 casos suspeitos em análise.
Conforme o levantamento da BBC, o novo coronavírus tem passado por quase duas mutações por mês, e estas geram subgrupos de vírus, as cepas. Por isso o sequenciamento genético é tão importante para provar uma reinfecção – ele demonstra que se trata de duas infecções diferentes, e não do ‘ressurgimento’ ou fortalecimento do mesmo agente infeccioso em um primeiro adoecimento.
Aproximando-se da marca de 200 mil mortes por Covid-19, o Brasil tem agora o desafio de interromper os novos ciclos da doença. Veja a seguir quatro pontos básicos para entender como ocorrem as reinfecções e que lições pode-se tirar disso.
- Casos de reinfecção registrados
Por enquanto, o que se sabe é que os casos de reinfecção são raros. Porém, é preciso de mais dados globais para se ter certeza. É o que está tentando fazer a agência de notícias holandesa BNO News. Ela está reunindo e publicando diariamente informações sobre o tema – até ontem (21/12), a plataforma Covid-19 Reinfection Tracker registrava 30 casos confirmados de reinfecção no mundo e 2.049 sob suspeita.
Dos 30 casos confirmados, o intervalo médio entre a primeira e a segunda infecção foi de 80 dias. Um deles resultou em morte. O primeiro caso confirmado no mundo, em agosto, foi o de um morador de Hong Kong de 33 anos. Ele teve Covid-19 em março e depois em agosto – foram 142 dias de intervalo. Na primeira ocasião, ele teve sintomas leves; na seguinte, foi assintomático e só ficou sabendo da doença após ser testado no aeroporto. Suas amostras foram submetidas a testes PCR e ao sequenciamento genômico.
No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de reinfecção em 10 de dezembro. Uma profissional de saúde de 37 anos, moradora de Natal (RN), teve sintomas leves e PCR positivo em junho e outubro. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte, ela passa bem.
Posteriormente, foi confirmado um segundo caso no País, de uma auxiliar de enfermagem de Fernandópolis (SP) de 41 anos. Ela teve sintomas em ambas infecções e, segundo o secretário de saúde do município, Ivan Veronesi, também passa bem.
Diversos municípios e Estados estão divulgando episódios de reinfecção que não foram computados ainda pelo MS – que só o faz após a análise por seus laboratórios nacionais de referência, conforme ocorreu nos casos de Natal e Fernandópolis.
Porém a pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Paola Cristina Resende, que atua diretamente com o sequenciamento genético do vírus, pondera que muitos casos de reinfecção nunca serão registrados. Para começar, muitas pessoas no País sequer fizeram testes PCR, quem dirá dois, e com armazenamento satisfatório.
“Para realizar o sequenciamento genômico, é importante uma boa qualidade da amostra, com carga viral suficiente. Às vezes, essa primeira amostra coletada em abril, por exemplo, foi armazenada em um freezer que varia muito a temperatura, porque não tinha mais freezer (adequado). Ou foi deixada em temperatura ambiente em algum momento. Isso pode degradar o material genético viral, é fácil ocorrer”, explicou Paola à BBC. “É uma realidade do nosso País a dificuldade de armazenar muitas amostras. Muitas delas estão sendo descartadas”.
Já para os casos de amostras em que há qualidade satisfatória e que são encaminhadas para os laboratórios nacionais para confirmação da reinfecção, o intervalo entre a primeira infecção e a segunda deve ser de no mínimo 90 dias. Mas, segundo a pesquisadora, esse número ainda está em debate. Isso porque já há pelo mundo relatos de reinfecções mais longas e curtas. No levantamento da BNO News, há casos com intervalo que variam entre 10 e 185 dias.
- Riscos individuais e coletivos da reinfecção
Segundo cientistas ouvidos pela BBC, outro indicador para o qual não há um padrão é o de gravidade na comparação entre a primeira e segunda infecção. “Há relatos publicados de reinfecção mais grave do que a primeira vez, mas também casos como o primeiro registrado, assintomático (na segunda infecção, em Hong Kong)”, revelou a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Um dos primeiros estudos que compilou casos de reinfecção no mundo, publicado em outubro no periódico científico The Lancet Infectious Diseases, mostrou quadros muito variados – desde um homem de 25 anos que teve sintomas leves na primeira vez, mas que na segunda precisou ser hospitalizado nos Estados Unidos, ou a uma mulher de 51 anos que teve manifestações leves em ambos os casos na Bélgica.
