Os critérios para a comprovação da estabilidade de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) e de medicamentos acabam de ser revistos, o que significa um avanço para a indústria farmacêutica nacional. A expectativa é de que a atualização da norma seja finalizada até outubro. Dentre as mudanças, há a submissão de registros com 12 meses, mudança no prazo de validade provisório para alinhamento com Q1E, descrição na resolução dos testes, a flexibilização do tamanho do lote em estabilidade (Q1A), entre outras.
Isso foi definido em reunião da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizada no final da semana passada, para a segunda audiência pública, que debateu os temas relacionados à Consulta Pública 453/17. Esse documento recebeu contribuições da sociedade entre janeiro e abril. A primeira audiência pública ocorreu em fevereiro de 2018, também com a participação de representantes de conselhos e associações de profissionais e de atores do setor farmacêutico.
De acordo com a Anvisa, os estudos de estabilidade são fundamentais para garantir que um medicamento conserve suas propriedades depois de sair da fábrica até o final da sua data de validade, mantendo sua qualidade e segurança de uso.
Os estudos de longa duração levam dois anos ou mais, enquanto os estudos acelerados levam cerca de seis meses. Há, aproximadamente, 50 anos que não se tinha regulamentação sobre a estabilidade de produtos farmacêuticos, mesmo com a ciência geral de que algumas drogas possuíam comportamento instável. Leia a matéria sobre os IFAs, publicada no Portal de Conteúdo do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, intitulada Controle da qualidade de insumos farmacêuticos é fundamental para eficácia do medicamento (leia aqui).
Em 1975, a farmacopeia americana - United States Pharmacopeia - estabeleceu recomendações sobre a data de expiração de um produto. Em 1993 foi proposto um guia para os estudos de estabilidade, o ICH Q1 A. A partir desse guia diversas normas foram propostas com vistas a padronizar os estudos de estabilidade de produtos farmacêuticos.
Com a CP 453/17, a Anvisa estabelece as diretrizes para os estudos de estabilidade de produtos farmacêuticos no Brasil. A CP define os critérios para a realização dos estudos de estabilidade de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) e de medicamentos novos, genéricos, similares, dinamizados, específicos, de notificação simplificada, fitoterápicos e radiofármacos.
“Nós sabemos que a estabilidade é um dos pontos críticos para a qualidade do medicamento e a nossa normativa é muito antiga, então, essa possibilidade de atualizar esses requisitos com o apoio da diretoria e da área técnica é fundamental. A ferramenta de audiência pública se mostrou muito importante, principalmente, para ouvir os feedbacks e considerações de vocês”, falou o titular da Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), Gustavo Mendes.
Construção coletiva
A nova audiência pública sobre a CP 453/17 teve como objetivo esclarecer as dúvidas e comentários da audiência anterior, bem como apresentar os principais pontos da proposta de texto a ser enviada para a deliberação da Dicol. “Com esse investimento de tempo e de recursos, é necessário que as empresas que desenvolvem medicamentos tenham certeza sobre a validade dos estudos para análise pela Anvisa”, afirmou o titular da Gerência de Avaliação de Tecnologia de Registro de Medicamentos Sintéticos (GRMED), Raphael Sanches.
Segundo a diretora da Anvisa, Alessandra Bastos, estabilidade é um tema sensível. É um tema grave e talvez seja um dos maiores motivadores de exigências e indeferimentos da Agência, que entende que está no momento de mudar. Alessandra disse que quando se olha para o cenário atual, e que não é o que se deseja, é muito ruim quando se indefere, quando se precisa emitir uma exigência, porém é muito ruim também quando não se tem subsídios para amparar o especialista que lê um processo.
“Cabe à alta gestão desta casa [Anvisa] promover que isso aconteça. Já que hoje já estamos no ICH e já internalizamos vários guias, nós não poderíamos deixar a oportunidade de sentar a esta mesa como membro gestor, e isso faz toda a diferença. Eleva, obviamente, o status da Agência enquanto agência reguladora, isto é, o que fazemos é reconhecido; eleva o nível do nosso agente regulado – o nível do nosso setor produtivo melhorou sobremaneira e esse crescimento precisa ser concomitante. Quando eu falo bem da minha agência reguladora, eu estou falando bem também do meu setor regulado”, afirmou Alessandra.
