Como funciona a compra de medicamentos pelo SUS

Em 2017, o Ministério da Saúde destinou quase R$ 18 bilhões para a assistência farmacêutica. Esse montante, além do envio de recursos para estados e municípios, possibilitou a compra de 4,7 bilhões de medicamentos do Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF), 313,3 milhões do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) e 22,2 milhões de medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF).

Resumidamente, o sistema de aquisição de compras de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é organizado em três componentes: Básico, Estratégico e Especializado, além do Programa Farmácia Popular. Os medicamentos disponibilizados pelo SUS estão listados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). E cada novo medicamento ou tecnologia em saúde a ser incorporado na Rename é, antes, analisado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec).

Aquisição no Componente Básico

No Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), estão os medicamentos que fazem parte da atenção básica à saúde, como ácido acetilsalicílico, amoxicilina, dipirona sódica, ibuprofeno, loratadina, paracetamol, propranolol, entre muitos outros, previstos na Rename e dispensados pelos municípios.

O Programa Farmácia Popular do Brasil é um braço da assistência farmacêutica do SUS e faz parte do Componente Básico. Segundo o presidente-executivo da Interfarma, Pedro Bernardo, trata-se de um modelo de gestão bastante eficiente, pois retira do governo o ônus da compra, do estoque, da logística e de todo o gerenciamento dos medicamentos até a dispensação ao paciente. “O programa elimina tudo isso. É pago apenas um valor por produto dispensado, enquanto a iniciativa privada, num ambiente concorrencial, assume os riscos”, avalia.

Em geral, o financiamento do CBAF é compartilhado entre Ministério da Saúde, estados e municípios. De acordo com o Ministério da Saúde, a partida federal é de R$ 5,58/habitante/ano, e as contrapartidas estadual e municipal devem ser de, no mínimo, R$ 2,36/habitante/ano cada.

Além do repasse financeiro, o Ministério da Saúde é responsável pela aquisição e distribuição das insulinas humanas NPH e regular (frascos de 10 ml) e dos contraceptivos orais e injetáveis, além do DIU e diafragma. As insulinas e os contraceptivos são entregues nos almoxarifados de medicamentos dos estados, a quem compete distribuí-los aos municípios. Os municípios das capitais e os grandes municípios brasileiros, com população maior que 500 mil habitantes, recebem os contraceptivos diretamente dos fornecedores contratados pelo Ministério da Saúde.

Aquisição no Componente Especializado

No Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), os medicamentos estão divididos em três grupos para fins de financiamento. No Grupo 1, o financiamento está sob a responsabilidade exclusiva da União. Em geral, é constituído por medicamentos que representam elevado impacto financeiro para o Componente e por aqueles indicados para doenças mais complexas. No Grupo 2, encontram-se os medicamentos cuja responsabilidade pelo financiamento é das Secretarias Estaduais de Saúde. Por fim, no Grupo 3, estão aqueles cujo financiamento é tripartite, sendo a aquisição e a dispensação de responsabilidade dos municípios.

Entre as doenças tratadas pelo Componente Especializado estão artrite reumatoide, asma, Alzheimer, Parkinson, epilepsia, esclerose múltipla, glaucoma, hepatite, lúpus, entre muitas outras, inclusive doenças raras como Doença de Gaucher, Espondilopatia Inflamatória e Síndrome de Guillain-Barré. Pacientes transplantados, que precisam de medicamentos caros, também estão incluídos nesse componente.

Aquisição no Componente Estratégico

Por fim, vem o Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF), que engloba medicamentos e insumos para prevenção, diagnóstico, tratamento e controle de doenças e agravos de perfil endêmico, com importância epidemiológica, impacto socioeconômico ou que acometem populações vulneráveis, contemplados em programas estratégicos de saúde do SUS.

