Todos sabem que a definição do papel do farmacêutico no Sistema Único de Saúde (SUS) serve tanto aos interesses dos pacientes como do público em geral. O grande diferencial de sua atuação nesse segmento é a economia que ele gera para a ascendente espiral de custos da atenção à saúde no setor público.
Eu sou farmacêutica e sei que nossa atuação também é fundamental na organização dos serviços públicos, com participação essencial na atenção à saúde de qualidade - o que é impossível de se conseguir sem uma gestão eficiente dos medicamentos.
Nem preciso dizer que a saúde pública é uma das dez linhas de atuação do farmacêutico, que englobam 135 especialidades, de acordo com a RDC 572/2013, do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Apenas a título de curiosidade, as demais linhas de atuação são alimentos, análises clínico-laboratoriais, educação, farmácia, farmácia hospitalar e clínica, farmácia industrial, gestão, práticas integrativas e complementares e toxicologia.
Antes de entrar propriamente no tema deste artigo – a economia gerada pelo farmacêutico – eu gostaria de explicar melhor as atribuições desse profissional no SUS. Ele é o responsável por toda a gestão da farmácia, desde a aquisição até a dispensação dos medicamentos. Além disso, atua no atendimento direto ao paciente para que receba todas as orientações necessárias à condução correta, segura e racional do seu tratamento.
Isso garante que os medicamentos e formas farmacêuticas propiciem o melhor resultado terapêutico. A atuação do farmacêutico na rede pública já é vista pelo Ministério da Saúde como uma das grandes forças para a promoção da saúde e também para o gerenciamento sustentável do sistema.
Dados alarmantes
O que se sabe é que até 24,2% das internações hospitalares de urgência ou emergência são provocadas por problemas relacionados a medicamentos (PRMs), e cerca de 70% podem ser evitadas (PATEL; ZED, 2002). Considerando estes números, somente em 2013, o País poderia ter economizado até R$ 2,5 bilhões com hospitalizações de urgência e emergência.
Segundo dados do Departamento de Informática do SUS (Datasus) naquele ano foram registradas 3,2 milhões de internações de urgência e emergência associadas a problemas com medicamentos no País, que custaram R$ 3,6 bilhões aos cofres públicos (considerando o custo médio de R$ 1,13 mil por internação pelo SUS). O montante que poderia ser economizado corresponde a 70% desse valor.
A redução de custos para o sistema por meio do trabalho do farmacêutico foi constatada em estudo realizado em Blumenau (SC), em 2005. Ao aumentar o número de farmacêuticos de 2 para 11, a Prefeitura local ampliou o gasto com salário de R$ 33 mil para R$ 181,8 mil, mas economizou R$ 1,6 milhão nas despesas com medicamentos (dados anuais). Embora esse estudo tenha sido realizado em Blumenau, seus resultados podem, perfeitamente, ser considerados para os demais municípios brasileiros.
Resultados garantidos
O farmacêutico tem gerado economia importante por conta de sua atuação decisiva. Como exemplo, é fundamental citar que ele assegura o acesso a um competente sistema de fornecimento de medicamentos. Isso começa pela adequada seleção dos medicamentos que irão compor este sistema e por um assertivo sistema logístico de distribuição e uma gestão eficiente.
No entanto, o acesso não deve se restringir apenas às ações ligadas ao medicamento. Deve se basear, também, em ações multiprofissionais que, adequadamente articuladas, impactam positivamente o processo de atenção à saúde (CFF, 2009; COSENDEY et. al., 2000).
Por se caracterizar um sistema oneroso às Secretarias de Saúde, devido ao aumento da demanda por medicamentos dentro do sistema de saúde, há a exigência de um gerenciamento efetivo por parte da gestão pública. A aquisição de medicamentos, feita pelo farmacêutico, pode contribuir na melhoria do acesso da população, e é uma das principais atividades para uma boa gestão. Porém, a ampliação de recursos para a compra sob a ausência de organização e estruturação dos serviços de Assistência Farmacêutica aumenta os riscos de desperdícios (MOURA, 2010).
O Ministério da Saúde implantou, recentemente, medidas que visam melhorar a qualidade e o acompanhamento dos serviços farmacêuticos oferecidos pelo SUS, com a inclusão do profissional farmacêutico no código de identificação daquele órgão, reconhecendo-os como profissionais da saúde. Com isso, os farmacêuticos terão melhores condições para acompanhar os tratamentos oferecidos pelo sistema, de forma a checar se a dosagem dos medicamentos está correta e se os resultados estão dentro do esperado.
O farmacêutico e a judicialização
Vejam só, vou citar outro ponto importante de economia gerada pelo farmacêutico. Os gastos com medicamentos fornecidos pelo SUS mediante ação judicial cresceu mais de 1.000% em sete anos, passando de R$ 103 milhões, em 2008, para R$ 1,1 bilhão em 2015, de acordo com dados do Instituto de Estudos Econômicos (Inesc).
Segundo o relatório, essa despesa correspondia a 1% do orçamento destinado a medicamentos pelo Ministério da Saúde em 2008. Em 2016, o gasto correspondeu a quase 8%.
Chamado de judicialização da Saúde, esse fenômeno pode ser minimizado com intervenção farmacêutica. A partir da inserção de um farmacêutico nos quadros da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, por meio de um termo de cooperação técnica do órgão com o Conselho Regional de Farmácia daquele Estado (CRF-RS), os defensores públicos conseguiram resolver 80% das demandas pela via administrativa, reduzindo em 20% o número de processos judiciais.
Com uma atuação tão importante, é fácil deduzir que é preciso ser especializado para esse tipo de trabalho. Na verdade, como todo profissional da saúde, o farmacêutico é um educador em potencial. Na saúde pública, ele deve ter essa característica ainda mais acentuada, considerando a diversidade de usuários com os quais irá lidar.
É importante que ele veja o paciente como o centro da atenção, e leve em consideração a sua individualidade. Dessa forma, será estabelecido um processo educativo que torne possível a adesão ao tratamento, utilizando o medicamento de maneira correta, consciente e responsável.
Para ser farmacêutico no SUS é necessário sempre estar inserido nas discussões e ações que envolvam a assistência farmacêutica como parte essencial para as políticas públicas de saúde. Além disso, ele deve ser proativo, conhecedor do perfil epidemiológico da sua região, comunicativo, educador e líder.
É fato que sua expertise tem diversas aplicações na rede pública, por isso, ele pode estar ligado à parte assistencial do SUS e à gestão administrativa, que envolve licitações, prestação de contas, elaboração de protocolos e gerenciamento de processos.
Para concluir, eu gostaria de ressaltar que no campo assistencial, o farmacêutico bem preparado pode atuar diretamente com a promoção da saúde e prevenção de riscos e agravos à saúde, além do gerenciamento dos processos de trabalho.
Por essas e outras, não é exagero dizer que incluir mais farmacêuticos na saúde pública e ampliar seu espectro de atuação nunca poderá ser considerado um gasto, mas um importante investimento que gera economia e mais qualidade no atendimento à população.
*Rossana Freitas é farmacêutica e assessora Técnica do Gabinete do Secretário de Saúde do Acre. É especialista em Farmácia Clínica (SBRAFH), em Vigilância Sanitária e Epidemiológica (UNAERP/SP) e em Farmácia Hospitalar (UNB/DF).