Os fabricantes da vacina russa Sputnik V afirmaram ontem (29/4) no Twitter que estão iniciando um processo judicial por difamação contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) “por espalhar informações falsas e imprecisas intencionalmente” sobre o imunizante. Anvisa refuta acusação.
De acordo com agências internacionais de notícias, os desenvolvedores da Sputnik pretendem acionar na Justiça brasileira a Agência – que se recusou a aprovar o fármaco e alegou que a vacina continha uma versão ativa de um vírus – por ter dado “declarações incorretas e enganosas sem ter testado a vacina Sputnik V”.
Na segunda-feira (26/4), a diretoria da Anvisa decidiu não recomendar a importação excepcional e temporária da Sputnik V por considerar que faltam dados técnicos para verificar a segurança e a eficácia do imunizante. Um dos argumentos foi o de que, em todos os lotes apresentados ao órgão regulador, foram detectados adenovírus capazes de se replicar.
Isso supostamente acontece pelo processo de reversão, em que, durante a produção da vacina, o vetor acaba reincorporando genes deletados. “Apesar dos guias internacionais estabelecerem que vírus replicantes não devem estar presentes nas vacinas, a empresa definiu o limite de 1×103 RCA por dose de 1×1011 partículas virais, o qual está consideravelmente acima dos limites de partículas em guia da agência americana FDA que trata de terapias gênicas de 1 RCA a cada 3×1010 partículas virais”, afirma despacho da Anvisa.
O gerente-geral de Medicamentos da Agência e professor da pós-graduação de Assuntos Regulatórios do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Gustavo Mendes, confirmou essa informação à revista Superinteressante.
“Esse adenovírus replicante foi detectado em todos os lotes apresentados da vacina Sputnik para a Anvisa. Todos os laudos de controle de qualidade que foram apresentados na documentação a que nós tivemos acesso mostravam a presença desse vírus replicante”, disse Mendes à revista.
O adenovírus deve ser utilizado apenas para carregar o material genético do novo coronavírus para as células humanas, para promover a resposta imune. No entanto, no caso da Sputnik V, ele mesmo se replica (ou seja, é capaz de se multiplicar quando injetado no corpo), o que, de acordo com a Agência, poderia levar desde a infecções variadas até à exacerbação da resposta imunológica, conforme apurou a Deutsche Welle (DW).
Na segunda-feira, o vice-diretor de pesquisa científica do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia do Instituto Gamaleya, fabricante do imunizante, Denis Logunov, destacou que a Federação da Rússia realiza o controle de série de tudo que é produzido pelo Gamaleya.
Segundo Logunov, nenhum controle tem informação de que a vacina possui adenovírus replicante, e a Anvisa não solicitou protocolos de controle de qualidade consolidados. “Ou seja, não houve discussão sobre o conteúdo específico de partículas replicantes no medicamento. É importante dizer que a declaração que eu vi na imprensa, com certeza, não tem nada a ver com a realidade” afirmou o dirigente, segundo o jornal Correio do Brasil.
Os fabricantes da Sputnik V também disseram que a Anvisa desconsiderou um ofício do Centro Gamaleya informando que “apenas vetores não replicantes são usados” na fabricação do imunizante. Para eles, as críticas brasileiras do órgão regulador carecem de embasamento científico. Nesse sentido, eles alegam que a decisão de não permitir a importação tem ‘natureza política’, conforme revelou a DW.
Anvisa refuta acusação dos fabricantes russos
O diretor presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, realizou ontem um pronunciamento para negar a acusação feita pelos desenvolvedores da Sputnik V de que a Agência fez ‘afirmações falsas’ sobre a presença de adenovírus replicantes na vacina, revelou o G1.
Torres explicou que a Anvisa apontou o problema com base em documento enviados pelos próprios desenvolvedores. Durante a apresentação, a Anvisa mostrou um trecho de vídeo de uma reunião com representantes do laboratório que mostra que o tema foi tratado em encontro de forma aberta com os pesquisadores russos.
De acordo com o diretor, a Anvisa está disponível para receber os dados que os desenvolvedores ainda não enviaram sobre a vacina. “Não estamos fechando a porta. Os dados apresentados podem ser revistos, corrigidos e reapresentados, mas a decisão do regulador é o retrato do momento. E, no momento, naquela segunda-feira passada, não nos foi possível aprovar o que nos deu grande tristeza”, frisou Torres.
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Sobre a crítica dos russos de que a Anvisa não testou a vacina, Torres disse hoje à Globo News que não é papel da Agência fazer esse trabalho de checagem laboratorial. “O método científico regulatório é análise documental, em que se busca ter a certeza de que o produto fabricado na fábrica ‘tal’ com IFA do lugar ‘tal’ por meio do controle de qualidade ‘tal’ venha para o nosso País”.
Ele lembrou que a replicação viral está destacada nos documentos do próprio desenvolvedor. “Isso está de maneira muito clara em um dossiê de mais de 600 páginas enviado pelo Instituto Gamaleya somente sobre o tema da replicação viral. E outra coisa: a replicação viral não se dá dentro de um frasco e sim dentro do corpo humano. Ali, ao encontrar os tecidos do organismo, pode produzir reações totalmente indesejadas e não previstas. Vacina é prevenção. Portanto, não é razoável que um tratamento seja pior que a doença. Não podemos lançar mão de um vírus com capacidade de se replicar a pretexto de levar defesa”, finalizou Torres.
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