O Governo do Estado sancionou a lei que autoriza o fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol para pacientes hipossuficientes nas unidades de saúde pública do Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio. Proposta pelo deputado Carlos Minc (PSB), a lei 10.201/23 passou a valer desde a data de publicação no Diário Oficial, na última quarta-feira. A medida visa beneficiar a população que precisa do tratamento, mas que não tem condições de arcar com os custos, seja via produção nacional pelas associações de cultivo, seja via importação.
Apesar da aprovação, os frascos com o óleo de canabidiol não estarão disponíveis na rede do SUS do Rio imediatamente. O deputado e autor da lei, Carlos Minc, explica os próximos passos.
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— A primeira coisa é conseguir uma receita. Com a lei, os médicos das UPAs e das clínicas de família ligadas ao SUS estadual já podem receitar. No entanto, se a pessoa for na farmácia amanhã, provavelmente o SUS não vai ter o remédio em estoque para fornecer. Tem de esperar o estado comprar. Os remédios têm concentrações, composições e dosagens diferentes, a depender do tipo de doença. O Governo do Estado precisa definir quais tipos vai adquirir, de acordo com a demanda. Mas não é nada que seja muito difícil ou demorado, temos exemplos em outros estados e até em cidades do Rio, como Volta Redonda e Búzios — explica Minc.
Regras para o fornecimento
A partir da sanção, a lei agora precisa ser regulamentada. Uma comissão técnica multidisciplinar da Secretaria de Estado de Saúde (SES) foi criada para identificar a quantidade de pacientes que precisam do canabidiol, e ficará responsável por estabelecer as regras do fornecimento. A comissão também vai definir:
- protocolos de acesso aos produtos à base de canabidiol;
- doenças elegíveis para tratamento com a substância;
- unidades da rede estadual que poderão fazer a avaliação dos casos e oferecer o tratamento especializado, e
- como será a compra e distribuição na área de Assistência Farmacêutica do estado.
Segundo a Secretaria, o Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer é um centro de referência para essa prescrição, inclusive aos pacientes com epilepsia refratária, mas vai analisar também a possibilidade de estabelecer convênios com instituições de pesquisa para análise dos produtos à base de canabidiol.
O que é a cannabis medicinal?
A cannabis medicinal é um termo para designar medicamentos feitos à base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), duas das cerca de 500 substâncias da planta Cannabis sativa (canabinoides) – mesma utilizada para a produção da droga, ilegal no Brasil.
No entanto, apesar de o THC ser responsável pelo efeito psicoativo, isso ocorre apenas em quantidades acima de 0,2%, teor máximo estabelecido pela Anvisa. Em concentrações maiores, a substância só é permitida em casos específicos de cuidados paliativos de pacientes sem alternativas terapêuticas e em situações clínicas irreversíveis ou terminais.
Entraves
O canabidiol não é reconhecido como um medicamento pela Anvisa, mas sim como um produto de uso medicinal. Antes da lei, o fornecimento era feito a partir de decisão judicial, e a autorização para uso era individual, por CPF. O Rio é o primeiro estado brasileiro a aprovar uma lei pró-canabidiol, no ano passado, mas é o 11º a inclui-lo no SUS. Segundo Minc, ainda há burocracias a serem superadas, mas a lei ajuda a reduzir o estigma sobre o tema.
— A Anvisa tem uma série de restrições muito conservadoras sobre o canabidiol, inclusive inviabilizado o plantio e produção locais até de entidades de pesquisa como Fiocruz e UFRJ, o que encarece muito a compra. A próxima batalha é garantir a produção local do medicamento. Tornamos gratuito apenas para os pobres. Mas a classe média que precisa, paga muito caro, porque é importado. Se fosse produzido aqui, poderíamos reduzir a um terço do preço — explica o autor da lei.
Como será o acesso ao medicamento?
Para ter acesso aos medicamentos com canabidiol, o paciente deverá realizar o procedimento padrão do SUS, usando o Cartão Nacional da Saúde e seguindo as orientações atualizadas da Anvisa. Deverá apresentar a prescrição médica acompanhada de laudo, indicando que outros tratamentos foram testados e que o canabidiol é a melhor alternativa. Além disso, o paciente deverá comprovar que não tem condições financeiras para ter acesso ao medicamento, seja ele importado ou vendido em farmácias brasileiras, e que a sua qualidade de vida depende desse tratamento. Ele também deverá apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado em duas vias: uma para o médico e a outra para o paciente.
O período de tratamento dependerá exclusivamente da avaliação do médico, que será indicada pela prescrição médica e pelo laudo. O tratamento deverá ser reavaliado a cada seis meses com o objetivo de verificar seus benefícios, bem como a necessidade de readequação, respeitando as especificidades do caso clínico do paciente.
A coordenação da fase inicial do fornecimento do medicamento será feita pela Farmácia Viva do SUS, conforme definido nas normas da Anvisa. A Farmácia Viva deverá acompanhar as estampas de produção dos produtos elaborados à base de canabidiol para garantir o acesso seguro e o uso racional.
O Governo do Estado também deve desenvolver programas de investimento na formação técnico-científico e na capacitação de profissionais da área da saúde, farmacêutica e demais especialidades necessárias para a análise clínica, produção de pesquisas, criação de banco de dados, busca de novas tecnologias e inovação.
O Executivo poderá, inclusive, criar um centro de estudo e tecnologia promovendo políticas públicas de debate e fornecimento de informação a respeito do uso da CBD, de forma isolada ou associado ao THC. A lei também autoriza a criação de uma comissão de trabalho com a participação de técnicos do SUS, da Farmácia Viva e de representantes de associações de pacientes na produção de pesquisas científicas que orientem a atuação do SUS e garantam a segurança dos pacientes.
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