Em meio aos esforços das autoridades em todo o mundo para limitar as mortes provocadas pela pandemia, a indústria farmacêutica sofre pressão internacional para abrir patentes de vacinas contra o novo coronavírus e de tratamentos que tenham potencial para salvar muitas vidas comprometidas pela Covid-19.
Uma das propostas nesse sentido vem da Costa Rica. Segundo ela, empresas poderiam voluntariamente agrupar e compartilhar a propriedade intelectual que possuem de todas as intervenções médicas relacionadas ao coronavírus, incluindo tratamentos, vacinas e diagnósticos. Isso permitiria que governos ou laboratórios farmacêuticos de medicamentos genéricos produzissem e vendessem os produtos a preços bem mais baixos do que os atuais no mercado mundial.
Dirigentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unitaid, agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que financia inovações na saúde pelo mundo, elogiaram a iniciativa costarriquenha. A presidente da Unitaid e ex-ministra da Saúde da França, Marisol Touraine, disse ao jornal inglês Financial Times que “circunstâncias extraordinárias” exigem “soluções extraordinárias”. O ministro da Saúde da Costa Rica, Daniel Salas, disse ao FT ter esperanças de que a OMS siga adiante com o plano em breve.
Esse tipo de ação não é inédita. As empresas farmacêuticas já agruparam a propriedade intelectual no passado, permitindo que tratamentos contra o HIV/Aids, tuberculose e hepatite C fossem distribuídos em países de baixa renda a preços acessíveis. No caso do coronavírus, contudo, a proposta, inclui todos os países do mundo.
Em comunicado, a OMS informou estar comprometida para que haja um acesso equitativo, inclusive de intervenções relacionados à Covid-19. “Estamos explorando todos os canais para assegurar que as pessoas que as precisem tenham acesso a produtos eficazes e seguros contra a Covid-19”, destacou.
Pressão forte na indústria
Membros do Parlamento Europeu e vários grupos, como o Médicos sem Fronteiras, caminha na mesma direção e disseram que não se deve permitir monopólios na luta contra o novo coronavírus. Segundo eles, a solidariedade não é apenas uma questão de ponto de vista e abordagem humanitária, também é uma abordagem muito racional. Para combater uma pandemia global, precisamos de uma resposta mundial e devemos proporcionar acesso igualitário ao tratamento.
Jamie Love, da Knowledge Ecology International, um grupo de defesa da propriedade intelectual, disse que este é um momento, uma crise, que exige que as pessoas cooperem e cuidem umas das outras. “O esforço para agrupar os direitos de tecnologias e dados globalmente tem por objetivo fazer as coisas andarem mais rápido e ter resultados mais iguais, globalmente”, disse.
Já Bruno Bulic, analista especializado na área farmacêutica na Baader Helvea, foi mais incisivo e cobrou uma posição mais solidária do setor. Para ele, a indústria ficou sob os holofotes nos últimos anos diante das acusações de cobrar preços abusivos. “O tempo acabou provando que os oponentes da indústria estavam errados, e a melhor forma para isso é levantar a cancela do pedágio”, afirmou.
Farmacêuticas hesitantes
Um dos dogmas mais fortes da indústria farmacêutica é o segredo de suas patentes. Até que elas vençam, os laboratórios normalmente as guardam com todo o cuidado. Em momentos como o atual, as empresas se colocam em um dilema: posicionar-se contra a abertura das patentes cria uma animosidade global; concordar gera precedente.
A declaração da associação internacional que representa os laboratórios farmacêuticos (IFPMA) foi moderada. Segundo ela, os efeitos da proposta de agrupar os direitos na atual pandemia provavelmente seriam bem limitados. Mas ponderou que a indústria tem um “forte senso de responsabilidade” para agir em conjunto com governos e sistemas de saúde pelo mundo.
A vasta mobilização dos grupos mundiais de saúde para combater o coronavírus ganhou força nos últimos dias, depois de a Johnson & Johnson anunciar uma possível vacina que poderia estar disponível no início de 2021 e de a Abbot Laboratories lançar um kit de teste rápido para detectar a infecção.
Na semana passada, a Gilead Sciences mudou de posição e renunciou à designação de um “medicamento órfão” (ODD, na sigla em inglês) nos Estados Unidos que garantia status especial a seu tratamento potencial contra o coronavírus Remdesivir, e o fez apenas 48 horas depois de divulgá-lo pela primeira vez. A companhia revelou ter conhecimento da proposta da Costa Rica e que iria avaliar qualquer programa uma vez que fosse definido pela OMS.
Já a AbbVie, que produz um tratamento potencial conhecido como Kaletra, abriu mão dos direitos de propriedade intelectual do medicamento depois de Israel ter emitido uma “licença compulsória” que permite ao país usar a droga para combater o coronavírus sem o consentimento do detentor da patente.
A suíça Roche, que produz kits de teste para o vírus, aceitou compartilhar a receita de seu líquido de teste com o governo holandês, depois de parlamentares a acusarem de racionar o fornecimento e, assim, reduzir significativamente a capacidade nacional de fazer testes. A empresa não quis comentar a falta, mas destacou que não há proteção de propriedade intelectual sobre o líquido.
Entre os defensores da proposta da Costa Rica estão os ex-chefes de patentes da suíça Novartis e da americana Gilead. A Sanofi e a Eli Lilly, que pesquisam vacinas e possíveis tratamentos, não quiseram comentar o assunto ao FT.
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