A polêmica construída em torno das anuidades (consideradas muito altas pela maioria dos farmacêuticos) cobradas pelo sistema formado pelos conselhos regionais de farmácia (CRF) e pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) parece não ter fim. Mais recentemente, a equipe e jornalismo do ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico apurou que o conselheiro federal do Pernambuco, Bráulio César de Sousa (2016-2019), ganhou ação na justiça (2014) por não concordar com o valor das anuidades imposto pelo CRF-PE!
O processo 0500537-11.2008.4.05.8300T, movido por Sousa, é de janeiro de 2008 e, na época, ele contestava o alto valor das anuidades pagas entre 2003 e 2007. Tratava-se de ação de repetição de indébito com redução de anuidade.
O fato a se estranhar é que, quando ele entrou com a ação, em 2008, Souza era conselheiro regional do Pernambuco, cargo que ocupou nos mandatos de 2008 a 2011 e de 2012 a 2015.
Ele ganhou a ação em todas as instâncias em 2014 (quando o processo foi encerrado). Na época, ele era presidente do CRF-PE, no mandato de 2014 a 2015. Na ocasião, ele teve o direito de receber de volta os valores corrigidos (pela SELIC) das anuidades cobradas a mais, num total de R$ 1.682,67, da seguinte maneira (R$):
- jan/03 - valor pago: 159,45 - valor devido: 29,73 – a receber (corrigido): 312,63
- jan/04 - valor pago: 159,45 - valor devido: 29,73 – a receber (corrigido): 286,09
- jan/05 - valor pago: 81,58 - valor devido: 9,91 – a receber (corrigido): 147,13
- fev/05 - valor pago: 81,58 - valor devido: 9,91 – a receber (corrigido): 146,26
- mar/05 - valor pago: 81,58 - valor devido: 9,91 – a receber (corrigido): 145,16
- jan/06 - valor pago: 205,44 - valor devido: 29,73 – a receber (corrigido): 329,79
- jan/07 - valor pago: 211,21 - valor devido: 29,73 – a receber (corrigido): 315,61
No processo de Souza, a decisão judicial favorável a ele se baseou no fato de a anuidade, que possui características tributárias, somente poder ser reajustada por lei. Segundo a decisão judicial, a fixação do valor da anuidade deve se apoiar na Lei 6.994/82, ou seja, em 2 MVR, atualizado pela UFIR e IPCA.
Importante salientar que, após ser eleito conselheiro federal, pelo mesmo Estado que ele processou, Souza acabou votando a favor do aumento das anuidades. O conselheiro Souza foi procurado pelo jornalismo do ICTQ, mas não respondeu à solicitação sobre essa ação movida contra o CRF-PE.
Precedente
Como a decisão judicial, no caso do conselheiro federal Souza, foi tomada com base em um caso concreto, o elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento de casos semelhantes no futuro. Isso significa que os fundamentos jurídicos que sustentaram aquela decisão podem servir como tese para que a justiça decida sobre outro caso de mesmo teor. A norma em que se constitui o precedente é uma regra.
Entretanto, uma proposta foi apresentada pelo conselheiro Federal (RJ), dr. Alex Sandro Rodrigues Baiense (de autoria do farmacêutico dr. Leonardo de Carvalho), na Reunião Plenária Ordinária do Conselho Federal de Farmácia (CFF), em 24 de maio de 2019, em Fortaleza (CE).
A argumentação de Baiense e de Carvalho é a favor do reajuste trienal da anuidade, que está embasada em um extenso histórico da legislação, cujo foco principal é a lei 3820/60 (da criação dos conselhos), que diz: “Art. 25 - As taxas e anuidades a que se referem os artigos 22 e 23 desta Lei, e suas alterações posteriores, serão fixadas com intervalos não inferiores a 3 (três) anos”.
Outro aspecto a ser levantado com relação às anuidades é sobre o índice de reajuste, em que o CFF se baseia na lei 12.514/11, § 1º, que diz: “Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo”. Diante disso, o sistema CRF/CFF argumentava que não poderia aumentar a anuidade em valor menor por força dessa lei.
