Cannabis sativa promete atrair investimentos bilionários

Cannabis sativa promete atrair investimentos bilionários

Todos os olhos e atenção estão voltados para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – a expectativa é que até o final do ano seja regulado o uso da Cannabis medicinal no País. Se editada, a nova regulação da Anvisa permitirá o cultivo controlado de Cannabis sativa para fins medicinais e o registro de medicamentos produzidos com princípios ativos da planta no País.

Essa agenda regulatória não é uma questão essencialmente brasileira. Esse tema tem mobilizado a sociedade, a comunidade científica e as autoridades sanitárias mundo afora. Aproximadamente 40 países já autorizaram o uso da Cannabis para fins medicinais e, se a Anvisa for de encontro às tendências sanitárias internacionais, o Brasil também passará a compor esse grupo vanguardista.

Especula-se que a regulação do uso de substâncias extraídas dessa planta em medicamentos trará não apenas ganhos sociais, já que há inúmeras pesquisas científicas atestando o benefício terapêutico propiciado pelas substâncias encontradas na Cannabis, como também trará proveitos econômicos – a consultoria americana New Frontier Data estima que o “Cannabis business” seja capaz de atrair investimentos na ordem dos 5 bilhões de dólares nos próximos três anos.

Existe uma demanda nacional reprimida que pode vir a ser beneficiada com tal medida. Isto porque estudos e pesquisas relacionados aos campos da neurologia, da psiquiatria, da imunologia e da oncologia mostraram resultados positivos à saúde e bem-estar dos pacientes acometidos por efemeridades graves, tais como epilepsia, doença de Parkinson, esclerose múltipla, autismo e neoplasias malignas.

Ao longo dos últimos anos, a Anvisa demonstrou uma flexibilização quanto ao tema. Desde 2015, ano da edição da Resolução da Diretoria Colegiada RDC 17/2015, a Anvisa permite a importação, em caráter de excepcionalidade, de produtos à base de Canabidiol em associação com outros canabinóides, dentre eles o THC, para pacientes em tratamentos de saúde. Dados desta agência reguladora demonstram que, entre 2015 e 2019, foram concedidas mais de 9.000 autorizações para a importação de medicamentos elaborados a partir de extratos da planta.

Em 2017, a Cannabis sativa foi incluída na lista de plantas medicinais e foi concedido pela Anvisa o registro do primeiro medicamento à base de THC e Canabidiol – o Mevatyl, indicado para o tratamento de esclerose múltipla.

A regulação da Cannabis medicinal pela Anvisa ganha relevância no cenário nacional a medida em que cresce o número de decisões judiciais autorizando a importação de medicamentos com tais substâncias em sua composição e o cultivo da planta para fins terapêuticos.

Em decisão recente, a 1ª vara do Juizado Especial Criminal do TJ/RO concedeu permissão para os pais de uma criança diagnosticada com autismo e graves crises de epilepsia cultivarem maconha (Cannabis sativa) para uso medicinal. Em outro caso, a Seção Judiciária Federal do Paraná concedeu Habeas Corpus para que uma paciente que luta contra câncer de estômago não seja presa pela importação de sementes de Cannabis, bem como por seu plantio, cultivo e extração de óleo e flores para fins medicinais. A Justiça Federal do Estado da Paraíba também concedeu liminar para autorizar uma associação de pacientes a cultivar a planta e, no início deste mês, a empresa Schoenmaker Humako distribuiu uma ação judicial em face da União e da Anvisa para obter o direito de plantar Cannabis não-psicoativa, destinada à produção de remédios, tecidos e alimentos.

Até para impedir que o Judiciário passe a “regular” o assunto, a Anvisa – a quem de fato e de direito possui competência para editar regras sobre o uso da Cannabis para fins medicinais, promoveu duas consultas públicas para a criar regras claras e transparentes sobre o tema: Consulta Pública nº 654/2019 para registro e monitoramento de medicamentos à base de Cannabis spp., e Consulta Pública nº 655/2019 para tratar requisitos técnicos para o cultivo da planta.

Muito embora a sociedade tenha destacado pontos positivos com relação às propostas apresentadas pela Anvisa (i. e. avanço em pesquisas científicas, ampliação do acesso seguro à medicação e redução do seu custo, melhoria da qualidade de vida dos pacientes, crescimento econômico, geração de empregos, aumento da arrecadação tributária redução de ações judiciais para compra de medicamentos à base de Cannabis), há uma forte preocupação da sociedade se esta Agência cederá ou não às pressões políticas e da indústria farmacêutica.

Isto porque os textos em discussão não contemplam a possibilidade do cultivo por pessoas físicas, associações e empresas de pequeno porte, o que pode vir a ser considerado favorecimento às grandes indústrias. Existe um temor de que as farmacêuticas venham a comercializar os medicamentos a preços elevados, ou até mesmo que esse cenário contribua para a formação de oligopólios e monopólios.

Ainda que a Anvisa tenha prerrogativa legal para decidir isoladamente sobre o uso das substâncias derivadas da Cannabis, a preocupação atual no ambiente de investimento são algumas sinalizações contrárias por parte do Governo Federal quanto à liberação do plantio, ainda que para fins medicinais.

Cabe a nós aguardar o posicionamento da Anvisa para sabermos se esta Agência cederá às pressões políticas e da indústria farmacêutica, ou se prezará pela democratização da Cannabismedicinal.

Expandindo o horizonte da utilização da Cannabis para além da finalidade medicinal, resta-nos saber se estamos diante de uma nova commodity agrícola, já que ela também pode ser utilizada na produção de fibras para a indústria de papel e celulose e servir de matéria prima para a indústria têxtil, em substituição ao algodão.

Em sendo o agronegócio um ponto fundamental na economia nacional e o Brasil uns dos principais fornecedores mundiais de produtos agropecuários, aguardemos os próximos capítulos da política pública nacional sobre o tema.

* Isabela Amorim Diniz Ferreira – Advogada da área regulatória do Farroco Abreu Advogados e colunista do portal JOTA, fonte desse artigo de opinião.

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