Covid-19: grupo evangélico usa medicamento veterinário em tratamento de fiéis

Covid-19: grupo evangélico usa medicamento veterinário em tratamento de fiéis

Ao menos 5 mil habitantes da Amazônia peruana receberam de um grupo evangélico vacina antiparasitária para animais, oferecida como ‘cura milagrosa’ para o novo coronavírus. Os religiosos contaram com o apoio do governador da região para promover a aplicação da ivermectina veterinária nas pessoas.

A região de Loreto, a maior da Amazônia peruana, onde ocorreu a vacinação, é uma área isolada do Peru, onde vivem quase um milhão de pessoas, das quais 300 mil indígenas. O medo da Covid-19 e a falta de assistência do Estado levaram muita gente a aceitar a injeção do antiparasitário, que foi apresentado como ‘uma salvação’ para a doença, conforme revelou o El País.

“Desde maio, o governador do departamento de Loreto, Giampaolo Rojas, e uma aliança evangélica convocaram a população, usando as emissoras de rádio, para aplicar a ivermectina veterinária como se fosse uma vacina contra a doença. Em Nauta, pelo menos 5 mil pessoas a receberam”, disse ao jornal o diretor da Rádio Ucamara, Leonardo Tello.

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Na comunidade de Cuninico, onde grande parte da população apresentava sintomas da Covid-19, o técnico do módulo de saúde – um ambiente pré-fabricado para a atenção de pacientes pelo Ministério da Saúde – disse aos voluntários das chamadas Missões Evangélicas da Amazônia que já não precisava da ‘vacina’ porque a maioria das pessoas estava se cuidando com a medicina tradicional, usando plantas.

Mesmo assim, os enviados pelo grupo evangélico decidiram administrar a ivermectina veterinária. “A explicação dos voluntários foi clara e direta de que o antiparasitário está aprovado por lei e que é um tratamento animal que dá resultados positivos como vacina”, afirmou o chefe indígena de Cuninico, Wadson Trujillo Acosta. “Disseram que o estão administrando em âmbito nacional e também em Nauta, e alertaram sobre efeitos colaterais, como a diarreia. Algumas pessoas de fato tiveram essa reação”, assinalou. De acordo com levantamento do El País, em Cuninico, 60% dos maiores de 18 anos receberam o medicamento.

A Direção Geral de Medicamentos do Ministério da Saúde alertou sobre o uso indevido da ivermectina veterinária no contexto da emergência sanitária da pandemia, lembrando que os produtos para animais não cumprem as mesmas exigências dos fármacos para humanos. “Não devem ser usadas apresentações de ivermectina formuladas para animais como substitutos de ivermectina destinada ao uso em humanos para tratar a Covid-19”, advertiu o órgão.

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Apesar da recomendação das autoridades sanitárias, as injeções de ivermectina persistem. No centro de saúde da comunidade quíchua de Intuto, os profissionais continuam administrando ivermectina, mas “não sabem se é veterinária ou de uso humano”, afirmou o correspondente da Rádio Ucamara, Juan Enrique Villacorta. Os voluntários evangélicos também aplicaram o fármaco veterinário nas comunidades de Santa Rita de Castilla e Saramurillo, entre outras.

O El País consultou o Ministério da Saúde e a Direção Regional de Saúde de Loreto sobre se poderia haver sanções contra os que administraram maciçamente a substância para uso animal, mas não obteve resposta. Segundo as autoridades sanitárias de Loreto, até há alguns dias cerca de 1.500 indígenas haviam sido contaminados pelo coronavírus, com 14 mortes. Na região, 32% das pessoas que fizeram teste deram positivo, porcentagem apenas superada pela da região amazônica vizinha de Ucayali (34%).

O médico Julio Chirinos, professor associado da Universidade da Pensilvânia, afirmou ao jornal que discorda completamente da administração da ivermectina veterinária porque “as preparações animais tendem a não ter os mesmos padrões de qualidade que as dos humanos. Por outro lado, não existe nenhuma evidência confiável de que a ivermectina seja benéfica contra a Covid-19”. Chirinos é um dos 12 médicos e pesquisadores científicos peruanos que pediram, numa carta aberta ao Ministério da Saúde, a retirada da hidroxicloroquina e da ivermectina humana do tratamento da Covid-19 “por sua falta de eficácia e seu risco de toxicidade”.

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