O aplicativo TrateCov, do Ministério da Saúde (MS), que recomendava 'tratamento precoce' com medicamentos sem comprovação científica para Covid-19, teve vida curta e já foi retirado do ar. Conselho Federal de Medicina (CFM) já havia pedido, em nota, o fim do app.
Além de recomendar tratamento precoce a pacientes que têm sintomas que podem ou não ser da Covid-19, o aplicativo sugeria tratamento com medicamentos que, segundo a comunidade científica, não funcionam contra a infecção causada pelo novo coronavírus como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, doxiciclina e ivermectina.
Uma das críticas da plataforma, que foi criada, segundo o MS, para auxiliar médicos e enfermeiros de Manaus (AM) no diagnóstico e tratamento da Covid-19 e foi lançada há uma semana, era que qualquer pessoa podia acessá-la, permitindo seu preenchimento por quem não é médico.
Segundo o MS, “a plataforma traz ao médico cadastrado um ponto a ponto da doença, guiado por rigorosos critérios clínicos, que ajudam a diagnosticar os pacientes com mais rapidez. Depois disso, o TrateCov sugere algumas opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada, sugerindo a prescrição de medicamentos”.
Mas, de acordo com o CFM, além de “assegurar a validação científica a drogas que não contam com esse reconhecimento internacional”, o aplicativo não preserva adequadamente o sigilo das informações e “induz à automedicação e à interferência na autonomia dos médicos”.
A entidade ainda destacou que o app “não deixa claro, em nenhum momento, a finalidade do uso dos dados preenchidos pelos médicos assistentes”, além de permitir seu preenchimento por profissionais não médicos. O conselho pediu a “retirada imediata do ar” do aplicativo ao Ministério da Saúde.
Diversos especialistas, entre médicos e cientistas, criticaram o aplicativo e reforçaram que não existe tratamento precoce para a Covid-19. Entre eles, o médico infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunização, Renato Kfouri, que destacou que o incentivo oficial do Ministério da Saúde para utilização de medicações ou de tratamentos não comprovados pela comunidade científica “é uma afronta à ciência”.
“Incentivar o uso desse tipo de medicação sem evidência nenhuma de benefícios pode colocar em risco não só a saúde do indivíduo, pelos efeitos colaterais, mas a própria sociedade quando você utiliza, por exemplo, antibióticos, podendo gerar resistência na comunidade como um todo”, salientou Kfouri à Globo News. “O uso de tratamentos ou de medicamentos para Covid-19 leve, seja preventivo ou na fase inicial, não encontrou até hoje nenhuma evidência científica que justifique a sua aplicação”, completou.
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Já o médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavascki, chamou de crendice a aposta do MS. “Eu vejo como a adoção de uma prática de curandeirismo, pelo Estado, como estratégia de saúde pública. É uma prática baseada numa crença, somente numa crença, de que [as pessoas] vão ficar curadas da doença e não vão desenvolver quadros graves. É um absurdo ser tratado como estratégia de saúde pública”, revelou ao G1.
“Além disso, nós estamos fazendo curandeirismo não com ervas, com chá, estamos dando medicações não por um médico, mas por um aplicativo, que provavelmente não teve nenhuma validação científica da sua aplicabilidade, do seu poder discriminatório de diferenciar uma doença ou não, totalmente sujeito a fraudes”, acrescentou.
“Estamos dando medicações com potenciais de toxicidade enorme. Nós vamos ter, sim, efeitos colaterais dessas medicações em decorrência da prática de prescrição por aplicativo”, frisou Zavascki, que também alertou para o uso de antibióticos, como a azitromicina, em larga escala.
“É uma prática que todo mundo tem cuidado, porque isso tem consequências para o aparecimento de bactérias resistentes – você lançar antibiótico na população, isso não vai ficar sem consequências em larga escala”, emulando a opinião de Renato Kfouri.
Kfouri, por sua vez, reforça que vários estudos já foram feitos e nenhum comprovou eficácia nos tratamentos. “Vermifugos [como a ivermectina], medicamentos para tratamento de malária, para tratamentos de outros vírus como HIV e hepatite foram testados e todos eles, em vida real, com doentes, comparando com quem não toma nada, não mostraram nenhuma diferença no desfecho, seja hospitalização, prevenção, tratamento nas formas leves”, observou.
“Nas formas graves, nós aprendemos que algumas drogas como corticoides e anticoagulantes são benéficos. Mas para tratamento em casa, antibióticos, vermífugos, medicamentos para tratamento de malária não têm nenhum efeito e muitas vezes podem trazer malefícios, como alterações cardíacas pela hidroxicloroquina. Isso é contraindicado”, reforçou Kfouri.
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