A indústria farmacêutica nacional pode desaparecer

A indústria farmacêutica nacional pode desaparecer

Em live realizada nesta semana pelo grupo Farmacro, o presidente da Prati-Donaduzzi, Eder Fernando Maffissoni (foto), revelou estar preocupado com o futuro da indústria farmacêutica nacional. Problemas com a importação de matéria-prima e elevação do dólar podem inviabilizar produção de medicamentos no País. Congelamento de preços prejudica no curto prazo.

Segundo Maffissoni, desde meados do ano passado, a indústria farmacêutica vem sofrendo com a importação de matérias-primas da China. O país iniciou um programa de melhoria nas condições ambientais que visa reduzir a imensa poluição que assola grande parte do seu território. “Nas regiões muito poluídas, o governo chinês barrou as fábricas, interrompendo a produção por um turno ou dois turnos. Algumas unidades que poluíam demais acabaram fechadas. Isso impactou sensivelmente no preço dos insumos farmacêuticos ativos (IFA)”, revelou o executivo.

Segundo ele, uma determinada mercadoria que tinha custo de frete de US$ 50 o quilo, com a escassez provocada pela redução de produção das fábricas, aumentou para US$ 120. “O valor da matéria-prima até agora não recuou. A inflação da indústria farmacêutica se manteve muito alta nos últimos 12 meses, mas acabamos assumindo esse custo”, assinala Maffissoni”.

Quando produção chinesa começava a se regularizar, as fábricas conseguiram se adequar às novas exigências ambientais, surge a Covid-19, que colocou de cabeça para baixo o mercado novamente, segundo o executivo. “O surgimento da doença aconteceu justamente em Wuhan, local onde se produz quase 100% da dipirona que vem para o Brasil, além de muitos analgésicos e antibióticos”.

A cidade também é uma grande produtora de insumos farmacêuticos para indústria mundial. Com a parada da China por conta do isolamento social, a indústria farmacêutica teve que se adaptar e buscar alternativas, como o mercado indiano. O problema é que depois a Índia também parou.

“Para suprir a falta de matéria-prima e não parar – a indústria farmacêutica opera com a menor ociosidade do setor no Brasil – fomos obrigados a mudar de tipo de transporte. Sempre importamos pelo modal marítimo, que custa em torno de 70 centavos de dólar o quilo da matéria-prima. Passamos a utilizar o aéreo, cujo frete em situações normais gira em torno de 8 dólares o quilo. Com a parada logística mundial ocasionada pela pandemia, estamos pagando entre 25 e 27 dólares o quilo”, afirmou Maffissoni.

Para o executivo, é preciso uma revisão das estratégias pensadas para o País. “Em uma nação existem três coisas essenciais que devem ser pensadas estrategicamente: educação, saúde e defesa. Infelizmente, a saúde tem ficado de lado, assim como a educação”, destaca Maffissoni e aponta um exemplo da ausência de pensamento estratégico no País. “O Brasil teve um desmonte da indústria farmoquímica que faz com que hoje tenhamos que conviver com a dependência da China. Por esse e outros motivos há risco de haver um desmonte também da indústria farmacêutica de base. Hoje o setor é dominado por empresas nacionais, mas que se encontra em risco. É um momento delicado”, adverte.

Estima-se que perto de 80% da matéria-prima farmacêutica do mundo seja abastecida por China e Índia. Nas décadas de 1980 e 1990, houve um processo de desindustrialização da química fina no Brasil e em grande parte do planeta. “O mundo todo se tornou dependente de matérias-primas da Ásia, algo que é preciso ser revisto”, avaliou Maffissoni.

Outro aspecto que impacta a indústria farmacêutica é a alta do dólar.“No ano passado, quando houve os primeiros problemas de abastecimento de matéria-prima com a China, conseguimos contornar e assumir os prejuízos. Ainda contávamos com o dólar a R$ 3,80, agora temos que conviver com a moeda estrangeira a R$ 5,70, o que pressiona demais os nossos custos”, disse o presidente da Prati-Donaduzzi.

