Farmacêutico, você imaginaria os medicamentos já aprovados pelas agências dos Estados Unidos, Japão, Canadá e União Europeia sendo comercializados no Brasil sem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)? Não? Pois, saiba que este é o tema do Projeto de Lei (PL) 3.847/19, do deputado federal, General Peternelli (PSL).
O projeto altera a Lei 6.360/76 para dispor sobre a concessão automática de registro aos medicamentos que já tenham sido autorizados nesses países, o que poderia ser considerado um enfraquecimento do poder da Anvisa, visto que essa seria uma das principais atribuições da Agência.
Claro que o trâmite ainda será longo, já que o projeto não tem previsão de entrar na pauta, porém, esse PL tem caráter terminativo, ou seja, caso aprovado em comissões da Câmara, poderá seguir para o Senado sem a necessidade de ir ao plenário.
O objetivo é aumentar o acesso da população e evitar a suposta morosidade da Agência para o registro de medicamentos, cujo prazo é de 188 dias para genéricos e similares, de 276 dias para produtos novos (com princípio ativo inédito) e de 256 dias para inovadores. Esse período é considerado razoável, já que houve redução desde a publicação da lei 13.411, em dezembro de 2016, que acelerou o processo de registro e diminuiu a fila de produtos em análise.
Procurada pelo jornalismo do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, a Anvisa não quis se pronunciar. No entanto, a Agência tem recebido críticas duras, inclusive do presidente Jair Bolsonaro que, durante a inauguração de um laboratório no interior de São Paulo, no início deste mês, indagou se é justificável todo esse tempo para o registro: “Será que é excesso de zelo ou só está procurando criar dificuldade para vender facilidade?".
Por essas e outras, Peternelli foi procurado pelo ICTQ para esclarecer essa possível queda de braço com a Anvisa, à qual o próprio deputado responde com bom-humor: “eu sou fã da Anvisa”. Conheça mais sobre o que ele pensa a respeito desse assunto e seus motivos para o lançamento desse PL 3.847/19.
ICTQ – Por qual motivo o senhor decidiu por esse projeto de lei?
Gen. Peternelli – Essa proposta surgiu quando eu estava em uma audiência pública sobre doenças raras e, durante essa audiência, algumas mães comentavam sobre a demora na aprovação de medicamentos. Depois, teve o representante da Anvisa, que falou muito bem, e disse que o volume na Agência é realmente muito grande. Dentro desse foco eu fui pesquisar e utilizei a consultoria legislativa da câmara como apoio, sempre com o objetivo de facilitar a vida do cidadão brasileiro. O próprio representante da Anvisa informou que as doenças raras têm uma prioridade na Agência, embora também tenham um prazo de registro bastante longo.
ICTQ – Como o senhor vê esses medicamentos novos?
Gen. Peternelli - Antigamente havia a penicilina, por exemplo, que durou anos! Atualmente, há um medicamento novo que, muitas vezes, é dinâmico. A cada seis meses surge um medicamento novo para a cura do câncer, um medicamento novo para determinado sintoma, então, deve-se aproveitar o que as agências congêneres já executam no mundo.
ICTQ – O senhor tem alguma restrição com relação à Anvisa?
Gen. Peternelli - Não é nada contra a Anvisa, ao contrário, eu sou fã da Anvisa. Eu acho que a Agência executa um trabalho excepcional. Não há nenhum viés de esvaziar a Anvisa. O meu amigo, o deputado federal Coronel Armando, sugeriu, eventualmente, que a própria Anvisa poderia colocar, por exemplo, representantes ou adidos nessas agências para acompanhar o processo que elas desenvolvem e reportar o que há de moderno no mundo. Nós não podemos esperar o medicamento ser aprovado lá, e passar por todo o processo, para somente depois ser aprovado aqui. Se tivesse algum adido lá, atendendo a essa ideia do deputado Coronel Armando, poderia facilitar o processo.
ICTQ – O senhor acredita que essa morosidade no registro pode transformar o medicamento em obsoleto?
Gen. Peternelli - O meu objetivo é exatamente esse. Essa obsolescência dos medicamentos poderia ocorrer pela dinâmica que as coisas ocorrem, e também, muitas vezes, não é que a Anvisa não queira acelerar o processo. É que ela tem que esperar com que o medicamento reaja e verificar uma série de fatores. Isso já pode ter sido executado lá fora, então, eu solicitei à consultoria legislativa os países que tivessem uma agência de vigilância sanitária similar à nossa, cada uma com seu foco específico para cada caso.
ICTQ – Essas agências foram limitadas pela consultoria?
Gen. Peternelli – Sim. Eu, na realidade, citei no projeto de lei as agências que a própria consultoria legislativa indicou. Eu poderia ainda tentar ampliar essa gama, acho que é possível. A própria Anvisa pode apresentar novas sugestões. Nós estamos, inclusive, executando uma série de atividade com a União Europeia. Esses acordos abrangem uma série de áreas também. Não vejo porque não poderia fazer com que os protocolos das agências fossem semelhantes. Essa é a ideia, então, não foi no sentido de cancelar o trabalho da Anvisa.
ICTQ – Esse projeto poderá impactar, de alguma forma, o segmento de pesquisa no Brasil?