O Portal de Conteúdo do ICTQ publicou matéria sobre o assunto, com o título Conselheiros do CFF se apropriam de projetos da classe para fins eleitorais (leia matéria completa aqui).
Apesar da lei 3820/60 indicar o reajuste das anuidades apenas a cada três anos, e a lei 12.514/11 estabelecer os indicadores de reajuste, nenhuma delas constituiu a periodicidade desse reajuste. Assim, com o precedente aberto pela ação de Souza, a questão do reajuste a cada três anos e o CFF fazendo os reajustes anuais, os farmacêuticos poderiam recorrer e requerer os anos de reajustes aplicados de forma supostamente ilegal, segundo a argumentação de Baiense e Carvalho.
Vale lembrar que a votação da proposta dos farmacêuticos, apresentada na Reunião Plenária de maio, está sendo, constantemente, postergada pelo CFF. Por isso, Carvalho entrou, em 11 de junho, com uma representação no Ministério Público Federal, requerendo a abertura de procedimento administrativo para a investigação do caso. Ele exige, ainda, que seja cumprida a segunda parte do artigo 25 da Lei 3.820/60, que estabelece o reajuste trienal da anuidade paga aos CRFs por profissionais e pelos estabelecimentos farmacêuticos.
Por todos esses fatos, não é difícil perceber que o sistema CFF/CRF pode se ver em maus lençóis se os farmacêuticos nacionais decidirem surfar a mesma onda de Souza, e entrar com uma ação judicial coletiva, por exemplo. Certamente, os conselhos viveriam dias de caos.
Anuidades na mira do ministério da economia
Como pôde ser visto, não é de hoje que o tema das anuidades profissionais chega à mesa de discussão. O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou, em 9 de julho, a Proposta de Emenda à Constituição - PEC – 108/19, que dispõe sobre a natureza jurídica dos conselhos profissionais, onde se inclui o CFF.
O ministro defende que os conselhos profissionais não integram a estrutura da administração pública e que não são autarquias. São entidades privadas sem fins lucrativos.
Paulo Guedes considera fundamental o entendimento sobre o papel dessas organizações para a coletividade, desobrigando os profissionais da inscrição compulsória (e do pagamento das anuidades) e delimitando seus poderes de fiscalização e aplicação de sanções, além de estabelecer o valor máximo de taxas, das anuidades e das multas. O Portal de Conteúdo do ICTQ publicou matéria sobre o assunto, intitulada Anuidade CRF: Paulo Guedes, ministro da economia, fala ao ICTQ com exclusividade sobre as mudanças nos conselhos (leia matéria completa aqui).
Polêmica no Pernambuco
Pernambuco é um Estado que vive um processo eleitoral conturbado. Na luta eleitoral, há liminares, processos, acusações e revelações. Como, em 2019, o conselheiro Souza entrou com recurso contra a participação da Chapa 2 no processo eleitoral, o grupo dos representantes daquela chapa conseguiu liminar e recobrou o direito de participar do pleito.
“Esse grupo integrado pelo conselheiro já está há muito tempo no comando do CRF-PE. O que se vê entre os farmacêuticos do Estado é um forte sentimento de mudança. Para entender esse movimento, basta citar que o próprio conselheiro Souza, que entrou com o recurso contra a nossa Chapa 2, já ganhou uma ação na justiça alegando que o valor das anuidades do Conselho era muito alto. Ele ganhou aquela ação e recebeu o dinheiro de volta. O pior é que, depois, quando ele assumiu como conselheiro federal, ele votou a favor do aumento das anuidades “, revelou um dos integrantes da Chapa 2, Olavo Barbosa Bandeira.
Ele indagou: “Imaginem se um grupo de farmacêuticos decidir entrar na justiça baseado na decisão que Souza recebeu? O Conselho terá de devolver todo o valor das anuidades que foi considerado abusivo, assim como ocorreu com o conselheiro Souza“.
Vale recordar que essa Chapa 2 havia sido, anteriormente, impugnada, fruto da decisão dos conselheiros federais na reunião plenária 485ª, ocorrida em 29 e 30 de agosto, em Brasília (DF), quando foram julgados os recursos apresentados pelos conselheiros contra algumas candidaturas polêmicas nos respectivos Estados.