As doenças tratadas por esse componente são tuberculose, hanseníase, malária, leishmaniose, Doença de Chagas, cólera, esquistossomose, leishmaniose, filariose, meningite, oncocercose, peste, tracoma, micoses sistêmicas e outras doenças decorrentes e perpetuadoras da pobreza. São garantidos ainda medicamentos para influenza, doenças hematológicas, tabagismo e deficiências nutricionais, além de vacinas, soros e imunoglobulinas.

O financiamento dos medicamentos do Componente Estratégico fica por conta do Ministério da Saúde, que distribui aos estados, que, por sua vez, são responsáveis por armazenar e enviar aos municípios.

Formas de aquisição dos medicamentos

Via de regra, os medicamentos são adquiridos por meio das licitações, onde são identificados pelo princípio ativo. Os processos licitatórios seguem os critérios estabelecidos pela Lei Federal 8.666/1993, variando as modalidades em carta convite, tomada de preços e concorrência. Em alguns casos, poderá haver dispensa de licitação ou inexigibilidade dela. Já a Lei Federal 10.520/2002 instituiu a modalidade de licitação denominada pregão.

De acordo com o diretor de Mercado e Assuntos Jurídicos do Sindusfarma, Bruno Abreu, geralmente, a indústria não vende diretamente para o governo, utilizando-se de intermediários, ou seja, distribuidores especializados nesse tipo de transação comercial. No Brasil, existe uma associação que reúne as principais empresas desse segmento, a Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especializados, Excepcionais e Hospitalares (Abradimex).

“Algumas indústrias fornecem diretamente, mas nem sempre é assim. A maior incidência é por meio de um distribuidor, que também participa das licitações, principalmente para atender ao componente da atenção básica. Quando falamos de doenças raras, aquelas do componente especializado, como um medicamento oncológico, por exemplo, em que a compra é centralizada pelo Ministério da Saúde, a indústria participa mais diretamente do processo de licitação”, detalha Abreu.

Mesmo quando há apenas um fabricante para determinado medicamento, o governo tem o direito de optar pela licitação, pois alguns distribuidores podem ter preços melhores que os da indústria em função de descontos ou incentivos fiscais. Por isso, conseguem concorrer oferecendo melhores condições comerciais.

O faturamento da indústria brasileira com medicamentos gira em torno de R$ 60 bilhões anuais. Desses, cerca de 30% vêm de compras públicas e 70%, do varejo farmacêutico. “Para a indústria, pode ser mais vantajoso utilizar intermediários para fornecer aos órgãos públicos, pois a taxa de inadimplência é alta. O Governo Federal e os estados costumam pagar em dia, mas os municípios atrasam o pagamento com frequência, principalmente em tempos de crise fiscal”, comenta o diretor do Sindusfarma.

Judicialização da saúde

Um capítulo à parte é a aquisição de medicamentos pelo SUS por determinação judicial. Ela chegou a representar R$ 1,32 bilhão em 2016 e, embora tenha caído 22% em 2017, para R$ 1,03 bilhão, ainda se mantém alta. “Existem muitos medicamentos sendo judicializados porque não foram incorporados pelo SUS. O governo deveria olhar para os casos com judicialização muito alta, verificar a efetividade do medicamento e incorporar, negociando para obter preços melhores nas negociações de compra”, comenta o presidente-executivo da Interfarma.

Um levantamento recente da Interfarma mostra que um medicamento chega a ser 300% mais caro quando comprado por decisão judicial, em comparação ao medicamento incorporado. “Isso acontece porque o medicamento incorporado ao SUS sofre descontos obrigatórios e, como a negociação é para compras em grande volume e com bastante antecedência, o desconto acaba sendo maior. Já o medicamento judicializado, além de ser uma compra pontual, é adquirido em caráter de urgência, o que encarece o valor”, explica Pedro Bernardo.

Para um medicamento ser incorporado ao SUS, ele precisa ser aprovado pela Conitec. “A judicialização é, em grande parte, uma deficiência do sistema, que não está absorvendo os novos medicamentos. Existem pacientes que precisam de tratamentos e eles buscam os seus direitos na justiça, quando há deficiências no SUS”, acrescenta o presidente-executivo da Interfarma.