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“O ministro (Paulo Guedes, da Economia) disse que as domésticas vão ter que se acostumar a não ir para a Disney, quem sabe, elas vão ter que se acostumar também a não se tratar com medicamentos básicos. Vivemos um momento bem delicado, no qual a indústria farmacêutica nunca vendeu tanto e nunca se perdeu dinheiro tão rápido”, completou.

De acordo com o executivo, há vários produtos da cesta básica de medicamentos que são muito baratos, custam entre R$ 2 e R$ 4 nas farmácias. Eles são os mais impactados, pois seu custo da matéria-prima é significativo e acaba dando prejuízo ao produtor. “A empresa fabricava o genérico fenoterol, medicamento usado para inalação. Fomos obrigados a tirá-lo do mercado, pois a matéria-prima que vai dentro do frasco custa mais cara que o preço máximo de venda do produto na farmácia. A multinacional detentora da marca também o descontinuou, por desinteresse comercial, conforme relatório da Anvisa. A losartana, um produto para hipertensão, necessidade básica da população, é outro exemplo que começa a sumir da prateleira”, explica Maffissoni. 

Por conta desses problemas e para que não falte produto no mercado, o presidente da Prati-Donaduzzi  afirma que a empresa decidiu racionar as vendas. “Não deixamos que a farmácia compre mais do que 15% do que é a demanda normal dela. Aquelas redes que não eram nossos parceiros não estamos abrindo novas negociações no momento. Temos uma lista de mais de 20 produtos que estão sendo racionados para não deixar faltar para a sociedade. A população não pode ficar sem medicamento para hipertensão, diabetes, cardiologia, sistema nervoso central. É nossa responsabilidade social pensar nisso”.

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O quadro da pandemia levou o Governo postergar o aumento de preço dos medicamentos, previstos para março. No final desse mês, foi publicada Medida Provisória 933/20, que suspendeu por 60 dias o reajuste de medicamentos. “Vivemos um momento delicado, o aumento não aconteceu em março, para repor ao menos uma parte dos prejuízos que a indústria farmacêutica tem sofrido. Agora surge outro projeto querendo postergar ainda mais o reajuste, complicando ainda mais a situação”, frisou Maffissoni. Tramita no Senado o Projeto de Lei 1542/20, de autoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que suspende por 120 dias, o ajuste anual de preços de medicamentos para 2020, em decorrência da situação de emergência de saúde.

De acordo com o diretor acadêmico do ICTQ, Ismael Rosa, o impacto da falta de reajustes pode ser negativo para todos os segmentos envolvidos na cadeia produtiva do setor farmacêutico – produção, distribuição e varejo. “Os fabricantes poderão sofrer com a defasagem do preço dos medicamentos, pois junto com a crise sanitária e econômica há o aumento do preço do dólar, que encarece o custo dos insumos farmacêuticos. Isso pode causar um iminente risco de desabastecimento do setor produtivo. É uma reação em cadeia”, afirma Rosa.

Segundo Maffissoni não adianta modificar a política de descontos praticada com o varejo como alternativa ao reajuste, porque o mercado acaba se acomodando e o consumidor acaba pagando a conta. “A farmácia compra com 70% de desconto, em média, da lista registrada na CMed e, após colocar seus custos e margem desejada, repassa uma parte à população. Desde o ano passado estamos suprindo com matéria-prima, buscando via aérea, absorvendo a diferença de custos e a margem foi deteriorando, para tentar evitar os repasses. É inevitável que se eu diminuir o desconto a farmácia também vai reduzir e o consumidor é que vai pagar a mais. Por uma questão de responsabilidade social, optamos por segurar os preços. Sabemos que a falta de adesão ao tratamento ocorre geralmente devido à questão econômica”, concluiu.

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