Raquel frisou um ponto importante: com sintomas ou não, um paciente reinfectado pode continuar transmitindo a doença para outras pessoas normalmente. Entretanto, por serem aparentemente raras, especialistas acreditam que as reinfecções não serão capazes de protagonizar algo como uma segunda ou terceira onda de Covid-19 por si só.
- Como fica a imunidade
“Se há algo ainda misterioso ou que a gente tem pouco conhecimento sobre a Covid-19 é em relação à imunidade. Há perguntas que não foram ainda adequadamente respondidas, como por que quem tem quadro leve pode não desenvolver anticorpos”, apontou Raquel Stucchi. E, nos casos de reinfecção, esse parece ser justamente o caso.
“Quem tem quadro leve às vezes não faz nem proteção contra a doença, ou se faz, faz uma quantidade pequena de anticorpo que dura muito pouco tempo”, explica a professora da Unicamp, apontando que os casos de reinfecção têm acontecido em geral com pessoas saudáveis, sem deficiências anteriores na imunidade (pessoas imunossuprimidas), por exemplo.
Segundo especialistas, nosso sistema imunológico se defende em duas frentes. A primeira está sempre pronta para agir, assim que um agente estranho é detectado no corpo – é a resposta imune inata, que inclui as células brancas e substâncias que levam à inflamação no corpo. Mas essa é uma estratégia ‘genérica’, diferente da resposta imune adaptativa, que se adequa a um invasor específico como o coronavírus. Um dos soldados dessa frente são os linfócitos T, capazes de atacar apenas as células infectadas pelo vírus.
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Contudo, o desenvolvimento dessa resposta adaptativa toma tempo. Alguns estudos referentes à Covid-19 sugerem que a produção de anticorpos começa após 10 dias. Por isso, há dúvidas se pessoas assintomáticas ou com sintomas leves chegam a desenvolver esse tipo de estratégia.
Segundo os cientistas, caso seja desenvolvida, a imunidade adaptativa pode deixar uma memória no corpo que evitará infecções como aquela no futuro. Essa memória dura mais ou menos, a depender da doença. O sarampo é altamente memorável – uma infecção pelo vírus dessa doença é capaz de gerar imunidade para toda a vida. Por outro lado, o vírus sincicial respiratório (VSR) pode infectar crianças várias vezes no mesmo inverno.
Até agora não se sabe quanto tempo dura a imunidade para o Sars-CoV-2, mas outros seis coronavírus podem dar uma pista. Quatro deles produzem sintomas de um resfriado comum e têm uma resposta imune de vida curta, com pacientes podendo ser reinfectados um ano depois.
Já um estudo do King's College London sobre o novo coronavírus sugeriu que os níveis de anticorpos contra ele diminuíram ao longo de três meses. Para Paola Resende, tudo indica que o problema da reinfecção está mais relacionado à resposta imunológica do paciente do que com o vírus em si.
“A reinfecção não se dá tanto pelo vírus e o quanto ele evolui, mas pelo indivíduo e sua capacidade de produção de anticorpos contra o vírus", diz a pesquisadora da Fiocruz. “A quantidade de vírus circulando na população é grande, e a possibilidade de um indivíduo que já teve o coronavírus ser exposto (ao patógeno, novamente), também”, completou.
- O que já se sabe
Apesar de raras, as reinfecções reforçam uma lição para todos, segundo as cientistas entrevistadas pela BBC. “Muita gente que acha que já pegou Covid-19 e está imune, e que isso seria como um passaporte para largar todas as medidas preventivas. A confirmação de casos de reinfecção (no Brasil) mostra que não. Enquanto houver circulação do vírus, precisaremos manter as medidas preventivas e vai demorar um pouco mais para voltarmos à nossa vida normal”, destaca Paola.
Raquel Stucchi faz coro à colega. “Quem teve e quem não teve Covid-19 deve continuar usando máscaras, evitando aglomerações, entre outras medidas preventivas”, frisou a professora da Unicamp.
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