Bolsonaro veta projeto que facilitaria tratamento oral contra o câncer

Bolsonaro veta projeto que facilitaria tratamento oral contra o câncer

O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei (PL) 6.330/19, do senador José Antônio Reguffe (Podemos-DF), que facilitaria o acesso a medicamentos orais contra o câncer, revelou a Agência Senado. Congresso precisa analisar o veto e pode mantê-lo ou derrubá-lo.

Segundo o PL, os planos de saúde seriam obrigados a cobrir tratamento domiciliar contra a doença, beneficiando mais de 50 mil pacientes que poderiam realizar o tratamento sem necessidade de internação hospitalar. A mensagem de veto foi publicada ontem (27/7) no Diário Oficial da União.

Na Câmara, o projeto recebeu 398 votos a favor e 10 contra. Já no Senado, a aprovação foi unânime. Para derrubar um veto presidencial são necessários, no mínimo, 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 no Senado. Um veto mantido pela casa legislativa de origem não precisa ser analisado pela outra, segundo a Agência Câmara. A matéria tranca a pauta de votações em 30 dias.

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A nova lei criaria um novo modelo, no qual os pacientes passariam a ter acesso a fármacos que não têm cobertura das operadoras – seria exigido apenas que o medicamento já fosse aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além da prescrição médica, conforme revelou o Estadão.

Assim, a etapa de análise para inclusão no rol dos convênios médicos, realizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não seria mais necessária para a quimioterapia oral. Atualmente, há 59 tratamentos cobertos pela ANS e outros 23, que já têm aval da Anvisa, mas não têm oferta garantida pelos convênios. Com a mudança, eles estariam disponíveis aos pacientes.

Defendida por entidades médicas, além dos tratamentos orais domiciliares, a lei prevê que os planos entreguem as medicações em até 48 horas após a receita médica, de maneira fracionada ou conforme o ciclo de evolução e tratamento da doença.

Para a presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Clarissa Mathias, a questão resolveria um antigo problema de diferentes vias para incorporação entre o tratamento pela veia e o oral. “Se for endovenoso, ao ser aprovado pela Anvisa, é incorporado pela ANS. Se for oral, precisa esperar abrir o rol (de produtos a serem incorporados). É uma particularidade do Brasil ter duas vias, mas são medicamentos importantes, que podem ser tomados em casa e ficam nesse limbo”, afirmou ela ao Estadão.

Segundo Clarissa, essas medicações são caras e a questão de equalizar custos é parte de um debate constante. No entanto, a oferta de tratamento com agilidade para os pacientes deve fazer parte dessa conta. O oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer e membro do comitê gestor do centro de oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, acrescenta que a nova lei traria benefícios para ao menos 50 mil pacientes.

Para Maluf, a cada dez medicamentos para câncer, sete são orais e não têm versão endovenosa. “Esse impasse tem relação muito grande com a parte do equilíbrio financeiro, porque as fontes pagadoras teriam um gasto a mais. O equilíbrio do sistema é fundamental, mas ele se faz criando guidelines (orientações), evitando desperdício, mas não cortando o uso de medicações”, salientou Maluf ao jornal.

Na visão da presidente e fundadora do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, essa diferença de apresentação não tem lógica e quem está sendo prejudicado é o paciente. “Ele tem em mãos uma prescrição de um medicamento que precisa neste momento. Se é oral que está fora do rol, ele não tem acesso. Se é injetável, tem acesso. Infelizmente, essa diferença que não tem muito sentido”, esclareceu ao Estadão.

Luciana explicou que a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é importante e que a discussão é complexa. “A ANS tem técnicos à disposição para ver se tem custo-efetividade para entrar no rol e os planos precisam disso para serem sustentáveis. Mas a gente precisa de uma discussão madura, responsável e verdadeira para saber qual vai ser o critério de custo-efetividade que vai escolher para a sociedade. O paciente não está conseguindo ter acesso e é preciso desburocratizar o processo”, completou.

Proposta enfrenta resistência das operadoras de saúde

As operadoras de saúde são contra a nova lei, argumentando existir o risco de aumento de custos para empresas e clientes. Para entidades ligadas aos planos de saúde, a lei nova abre precedentes para que tratamentos sejam adotados sem análise de custo-efetividade, algo que afetaria a incorporação de medicamentos para outras doenças e aumentaria as mensalidades de todos os beneficiários.

Bolsonaro concordou com as empresas. Ao justificar o veto, o presidente argumentou que a proposta “contraria o interesse público por deixar de levar em consideração aspectos como a previsibilidade, a transparência e a segurança jurídica” dos planos de saúde, o que, segundo ele, “comprometeria a sustentabilidade do mercado” ao privilegiar pacientes com câncer que necessitem de tratamento domiciliar com medicamento oral, conforme apurou a Agência Câmara.

O autor do PL, Reguffe criticou o veto e classificou a decisão como absurda e ilógica. “Absurda porque é um projeto que beneficia milhares de pacientes com câncer no Brasil inteiro. E é muito mais confortável para esses pacientes tomar um comprimido em casa do que ter que se internar no hospital para o plano pagar a quimioterapia na veia. Ilógica porque a internação é mais cara do que o comprimido. Sem contar os custos com possíveis infecções posteriores decorrentes dela”, frisou o senador à Agência Senado.

“Mas vamos derrubar o veto. Já há uma grande mobilização de oncologistas e de associações de pacientes da luta contra o câncer”, completou o Reguffe. Em uma rede social, o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) classificou a decisão como “lamentável”. “O veto ao projeto que beneficiaria doentes de câncer é chocante e desumana injustiça”, escreveu.

Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), “nem as pessoas com câncer escapam das maldades do governo Bolsonaro”. “Milhões de crianças, adultos e idosos serão prejudicados com o veto”, publicou, segundo a Agência Senado.

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Nos Estados Unidos, a quimioterapia oral é uma realidade para pacientes oncológicos. Segundo um estudo publicado pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica, o tratamento ganhou popularidade por apresentar vantagens de conveniência e toxicidade quando comparados ao tratamento quimioterápico convencional.

Farmacêuticos no tratamento contra o câncer 

Na Inglaterra, também já existe tratamento de quimioterapia oral. Contudo, o desafio é como orientar pacientes para tomarem os medicamentos sem a necessidade de buscar o hospital. Nesse caso, o farmacêutico clínico pode contribuir, tendo um papel importante no acompanhamento do tratamento oncológico.

Além de auxiliar diretamente o paciente, ele contribui com a equipe multidisciplinar de saúde que atua nesse segmento, como destaca o farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Rafael Poloni.

“O farmacêutico clínico especializado em oncologia tem um impacto positivo enorme na terapia medicamentosa dos pacientes com câncer, otimizando o tratamento, reduzindo ou até mesmo impedindo os resultados negativos relacionados a medicamentos, melhorando a qualidade de vida dos mesmos”, esclarece Poloni.

Ele frisa também que a terapia antineoplásica é uma das mais agressivas e com maiores efeitos adversos. “Consequentemente, em alguns casos há o abandono do tratamento e, quando isso não ocorre, pode haver sérios problemas decorrentes das falhas na adesão à terapia medicamentosa”.

Por isso, segundo Poloni, a presença do farmacêutico clínico é fundamental. “Ele acompanha o paciente em toda terapia medicamentosa, auxiliando a equipe multiprofissional no manejo do paciente, inclusive o médico, em relação aos ajustes na prescrição medicamentosa e monitoramento dos parâmetros que influenciam no tratamento”.

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