Conhecido como o medicamento mais caro do mundo – custa inacreditáveis US$ 2,1 milhões (cerca de R$ 11,5 milhões) por paciente –, Zolgensma é usado para tratar crianças com atrofia muscular espinhal (AME) e acaba de receber registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), permitindo que seja comercializado no Brasil.
Produzido pela suíça Novartis, o Zolgensma promete neutralizar em crianças de até dois anos os efeitos da atrofia muscular espinhal, doença rara que pode causar a morte antes dessa idade. Até 2017, a AME não tinha tratamento no Brasil.
A permissão da Anvisa contemplou o tratamento da forma mais grave da AME, o tipo 1, mas a autorização foi dada em caráter excepcional, o que implica a realização de estudos adicionais acerca de sua eficácia, conforme revelou a Agência Brasil. A Novartis assinou um termo de compromisso assumindo a obrigação de envio de análises sobre a efetividade do tratamento e a promoção de ensaios clínicos com pacientes brasileiros.
Considerada uma doença rara e grave, a AME é causada pela alteração de uma proteína necessária para os neurônios ligados ao movimento dos músculos. Ela produz atrofia progressiva dos músculos, dificultando a condição de movimentação destes pelos pacientes. A incidência da doença é de 1 entre 10.000 nascidos vivos.
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Segundo a Anvisa, entre 45% e 60% das crianças acometidas com a AME desenvolvem a forma mais grave. A doença pode evoluir para a morte, sendo o principal motivo de falecimentos em crianças por causa de uma enfermidade monogenética.
A terapia com o medicamento dura cinco anos. Ele constrói uma cópia funcional do gene humano que produz a proteína responsável pelos neurônios vinculados à atividade motora. De acordo com a Anvisa, estudos mostraram que o uso da substância pode dar sobrevida aos pacientes.
Especialistas cobram transparência nos lucros do fabricante
O neurologista pediátrico Rodrigo Reis, membro do corpo clínico da Faculdade de Medicina do ABC, explicou ao G1 que a AME é uma doença neuromuscular degenerativa e progressiva sem tratamento até pouco tempo. “A AME não é reversiva e progride até atingir a musculatura respiratória do paciente”, afirmou Reis, destacando que isso pode mudar com o uso do Zolgensma já em bebês.
“O Zolgensma modifica o DNA do paciente e cria uma cópia funcional, isso em uma única dose. Teoricamente, estamos falando em cura da AME tipo 1, apesar de muito provavelmente as crianças ainda precisarem de atenção multidisciplinar, como fisioterapia e fonoaudiologia”, esclareceu o neurologista.
Por enquanto, o medicamento não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), mas o registro na Anvisa é o primeiro passo para que o governo o incorpore na saúde pública, segundo os especialistas disseram ao G1.
Contundo, para alguns cientistas o alto custo do medicamento é um obstáculo para os pacientes que necessitam dele. Segundo o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro do Painel de Alto Nível do Secretário-Geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos Jorge Bermudez, o valor do tratamento é “fora da realidade”.
Conforme apurou a Agência Brasil, em artigo publicado no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, o especialista argumenta que ele torna proibitivo o tratamento até mesmo para pessoas com alta renda. Ele lembra que na 72ª Assembleia Mundial da Saúde um grupo de países (integrado por Itália, Portugal, Egito e África do Sul, entre outros) apresentou uma proposta de resolução cobrando maior transparência da indústria farmacêutica quanto aos processos de fabricação de medicamentos, como forma de avaliar os lucros obtidos com determinados tratamentos.
Mobilização de mães fez governo agir
O primeiro medicamento para AME no Brasil foi o Spinraza, da Biogen, registrado pela Anvisa em 2017, depois de mobilizações de famílias pedindo ajuda do governo para custear o tratamento, em torno de R$ 3 milhões na época. Desde o ano passado, o medicamento está disponível no SUS.
Tanto o Spinraza quanto o Zolgensma aumentam a produção da proteína SMN, mas somente o Zolgensma é capaz de neutralizar os efeitos da AME. Pessoas com AME têm baixos níveis da proteína SMN, que possibilita os movimentos motores. Os neurônios precisam dela para conseguir enviar ordens para os músculos através dos nervos que descem pela medula.
O Zolgensma é pioneiro no tratamento genético da doença, capaz de reparar genes do DNA do paciente. “Enquanto o Zolgensma muda o DNA do paciente, possibilitando que o corpo produza a proteína SMN, a partir daí, naturalmente, o Spinraza é um tratamento que faz com que o RNA produza a proteína”, esclareceu Reis ao G1.
Outra diferença entre os medicamentos, de acordo com o neurologista pediátrico, é que o uso do Spinraza “é um tratamento para o resto da vida, que precisa de uma nova dose a cada quatro meses”. Já o Zolgensma é administrado apenas uma única vez e não precisa de manutenção.
Apesar de ser um medicamento novo, “estudos demonstraram que os pacientes que receberam o Zolgensma tiveram grandes avanços nos marcos iniciais do desenvolvimento neurológico”, salientou Reis.
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