Gen. Peternelli – Não tem nada a ver a pesquisa com análise da Anvisa. É claro que, quando a Anvisa está fazendo uma análise, podem aparecer várias outras alternativas, mas a pesquisa em laboratório e a pesquisa em universidades - essa estrutura como um todo - têm que ser constantemente estimulada. O projeto também não estimula, de maneira nenhuma, a ida do pesquisador para fora do País para fazer pesquisa no exterior. A Anvisa, tendo um menor movimento (deduzindo que isso possa ocorrer), terá a análise desses medicamentos por esses pesquisadores como prioridade, com rapidez e com agilidade.
ICTQ – O senhor acha que esse projeto de lei poderia baratear o medicamento?
Gen. Peternelli - Eu recebi muitos e-mails com relatos de pessoas dizendo que tiveram um câncer, precisavam de um medicamento específico e que teriam de gastar muito dinheiro para adquirir esse medicamento no exterior. Por isso, não resta dúvida de que, para o medicamento ser aprovado, o laboratório realiza todo um investimento, inclusive para levar um técnico brasileiro daqui até o laboratório. Isso tudo é colocado também no preço do medicamento. O fato de já ter esse medicamento aprovado fora do País já provoca uma economiza no preço final ao consumidor.
ICTQ – Seu projeto de lei visa, principalmente, às doenças raras?
Gen. Peternelli – Não. A dinâmica da ciência e da tecnologia, no momento atual, teve uma evolução muito mais rápida que anteriormente. Poder dar uma resposta no menor prazo possível é muito interessante para o paciente. Isso não visa esvaziar nossa Agência. Visa dar ao paciente uma rapidez no tratamento que ele deseja. Esse projeto de lei não é apenas para doenças raras, ele vai agilizar todas as atividades. O câncer, por exemplo, já é uma doença bastante pesquisada, e há muitos medicamentos que podem ser utilizados para esse tratamento, que são os mais variados possíveis no exterior, aos quais os pacientes terão acesso. Isso é muito importante.
ICTQ – O senhor acredita que teremos acesso a novas tecnologias?
Gen. Peternelli – Sim. Não podemos nos esquecer de que o médico, que vai prescrever um medicamento desses, já estudou seu princípio ativo, já pesquisou as ocorrências e já sabe as contraindicações. Não adianta nada um médico nosso estar sempre no exterior, num congresso, conhecendo aspectos modernos de uma determinada prótese que, para ser aprovada, levará dois anos na Anvisa. Não por culpa da Agência, mas pelo trabalho que ela tem que desencadear. A proposta do projeto de lei até ajuda a Anvisa a utilizar todos os seus procedimentos e, quem sabe, não possibilita mandar um pesquisador nosso para essas outras agências internacionais, de tal forma que ele esteja sempre acompanhando as atividades.
ICTQ – O mercado nacional poderia oferecer algum tipo de resistência?
Gen. Peternelli - Eu fiz o PL pensando no bem comum do cidadão brasileiro. Se você tivesse um filho doente ou uma mãe doente, e soubesse de um medicamento disponível no mercado internacional - mas que ainda levaria um ano e meio para ser aprovado no Brasil - eu acho que você iria tentar trazê-lo do exterior. Mas quem não tem recursos ficaria sem a disponibilidade do medicamento? Então, o objetivo é integrar. Nós estamos em uma globalização, estamos no Mercosul, estamos com a União Europeia. Estaremos lá em uma série de aspectos em outras áreas, executando um trabalho em conjunto, e nada mais importante do que o trabalho que a Anvisa realiza, que é fundamental, mas que as agências do exterior também realizam.
ICTQ – Como seria o trâmite desse PL neste momento?
Gen. Peternelli - Todo projeto da câmara tem um trâmite demorado. Ele vai para comissão de constituição e justiça, que vai avaliar se não contraria a lei. Eu já fiz isso baseado na consultoria legislativa, evitando contrariar qualquer legislação. Depois disso, ele vai para comissão de saúde. A comissão de saúde vai opinar e, só depois, é que vai para o plenário. Para ir ao plenário, depende do presidente da Câmara colocar o projeto na pauta ou não. Então, o PL tem um processo longo a percorrer. Apesar disso, se você perguntar a qualquer cidadão se ele gostaria de ter o acesso a esses medicamentos, a resposta seria afirmativa. Volto a dizer: eu não tenho nada contra a Anvisa, ao contrário, eu sou um fã do trabalho que a Anvisa realiza.
ICTQ – O senhor chegou a conversar sobre o tema com o novo presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres?
Gen. Peternelli - Eu não cheguei a falar com ele, mas frente à repercussão que o contexto ganhou, eu vou agendar um encontro. Eu já soube que a Anvisa vai entrar com uma série de ações para executar e bloquear esse PL. É um direito da Agência e quero entender que está sobrando tempo para cuidar disso. Mas eu vejo como uma oportunidade de padronizar protocolos, de desburocratizar, afinal é isso que nós queremos no País. É uma oportunidade de ajudar o laboratório brasileiro, que agora, com o menor volume na Anvisa, vai ter seus pedidos e os seus anseios atendidos muito mais rapidamente.
A nossa Anvisa é uma referência mundial. Eu vejo como uma oportunidade da nossa Anvisa e das agências congêneres de uma padronização dos protocolos. De qualquer forma, a entrada de medicamentos não impede a Anvisa de fazer a sua pesquisa. O PL só estará permitindo a sua comercialização de imediato.