Extra... extraaa!!! Aqui na Farmácia você pode aumentar em 5 vezes suas chances de desenvolver câncer de estômago, EU DISSE 5 VEZESSSS, pagando 25% a menos. Corra para nossa loja mais próxima! Parece piada. Mas não é!Escrevo este artigo para apontar como a falha no processo de atenção farmacêutica (ou a ausência da mesma) pode transformar uma farmácia num balcão de negócios para a morte. Isso mesmo, morte. Vou pegar pesado!
A CONTEXTUALIZAÇÃO:
Na última semana precisei recorrer a um gastroenterologista. Diagnosticado com refluxo-gástrico, me foi prescrito um Inibidor da Bomba de Prótons (IBT), no caso o pantoprazol. Saindo do consultório, parei na primeira farmácia e, sem retirar a prescrição do bolso, me dirigi ao atendente. Transcrevo o diálogo:
- Boa tarde! Gostaria de comprar uma caixa de Pantoprazol de 20 mg. Pode ser o genérico mais barato.
- Pois não Sr. A caixa sai por R$ 24,00.
- Vou levar.
- O Sr. conhece nossa promoção?
- Não. Que promoção?
- O Sr. leva 4 caixas e só paga 3.
- Vou levar apenas uma. O tratamento é de 30 dias. Obrigado!
Pois bem. Se esse diálogo não te assusta é porque você está se acostumando com uma aberração. Nós, como profissionais de saúde, não podemos banalizar a prática mercantilista inescrupulosa. Eu sou apaixonado por vendas. Tenho um livro publicado que ensina que estratégias podem ser utilizadas para potencializar vendas em farmácias, mas não compactuo com a prática que relatei acima. Mais à frente vou apresentar uma solução que implantei, de fato, numa grande rede de farmácia magistral. Vou lhe mostrar como a Atenção Farmacêutica efetiva e sistematizada pode salvar vidas e contribuir para melhorar o resultado financeiro das empresas. Antes disso, vamos ao problema!
O PROBLEMA:
Todos sabemos que os IBPs estão entre as classes de medicamentos mais comercializadas no Brasil. Esses medicamentos suprimem a secreção de ácido gástrico por meio de inibição específica da enzima H+/K+ ATPase na superfície secretora da célula parietal gástrica. São exemplos desta classe: omeprazol, pantoprazol, lansoprazol e esomeprazol. O que, pelo que tenho observado nos balcões da vida, muitos fingem não saber é que além do uso crônico de IBTs ser um dos maiores responsáveis por deficiência de Vitamina B12, esses produtos podem aumentar o risco de incidência de câncer de estomago.
Existe um estudo populacional - liderado pela Universidade de Hong Kong, em parceria com o University College London - realizado durante oito anos, com mais de 60 mil pessoas, sobre o uso de inibidores da bomba de prótons (IBP).
Qual o resultado deste estudo? As pessoas que usaram os medicamentos IBPs a longo prazo, por mais de um ano, pelo menos uma vez por semana, apresentaram uma alta de 2,4 vezes no risco de ter câncer de estômago. Aqueles que consumiram diariamente o medicamento apresentaram um aumento de 4,5 vezes de chance de desenvolver a doença. Os usuários dos bloqueadores de histamina-2 (H2RA) não apresentaram aumento do risco para o câncer.
Estes resultados foram publicados no final do ano de 2017. Obviamente não se trata de comprovação, em definitivo, de que os IBPs causem câncer, mas os resultados podem servir, NO MÍNIMO, de alerta acerca do uso crônico destes medicamentos.
Em minha opinião, um estabelecimento de saúde (é esse o título que dou para uma Farmácia) deveria ser o último lugar a incentivar o uso deste tipo de medicamento além do período necessário para o tratamento prescrito. Imaginem quantas pessoas fazem uso crônico destes medicamentos há 1, 2, 3... 5 anos ou mais? Quantas dessas pessoas frequentam mensalmente as farmácias, onde o farmacêutico diz prestar o serviço de Atenção Farmacêutica, e saem com o produto, sem receber nenhum tipo de orientação? Reflita sobre isso!
A SOLUÇÃO
Pois bem, temos que procurar uma forma de orientar TODOS os pacientes que fazem uso crônico, sem prescrição médica, de IBTs sobre o risco que correm. Vamos transformar esses clientes em nossos pacientes e tentar fazer com que abandonem o uso contínuo destes medicamentos, sem comprometer o resultado financeiro da Farmácia. Impossível? Não para um farmacêutico preparado! Vamos fazer isso em 2 etapas:
Primeiro passo: o processo de Atenção Farmacêutica (A.F.) não se dá apenas na interação farmacêutico x paciente. É necessário que a farmácia possua um programa de A.F. sistematizado, capaz de fazer uma triagem de seus clientes e encaminhar aqueles que precisam de intervenção clínica para o farmacêutico responsável. Isso é básico!
De forma prática, vamos reunir todos os balconistas e fazer a seguinte orientação: sempre que alguém solicitar um IBP, sem apresentar a prescrição, o atendente deve perguntar se o paciente faz uso do produto, como automedicação, há mais de 2 meses. Se a resposta for positiva, o cliente deve ser encaminhado para o farmacêutico.
Segundo passo: o farmacêutico, de preferência em sala dedicada, segue com o processo de atenção farmacêutica. Caso seja identificado que o paciente utiliza o produto para razões menores (não indicadas), explique os riscos do uso crônico do mesmo. Faça recomendações sobre estilo de vida e alimentação, e informe que é muito importante que o paciente abandone o uso deste medicamento. Provavelmente o paciente crônico vai relutar em seguir esta desprescrição. Caso isso ocorra, o farmacêutico (com a finalidade única de ajudar o paciente no processo de suspensão da medicação) pode prescrever o uso de ESPINHEIRA SANTA 500 MG. Achou simples demais? Eu também acho! Mas este é o método que implantei numa rede de farmácias magistrais para IBTs e vários outros produtos: usar prescrição de fitoterápicos e mudança de estilo de vida para descontinuar o uso contínuo, e sem indicação médica, de medicamentos que apresentam maior risco para a saúde dos pacientes. Alguns amigos farmacêuticos também acharam simples, mas não fizeram antes.
O RESULTADO:
Os resultados deste tipo de abordagem são muitos: a) fidelização de clientes, com aumento na taxa de retorno do paciente; b) contribuição efetiva para manutenção da saúde do paciente; c) geração de oportunidade para realização de marketing de relacionamento; e, por fim (mesmo que a finalidade não tenha sido essa), d) a manutenção, por tabela, da lucratividade do empreendimento, com a substituição da compra do IBT pela do fitoterápico prescrito.
Enfim, somos profissionais farmacêuticos e temos muito a contribuir para a saúde da população brasileira. Não conseguiremos fazer isso negligenciando os conhecimentos de gestão farmacêutica, farmacologia e farmácia clínica que aprendemos na graduação e especialização. Não gostou da forma que eu fiz? Faça do seu jeito, mas faça. Ser responsável por uma farmácia e só agir como profissional de saúde QUANDO FOR PROCURADO pelo cliente, é AMADORISMO!
Leonardo Doro Pires - Professor do ICTQ (Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico), Bacharel em Farmácia, Administração de Empresas e Ciências Contábeis. Especialista em Marketing Digital (FMU), Tecnologia Farmacêutica (UFRJ) e Mestre em Inovação (PUC). Atua como consultor em gestão de varejo farmacêutico e é autor dos livros “Gestão Estratégica para Farmacêuticos” e “A Arte da Guerra para Farmacêuticos”.