Rupturas no processo licitatório

Rupturas significam interrupção no fornecimento de determinado medicamento. Isso pode acontecer por diversas razões, entre elas, editais malfeitos, que não são claros e específicos o suficiente. “A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) determina um percentual de desconto obrigatório que incide sobre o preço de fábrica de alguns medicamentos. Em 2017, ele foi atualizado para 18%. Se o governo esquecer de colocar esse percentual na licitação e exigir o desconto depois, a indústria pode se negar a concedê-lo, provocando ruptura na licitação”, explica Bruno Abreu.

Esse percentual de desconto se chama Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) e é calculado a partir da média da razão entre o índice do PIB per capita do Brasil e os índices do PIB per capita da Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia e Portugal, ponderada pelo PIB. Esse índice foi extraído do Relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), das Nações Unidas, e é atualizado anualmente.

Outro exemplo bem comum é a ruptura em função de preço. O distribuidor ganha o processo licitatório por ter a melhor condição comercial, mas não consegue mantê-la por muito tempo, justamente porque a indústria começa a praticar novos valores”, acrescenta o diretor do Sindusfarma.

Por que faltam medicamentos no SUS?

Em consequência das rupturas, faltam medicamentos para pacientes. Mas não apenas em função disso. Essa falta está relacionada a diversos outros fatores, sendo um dos principais a má gestão dos governos, que não se programam, ocasionando lentidão nas compras. “Também podemos citar atraso no pagamento a fornecedores, compra em grande quantidade de medicamentos com baixo fluxo de saída, fim da validade pela falta de organização e perdas por erro de armazenamento”, acrescenta Fernando Messias Vieira dos Santos, diretor técnico da Consuldoc, empresa de assessoria farmacêutica e sanitária.

Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), publicado em 2017, mostrou que 11 Estados e o Distrito Federal jogaram medicamentos fora em 2014 e 2015. As causas do desperdício, que chega a R$ 16 milhões, foram validade vencida e armazenamento incorreto.

Para uma farmacêutica que trabalha no setor de compra de medicamentos de uma instituição pública, que não quis se identificar, na maioria das vezes, as faltas estão relacionadas à gestão inadequada dos recursos financeiros, à ausência de bons técnicos para redigir o termo de referência – documento que detalha a compra, mencionando os medicamentos a serem comprados, as estimativas de custo, o local da entrega, entre outros dados – e à omissão do gestor em relação às empresas que não cumprem os prazos de entrega.

Segundo o Conselho Federal de Farmácia (CFF), um problema identificado é que muitos municípios ainda não constituíram uma Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT), que tem como objetivo formular e implementar políticas municipais relacionadas à seleção, à prescrição e ao uso racional de medicamentos.

“Com a inexistência de uma CFT, o município apresentará uma Relação Municipal de Medicamentos (REMUME) inadequada, muitas vezes, com o número de itens exagerado ou repetido e com outros itens faltando, em desacordo com o perfil epidemiológico de sua população. A consequência será o impacto no orçamento da saúde, possível direcionamento para a judicialização frente às faltas de medicamentos e, principalmente, o impacto na saúde das pessoas”, aponta Everton Borges, integrante do Grupo de Trabalho sobre Judicialização do CFF.

Papel do farmacêutico

A estrutura pública para a assistência farmacêutica é bastante complexa. São vários setores, departamentos e áreas onde se podem encontrar farmacêuticos envolvidos com a aquisição de medicamentos para serem dispensados em unidades básicas de saúde, unidades de pronto-atendimento, farmácias, ambulatórios e hospitais.

O farmacêutico devidamente capacitado é capaz realizar uma série de atividades, entre elas, elaborar especificações adequadas e termos de referência que blindam a instituição de maus fornecedores; auxiliar na redação de editais bem específicos para os medicamentos; viabilizar o sucesso da pesquisa de preços de produtos mais específicos; realizar com segurança e celeridade as fases de aceitação e qualificação; e fiscalizar as entregas e a qualidade dos produtos recebidos.

