Comissões de até 30% e viagens internacionais, inclusive com direito à Disney. Esses são alguns dos incentivos que atendentes de farmácias estão ganhando de laboratórios para indicar o uso de vitaminas aos pacientes nos balcões de estabelecimentos farmacêuticos.
A denúncia desta prática de “empurroterapia” foi realizada pela RBS TV e publicada na reportagem do Fantástico, transmitida neste domingo (16/05). Segundo a matéria, há pelos menos seis laboratórios que fazem esse estímulo a atendentes, líderes, gerentes e até mesmo a donos de farmácias. Entre os nomes citados, está o laboratório Cimed. Quanto às farmácias, a entrevista cita a rede Pague Menos.
Durante um ano, a RBS TV examinou 12 mil páginas de processos e conversou com balconistas de farmácias e ex-gerentes que confirmaram a prática dos incentivos vindos dos laboratórios.
Segundo a reportagem, isso vem sendo praticado em Brasília, Rondônia, Pernambuco, Rio de Janeiro e de algumas cidades do Rio Grande do Sul e do Interior de São Paulo.
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A desconfiança para a investigação surgiu após uma pesquisa em 48 ações trabalhistas de oito tribunais do trabalho. Em comum, nelas os ex-funcionários das farmácias reivindicavam para que as comissões fossem incorporadas ao salário, já que elas eram pagas à parte, fora do contracheque.
Em boa parte das sentenças, os juízes reconheceram as bonificações. Além disso, eles também condenaram que as farmácias paguem direitos como horas-extra e férias sobre as comissões.
Somente no Rio Grande do Sul a reportagem localizou a prática em seis cidades, entre elas, Taquari, na qual uma balconista revelou que os repasses de laboratórios eram entregues por motoboys.
A confirmação da prática foi feita, também, por um atendente, não identificado, em depoimento, à Justiça do Trabalho, em Porto Alegre:
"O critério de pagamento da bonificação é individual, ou seja, pago pelas vendas realizadas, inclusive o subgerente e o atendente”.
Tipos de comissões
Segundo a investigação, ao indicar o uso de um frasco de vitamina, por exemplo, cálcio, que custa R$ 69,00, o vendedor pode receber até R$ 10,00 de comissão.
No entanto, as comissões não ficam limitadas a isso. Ao contrário, uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul aponta que as bonificações podem ser feitas por cartão de débito, em alguns casos de valores entre R$ 5 mil a R$ 10 mil, viagens nacionais, internacionais ou até em vales-compra e eletrodomésticos.
Em Avaré, no interior de São Paulo, uma balconista recebeu uma viagem com hospedagem e tudo pago para a Disney, nos Estados Unidos. Essa bonificação se deu porque ela liderou a vendas do Lavitan, um suplemento vitamínico da Cimed. No entanto, a funcionária foi demitida pouco depois de receber o prêmio do laboratório e não realizou a viagem.
Em vista disso, ela entrou na Justiça e foi ressarcida em pouco mais de R$ 5 mil pela viagem não realizada e uma indenização de R$ 16 mil por parte da farmácia, devido a danos morais, por compensar a frustração da viagem não ocorrida, conforme relatado na sentença.
Profissionais confirmam a prática de “empurroterapia”
Além da confirmação apurada nos processos, a prática da “empurroterapia” foi dada, também, por profissionais das farmácias. Na região metropolitana de Porto Alegre um balconista relatou a conduta:
"O balconista que entra há pouco tempo em farmácia, a primeira coisa que ele aprende: ‘tu ganhas comissão se tu vender esse produto’. É a primeira coisa que eles ensinam", explica o profissional, que acumula mais de 15 anos de atuação em farmácia.
A confirmação foi feita com outros trabalhadores, como vendedores e gerentes, que não sabiam que estavam sendo gravados e admitiram que são orientados a praticar a “empurroterapia”.
"Tem que empurrar. Tem que tentar incentivar ele levar. Incentiva ele levar e tu ganha comissão", declarou um balconista de uma rede de farmácias, no Centro de Porto Alegre.
Em outra farmácia, sem se identificar, o repórter da RBS TV questiona se a vitamina ajuda em casos de Covid-19. O atendente da farmácia prontamente afirma:
“Fortalece o organismo, dá mais imunidade, sim. (...) Bastante, mais disposição. R$ 49,60, 60 comprimidos. É um por dia”.
No entanto, como se sabe, não há qualquer comprovação de eficácia de vitaminas no combate e tratamento contra a Covid-19. Ainda assim, a falsa ideia de que as vitaminas aumentam a imunidade contra a doença é uma das táticas usadas para empurrar os suplementos aos pacientes.
Nesse sentido, o professor de farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Diego Gnatta, adverte os riscos sobre os riscos ao consumo excessivo de vitaminas.
"O consumo exagerado dessas vitaminas por suplementação pode, inclusive, causar danos hepáticos, enxaqueca, vômito, e outros efeitos colaterais".
Comissão também é feita em indicação de medicamentos
De acordo com a reportagem, não são apenas as vitaminas que dão comissão aos profissionais das farmácias. A indicação de alguns medicamentos tarjados também gera bonificações aos atendentes dos balcões nas farmácias.
Neste caso, as comissões são pagas por fabricantes de genéricos e similares. De acordo com as sentenças, os percentuais eram maiores para fármacos que não tinham “boa venda” ou que estavam com o prazo de validade prestes a expirar.
Segundo a investigação, essas comissões pelo incentivo às vitaminas e medicamentos chegam a representar 75% do salário mensal de um funcionário.
Conduta do atendente da farmácia deve priorizar saúde do paciente
Como se sabe, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite que haja a substituição do medicamento prescrito por um genérico correspondente, pois ambos têm o mesmo princípio ativo.
No entanto, a entidade destaca que essa medida "somente pode ser realizada pelo farmacêutico responsável pela farmácia ou drogaria e deverá ser registrada na prescrição médica".
Em entrevista ao Fantástico, o farmacêutico e professor da pós-graduação de Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica do ICTQ - Instituto de Pesquisa Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Eduardo Abreu, ressalta que o erro não está ao indicar a troca de um medicamento por outro genérico, e sim em estimular o paciente a comprar um produto em prol de ganhos do atendente da farmácia, quando, na verdade, a prioridade deve ser em valorizar a saúde do paciente.
“Apontar um produto, conversar com o cliente, não está errado. O errado está em forçar a barra ou usar técnicas de persuasão para manipular a decisão do cliente, em proveito próprio, para gerar mais benefício para si, em vez de gerar mais saúde ao paciente”, esclareceu Abreu ao Fantástico.
Respostas da Cimed e da Pague Menos
Questionadas pela reportagem, a Cimed e a Pague Menos negaram as acusações, e afirmaram que não fazem uso da “empurroterapia”.
A Cimed pontuou que “não realiza campanha de incentivo de venda de medicamentos junto aos balconistas que pudesse levar à substituição de medicamentos prescritos por médicos”.
Enquanto isso, a rede Pague Menos afirmou que “as ações de premiação são direcionadas apenas para performances em geral, e que não tem vínculos diretos com venda de medicamentos”.
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