O Projeto de Lei (PL) 5443/19, do deputado federal, Eduardo Bismarck (PDT-CE), estabelece uma nova categoria de medicamentos – tarja azul – que poderá ser criada a partir de sua aprovação no Congresso Nacional. No entanto, apesar de ser considerado um grande benefício para muitos profissionais do setor farmacêutico, o projeto gerou desconforto em algumas associações, como no caso da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip) e da Associação Brasileira Redes Farmácias e Drogaria (Abrafarma).
A convite do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, o presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Marcos Machado, comentou o PL, ao que ele julga ter algumas inconsistências, mas após ter o texto melhorado será, com certeza, bastante útil para a categoria farmacêutica.
Confira a entrevista a seguir.
ICTQ - Qual sua opinião sobre o PL 5443/19, que estabelece uma nova categoria de medicamentos, no caso tarja azul?
Marcos Machado - Entendo que existam algumas falhas que precisam ser corrigidas. O texto cita alguns pontos que são possíveis, como a revalidação de receitas de antibióticos, por exemplo, o que eu não concordo, porém, o projeto eu considero bom, porque trata de um assunto que é importante, e nós temos que tocar nesse tema da venda de medicamentos tarjados.
Existem algumas classes de medicamentos que já deveriam ter sido revistas pela Anvisa, feito switch, ou seja, se modificado a categoria deles. Muitos pacientes que vão até à farmácia necessitam prosseguir seu tratamento com medicamentos de uso contínuo e que o farmacêutico poderia fazer a dispensação e o acompanhamento dessas pessoas.
Da forma como está hoje isso não pode continuar, mas é preciso avançar na questão de que é possível o farmacêutico prescrever, além do que ele pode fazer toda a documentação e acompanhamento desses pacientes. Isso já é feito em outros países e precisamos acompanhá-los. É um projeto com falhas, e precisa ser melhorado, mas é importante para a categoria farmacêutica.
ICTQ - Algumas associações consideram o PL um retrocesso. Seria o caso ou há, ainda, o que se discutir sobre ele?
Marcos Machado - Não considero o PL um retrocesso. Entendo ser preciso fazer ajustes nele, mas é preciso também encarar a situação. O que acontece é que a farmácia no Brasil, durante décadas, foi encarada como um estabelecimento comercial, portanto, em estabelecimento comercial não havia profissional de saúde, contudo, o farmacêutico não é apenas um vendedor de medicamentos, ele é um profissional de saúde habilitado para lidar com medicamentos, aliás é o profissional do medicamento, ou seja, se você tem uma pessoa habilitada na farmácia para lidar com medicamento, ele precisa ser útil. Nada mais útil para a sociedade do que um profissional que possa fazer a prescrição ou revalidar receitas que sejam necessários ao uso contínuo.
Precisa-se discutir o tema porque alguns medicamentos tarjados hoje necessitam dessa categorização. Deve-se entender em que momento o farmacêutico pode intervir e ajudar esse paciente, do contrário, o farmacêutico servirá apenas para a dispensação, e não é esse o nosso objetivo. O farmacêutico é um profissional com capacidade de fazer acompanhamento e intervenção, se necessário.
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ICTQ - Uma das partes consideradas mais polêmicas do PL ficou por conta da autorização da revalidação, pelos farmacêuticos, das prescrições médicas de antibióticos, por uma única vez, no prazo máximo de 30 dias. Como o senhor avalia essa questão?
Marcos Machado - A revalidação de receitas de antibióticos é uma questão muito complicada, porque devemos fazer acompanhamento desse paciente não apenas por sintomas, mas também por exames microbiológicos. Não acho interessante a revalidação de receitas de antibióticos sem realmente ter a interação com o médico. Essa questão foi levantada durante a propositura do PL em função de alguns municípios, principalmente em regiões do Brasil em que há dificuldade em se ter médicos. Mas nosso papel não é fazer a função do profissional da medicina, nós não fazemos diagnóstico. Nós fazemos o acompanhamento do paciente e acompanhamento farmacológico.