De acordo Fernando Santos, da Consuldoc, o farmacêutico possui grande relevância em todo o processo de aquisição de medicamentos pelo SUS, podendo atuar no levantamento das demandas, na realização de orçamentos, no cadastramento de fornecedores, na elaboração do cronograma de compras, no controle de estoque, no levantamento de faltas, no suporte da dispensação, entre outras atividades.

Além de tudo isso, o farmacêutico pode atuar também como um agente fiscalizador, sendo rigoroso nos processos e exigindo o cumprimento da legislação vigente. A atuação dele pode contribuir para evitar licitações fraudulentas e rupturas no fornecimento.

O Portal da Transparência, criado em atendimento à Lei Federal 12.527/2011, é um grande avanço e elucida muitos dados, mas não é detalhista na prestação de contas, principalmente a nível municipal. Por isso, o comprometimento do profissional farmacêutico com a ética e as normas é fundamental. “Vejo os municípios como os principais descumpridores da Lei da Transparência, haja vista que, em muitos, o acesso à internet é ainda precário, faltam profissionais qualificados e não há gestão contínua das contas públicas”, avalia Fernando Santos.

Irregularidades e corrupção

Mais comum do que se pensa são as interrupções no fornecimento de medicamentos em função de investigações e operações deflagradas pelas Polícias Federal e Civil, a maioria a partir de denúncias feitas pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais. Um rápido levantamento, na internet, apurou algumas investigações deflagradas em 2017 e 2018.

Operação Alto Custo (2017) – para investigar irregularidades na aquisição de medicamentos para as unidades Ceilândia e Asa Sul da Farmácia Ambulatorial Especializada. A ação fez parte das investigações de inquérito civil público aberto para investigar irregularidades nas farmácias de alto custo do Distrito Federal.

Operação Medicar (2017) – deflagrada para apurar fraude na compra de medicamentos e material médico-hospitalar pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa) entre os anos de 2015 e 2017. A estimativa é de que as empresas investigadas tenham recebido do Estado a quantia aproximada de R$ 48 milhões em dois anos. Entre as irregularidades investigadas estão troca de materiais, pagamento de fornecedores antes da entrega da mercadoria, recebimento de materiais sem registro nos órgãos de vigilância sanitária e superfaturamento de preços.

Operação Cálice de Hígia (2017) – para investigar fraude na compra de medicamento de alto custo em Campinas e na capital paulista. No interior, funcionava uma associação responsável por ajuizar medidas, solicitando, em caráter liminar, o fornecimento do medicamento Soliris. Somente na Justiça Federal do Distrito Federal foram identificados 900 pedidos desse tipo. Desde 2010, a aquisição desse medicamento custou R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos.

Operação Placebo (2018) – para desmontar uma organização criminosa formada por 27 pessoas e por três empresas farmacêuticas, denunciados por crimes de falsidade ideológica, fraudes societárias, falsificação de documentos públicos e privados, lavagem de bens e corrupção de agente público. Eles teriam causado um prejuízo ao Estado de Alagoas de cerca de R$ 200 milhões. Mais de cinco mil tipos de medicamentos foram apreendidos.

Operação Asclépio (2018) – para apurar a existência de um suposto esquema de cobrança de vantagens indevidas e fraudes em licitações para compra de produtos hospitalares, entre eles, medicamentos, pela Marinha Brasileira. Profissionais do hospital estão sendo investigados pelos crimes de corrupção, fraude à licitação, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

Operação Hipócrates (2018) – para investigar fraude em licitações feitas pelas prefeituras de nove municípios do sul da Bahia para a compra de medicamentos e insumos hospitalares. O rombo para os cofres públicos ultrapassou os R$ 15 milhões.

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