O ICH é o Conselho Internacional sobre Harmonização de Requisitos Técnicos em Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (do inglês International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use).
“Ser parte do ICH, ter esse reconhecimento como uma Agência e como um País de alta regulação, que está no mesmo nível de agências reguladoras e membros fundadores e que discutem há tantos anos esses temas é muito importante para o nosso País. É a ampliação do conhecimento, de capacidade técnica, mas também é a possibilidade da nós, como agência reguladora, focarmos no que é mais crítico. Nossa diretriz aqui é alinhar, é convergir, é chegar em aspectos que sejam realmente críticos para a qualidade do produto, e que possam se reverter em uma maior agilidade de análise e em um maior foco da nossa parte, do que realmente importa”, disse Mendes.
“Quando nós convidamos vocês (o setor regulado) para discutir isso, nós dividimos a responsabilidade do que estamos falando. Todo mundo aqui é responsável também pelo resultado deste trabalho. O nosso objetivo é discutir com coerência, com responsabilidade, somos membros do ICH e seremos membros gestores. Temos certeza da importância dessa revisão de normas em função das exigências, dos indeferimentos, e o que nós queremos realmente é mudar esse cenário”, ressaltou Alessandra.
Alterações nos capítulos
No Capítulo I, das definições, foi incluída definição de “características de registros” para dar maior clareza no texto, principalmente nas partes que se referiam a “pós-registros no registro”.
O Capítulo II, dos estudos de estabilidade, é o que coloca a realização dos estudos de estabilidade e, segundo Sanches, houve algumas mudanças consideráveis em relação à minuta que foi para a consulta pública.
“Nós fizemos uma alteração para 12 meses, porque várias agências trabalham de formas diferentes. Nós fizemos um levantamento. Por exemplo, a agência japonesa também só aceita submissão de registros com 12 meses, já a agência americana aceita com seis meses, mas só aprova o registro depois de 12 meses de estabilidade”, explicou Sanches. Segundo ele, há o cenário de prazo da lei e ele teme que isso possa limitar a Agência caso algumas submissões de registros ficassem com seis meses. Para fins de registro, a Anvisa entendeu que não dá para submeter um estudo de estabilidade, porque não há tempo suficiente para se colocar prazo de validade, mesmo que provisório.
Para os Capítulos IV e V foram considerados:
- mudança no prazo de validade provisório para alinhamento com Q1E (possibilidade de ampliar prazo com base na arvore de decisão);
- descrição na resolução dos testes imprescindíveis (para os quais não se vislumbra nem justificativa de ausência);
- testes necessários (que podem ser justificados) estão no Guia;
- sobre medicamentos, buscou-se dar mais clareza sobre as situações de pós-registro no registro; e
- o tamanho do lote em estabilidade foi flexibilizado (Q1A).
Já o Capítulo VIII trata da transitoriedade, e as mudanças seguiram as premissas:
- não há demanda de adequação para produtos já registrados;
- não há necessidade de se mudar o protocolo do estudo até que se mude o produto (exceto produtos de notificação simplificada);
- o prazo para finalização dos estudos que se iniciaram com a norma vigente (validade do produto mais de seis meses) e o prazo para protocolo de petições com estudos que já estão finalizados (seis meses).
Expectativa
Conforme a CP 453/17, a estabilidade de fármacos é estudo projetado para testar e prover evidência quanto à variação da qualidade de IFAs ou medicamentos em função do tempo, diante da influência de uma variedade de fatores ambientais, tais como temperatura, umidade e luz, além de outros fatores relacionados ao próprio produto, como as propriedades físicas e químicas dos IFAs e dos excipientes farmacêuticos, bem como da forma farmacêutica, do processo de fabricação, do tipo e propriedades dos materiais de embalagem, com o objetivo de estabelecer a Data de Reteste do IFA ou o Prazo de Validade do IFA e do medicamento.
Sanches destacou que a expectativa é que ainda em outubro a atualização da norma esteja finalizada para ser publicada. Caso haja outras sugestões por parte do setor regulado, ele sugere que elas sejam encaminhadas, o quanto antes, para a Anvisa, para que possam integrar o documento.