ICTQ - O deputado autor do PL defende que a formação dos farmacêuticos proporciona a esses profissionais conhecimento técnico e científico suficiente para uma avaliação mínima do paciente e, eventualmente, com possibilidade de prescrever um medicamento para tratamento da saúde. O farmacêutico tem esse conhecimento e autonomia?
Marcos Machado – O deputado Eduardo Bismarck, de fato, defende que a formação do farmacêutico proporciona, sim, conhecimento técnico-científico. O farmacêutico tem conhecimento técnico-científico para fazer acompanhamento farmacoterapêutico, para interagir com o médico.
O estabelecimento farmacêutico não pode ser encarado apenas como sendo as grandes redes. Nós temos farmácias em todos os municípios do Brasil e temos comunitárias, onde o profissional farmacêutico é importantíssimo para aquela comunidade. Ele é um profissional de saúde, ele não deve prescrever medicamentos sem necessidade.
Julgo ser importante criarmos no Brasil a consciência de que o farmacêutico, primeiro, é um profissional de saúde, que lida com medicamentos e tem conhecimento técnico-científico para isso, e é possível ter uma classe de medicamentos que seja, não somente de prescrição, mas de acompanhamento, de documentação.
ICTQ - A ‘tarja azul’ deverá incluir aqueles medicamentos de tarja vermelha sem retenção de receita que possuem, no mínimo, 70% dos critérios estabelecidos para os MIPs. Como isso, de fato, afeta o mercado farmacêutico?
Marcos Machado - O que precisa ser avaliado são quais as classes de medicamentos que necessitam realmente, não somente de prescrição, mas de acompanhamento farmacoterapêutico para não se vender ou simplesmente dispensar o medicamento quando o paciente pede.
O farmacêutico precisa oferecer consulta farmacêutica, fazer acompanhamento, verificar se há diagnóstico para aquele medicamento e se ele é necessário. Ele precisa ser encarado como profissional de saúde, e não apenas um vendedor que está na farmácia para entregar medicamento.
É preciso que os outros profissionais de saúde encarem a farmácia como um estabelecimento de saúde que possui um profissional adequado lá. Muitas vezes essa imagem de que o farmacêutico está apenas para entregar medicamento é algo passado, retrógrado, de quando a farmácia era vista como um comércio - o que não condiz com a realidade. Farmácia é estabelecimento de saúde e isso fica claro nas ações que têm sido feitas. É preciso discutir isso e avançar.
Existem medicamentos que podem ser orientados, documentados e até mesmo fazer acompanhamento de pacientes que já estão há muito tempo necessitando fazer switch, mas não é apenas fazer switch para que esses medicamentos se tornem isentos de prescrição. São classes de medicamentos para que o farmacêutico possa atuar dentro de uma faixa de segurança com o médico, de posse do diagnóstico e fazendo acompanhamento desses pacientes. Eu penso que isso é possível.
ICTQ – O senhor teria outras considerações?
Marcos Machado - Gostaria de parabenizar o Conselho Federal de Farmácia (CFF) por inserir novamente esse assunto em pauta. Isso foi uma solicitação minha, ao CFF, na última reunião dos Conselhos. Eu pedi ao presidente da entidade, Walter Jorge João, que retomássemos essa discussão, porque, embora o projeto tenha, do nosso ponto de vista, falhas, é preciso que nós rediscutamos melhor esse texto, melhoremos o projeto e o apresentemos da melhor maneira à sociedade, para a farmácia como estabelecimento de saúde e para o farmacêutico como profissional de saúde.
Fico muito feliz que Jorge João tenha acatado nossa solicitação, e o tenha colocado em pauta para discussão. Ainda que não seja definitivo, o assunto está de novo em pauta para podermos debatê-lo e até conversar com a Anvisa, que também precisa estar envolvida nesse contexto integralmente.
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