O mercado de vitaminas e suplementos registrou um crescimento de 37% no volume de unidades vendidas e 29% no faturamento entre março de 2024 e fevereiro de 2025, segundo dados da Interplayers. No recorte de janeiro e fevereiro de 2025, a comparação com o mesmo período do ano anterior mostrou aumentos ainda mais expressivos: 41% em unidades comercializadas e 32% em faturamento. A questão em foco é: esses são realmente produtos necessários? E eles são isentos de risco?
“O mercado de vitaminas no Brasil movimenta mais de R$ 4 bilhões por ano, isso quer dizer que tem muita gente que toma sem necessidade. Quando elas estão bem indicadas, devem ser administradas por via oral, como nos alimentos, a menos que você tenha algum problema digestivo que dificulte a absorção. Se não for esse o seu caso, e algum profissional receitar vitaminas injetáveis, especialmente por soro na veia, desconfie. Fique esperto”. A declaração é do médico oncologista, cientista e escritor brasileiro, Drauzio Varella, em reportagem exibida no programa Fantástico no dia 31 de agosto.
Na mesma edição, o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Daniel Pereira, reforçou o alerta: “A gente teve, desde o ano passado até este ano, 240 notificações em relação a esses produtos, sendo 28% de notificações de efeitos graves, ainda um número muito baixo de notificação. A gente precisa trazer mais engajamento da sociedade para que relate esse tipo de problema, esses efeitos adversos. Até 2024 a gente tirou 62 mil anúncios irregulares pela internet”.
As falas refletem um cenário preocupante. Enquanto o consumo de vitaminas cresce em ritmo acelerado, os casos de uso inadequado e até de intoxicação aumentam. A hipervitaminose, condição causada pelo excesso de ingestão dessas substâncias, está deixando de ser apenas um risco teórico para se tornar realidade em consultórios e hospitais.
Casos reais de intoxicação
Na Bahia, a empresária Perinalva Dias da Silva buscou tratamento para o cansaço com um “soro da imunidade”. O resultado foi dramático: insuficiência renal aguda, 28 dias em coma e tratamento intensivo para intoxicação por vitamina D.
Em São Paulo, a corretora Ana Paula Fernandes sofreu complicações após receber implantes hormonais associados a injeções de vitamina B12 e D. As sequelas já exigiram quatro cirurgias.
Receba nossas notícias por e-mail: Cadastre aqui seu endereço eletrônico para receber nossas matérias diariamente
Outro caso grave é o de Tecla Maria Sena Silva, aposentada, que recebeu de um dentista uma combinação de oito vitaminas para tratar dores atribuídas à osteoporose. Dois meses depois, sofreu intoxicação severa, quase precisou de hemodiálise e passou dois meses na UTI. Segundo os médicos, a dose aplicada era quatro vezes superior ao recomendado.
O fenômeno também chegou às redes sociais, com propostas como o polêmico “protocolo superbebê”, que sugere aplicar vitaminas e aminoácidos em gestantes para aumentar o QI e a imunidade dos bebês — prática sem comprovação científica e que pode oferecer riscos tanto à mãe quanto à criança.
O olhar dos especialistas
Para o professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico e farmacêutico clínico das Farmácias Suaiden, dr. André Schmidt Suaiden, o problema vai além da hipervitaminose. “A gente está falando que tem muita pseudociência e pseudoentendido em todas as áreas, principalmente na saúde. Há pessoas que dizem que tal chá melhora a disfunção erétil, que vitamina aumenta massa muscular... e nem sempre é verdade. Quanto à hipervitaminose, realmente é um problema sério, porque virou uma panaceia. Dizem que s vitaminas servem para tudo. Hoje já sabemos que não existe um padrão fixo para vitaminas A, B ou D. Cada organismo responde de uma forma”.
Suaiden ilustra o risco com um caso clínico real: “Um paciente renal crônico queria tomar vitamina porque se sentia muito cansado. Eu expliquei ao médico nefrologista que a vitamina D, que ele queria usar, é lipossolúvel, acumula no tecido adiposo e, em um paciente dialítico, poderia ser altamente tóxica. O médico acatou e agradeceu a orientação, e o paciente não a tomou. É esse cuidado que precisa existir”.
Muitos produtos inventados
O professor ainda critica a prática de algumas farmácias de manipulação: “Inventam produtos com a desculpa de que servem para tudo. É uma forma de ‘empurroterapia’. Se não tomarmos cuidado, nossa classe pode ser malvista, como apenas a farmácia que está vendendo, e isso é muito problemático”.
Na mesma linha, o professor do ICTQ e chefe da Assessoria de Melhoria da Qualidade Regulatória (Asreg) da Anvisa, dr. Henrique Mansano, ressalta que se trata de uma prática recorrente no cotidiano. “Você vai ao médico e ele passa esses coquetéis cheios de vitaminas, com alegações de acelerar metabolismo ou ajudar no emagrecimento. Isso conversa diretamente com a manipulação de agonistas de GLP-1, como o Ozempic, que a Anvisa tem questionado recentemente. Os dois assuntos estão conectados”.
Vitaminas não são inofensivas
Mansano reforça que o uso de vitaminas não pode ser tratado como algo inofensivo: “É importante que médicos, farmacêuticos e todos os envolvidos na prescrição e dispensação entendam que esses produtos oferecem riscos. O uso excessivo pode levar a eventos adversos graves. Por isso, o uso racional deve ser aplicado também às vitaminas, com avaliação clínica detalhada, exames e acompanhamento adequado”.
Ele defende ainda o fortalecimento da vigilância sanitária: “É fundamental que os eventos adversos sejam notificados, para que o órgão regulador conheça melhor a dinâmica desses produtos no mercado. Esse monitoramento pós-mercado é essencial, assim como já acontece com outros medicamentos”.
O crescimento expressivo das vendas de vitaminas no Brasil mostra que a população busca, cada vez mais, formas de autocuidado e prevenção. Contudo, o que deveria ser uma estratégia positiva para a saúde pode se transformar em risco quando orientações equivocadas, pressão mercadológica e práticas como a ‘empurroterapia’ se sobrepõem ao uso racional.
A hipervitaminose, muitas vezes invisível até que os sintomas graves apareçam, precisa entrar definitivamente no radar de farmacêuticos e consumidores. A responsabilidade é compartilhada: cabe ao profissional prescrever com critério, ao paciente questionar e notificar reações adversas, e ao setor regulador intensificar a fiscalização. O alerta dos especialistas expõe um dilema atual: o mercado avança, mas a saúde pública não pode ficar em segundo plano.
Capacitação farmacêutica
Para quem deseja se capacitar e atuar em Farmácia Clínica, o ICTQ oferece alguns cursos de pós-graduação que devem interessar:
- Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica
- Farmácia Clínica em Unidade de Terapia Intensiva
- Farmácia Clínica em Cardiologia
- Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica
- Farmácia Clínica de Endocrinologia e Metabologia
Saiba mais sobre os cursos de pós-graduação do ICTQ AQUI.
Participe também: Grupos de WhatsApp e Telegram para receber notícias
Obrigado por apoiar o jornalismo profissional
A missão da Agência de Notícias do ICTQ é levar informação confiável e relevante para ajudar os leitores a compreender melhor o universo farmacêutico. O leitor tem acesso ilimitado às reportagens, artigos, fotos, vídeos e áudios publicados e produzidos, de forma independente, pela redação da Instituição. Sua reprodução é permitida, desde que citada a fonte. O ICTQ é o principal responsável pela especialização farmacêutica no Brasil. Muito obrigado por escolher a Instituição para se informar.