Em São Paulo, ao menos três pacientes morreram por hepatite e cinco estão na fila de transplante de fígado. A relação entre essas pessoas se dá por algo em comum: todas fizeram uso do ‘kit-covid’ - coquetel que, entre medicamentos tem a ivermectina, azitromicina, anticoagulantes e hidroxicloroquina para tratar da Covid-19.
Os fármacos não têm eficácia comprovada para combater o vírus. Aliás, até mesmo a Organização Mundial de Saúde (OMS) já rejeitou seu uso para tratar a doença e alertou que eles podem ocasionar efeitos colaterais. No entanto, no Brasil, esses medicamentos, que foram defendidos como tratamento para a Covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, continuam sendo prescritos por alguns médicos.
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De acordo com a reportagem do Estado de São Paulo, os profissionais de saúde estão observando que as pessoas que fazem uso dos medicamentos do Kit-Covid apresentam problemas como hemorragias, insuficiência renal e arritmias. Alguns médicos informaram que, com o agravamento da pandemia, cada vez mais há pacientes chegando ao pronto-socorro com algum efeito relacionado ao uso desses fármacos.
Ivermectina x hepatite
Segundo a reportagem, as cinco pessoas, que precisam de um transplante de fígado, chegaram ao hospital com pele amarelada e tinham feito o uso de antibióticos e da ivermectina, prescrita a eles como ‘tratamento precoce’.
É importante lembrar que esse medicamento é voltado para tratar sarna e piolho e não tem eficácia comprovada contra a Covid-19. Aliás, seu uso foi desaconselhado pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e pela própria fabricante do produto, a MSD.
O chefe de transplantes de órgãos abdominais do Hospital das Clínicas de São Paulo, Luiz Carneiro D’Albuquerque, explicou que ao examinar o fígado dos pacientes, encontrou lesões compatíveis com hepatite medicamentosa e que os dutos biliares foram destruídos pelos medicamentos.
Ele explica que, sem os dutos, as substâncias, que podem ser tóxicas, ficam na circulação sanguínea, favorecendo quadros infecciosos graves. D’Albuquerque relatou que dos quatro pacientes colocados na fila do transplante no HC, dois tiveram doença aguda e morreram antes da operação.
No Hospital das Clínicas da Unicamp, outro paciente aguarda por transplante, e a história se repete. A professora da Unidade de Transplantes Hepáticos, Ilka Boin, informou que o quadro é consequente de altas dosagens da ivermectina e outros fármacos.
Os médicos descartam que as mortes sejam decorrentes de complicações do coronavírus. “A covid pode atacar o órgão, mas de uma forma diferente. Ela causa pequenos trombos (coágulos) nos vasos. Esse padrão que encontramos é de lesão por medicamentos”, diz Ilka.
Automedicação e uso indiscriminado de medicações
Enquanto isso, na classe farmacêutica, a coordenadora acadêmica do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, e especialista em farmácia clínica e prescrição farmacêutica, Juliana Cardoso, sinaliza que o uso indiscriminado de medicamentos, na falha tentativa de prevenção à Covid-19 ou até na esperança de aliviar os sintomas, em casos de contaminações, tem contribuído para a automedicação e o uso abusivo dessas drogas que, falsamente interferem na infecção ao coronavírus.
Ela reforça que, como consequência desse uso, os medicamentos promovem uma série de reações à saúde, como efeitos colaterais - que são diferentes daqueles considerados como principal por um fármaco. Além disso, Juliana informa que o indivíduo se expõe a uma chance de reação adversa, caracterizada como qualquer resposta prejudicial ou indesejável, não intencional, a um medicamento.
A coordenadora explica que, além dessas ações indesejáveis, os pacientes ficam expostos ao risco de intoxicações, insuficiências hepáticas e até mesmo hepatite medicamentosa - causada pelo uso prolongado de medicamentos. Não bastando, ela cita outras sérias complicações que podem ocorrer, inclusive, na superlotação da rede de saúde.
“Todas essas situações precisam de um cuidado da equipe de saúde, incluindo nós, farmacêuticos, e outros profissionais, como nutricionistas, além de médicos e enfermeiros. O que se resume em um aumento na procura de cuidados hospitalares, contribuindo, assim, para a superlotação do sistema de saúde. Infelizmente em uma tentativa em vão de não se contaminarem, indivíduos sem nenhum acompanhamento acabam interferindo e piorando uma situação já crítica do cenário atual”, explicou a coordenadora.
Papel do farmacêutico
Juliana reforça que o papel do o papel do farmacêutico clínico vai além do acompanhamento farmacoterapêutico a pacientes que fazem uso da polifarmácia, ou seja, aqueles que fazem uso de 5 ou mais medicamentos. Ela endossa que compete aos profissionais, também, dar orientações sobre as medidas corretas e necessárias para a prevenção contra o coronavírus, assim como educar os pacientes sobre conhecimentos, até então, ilustrados e comprovados pela ciência.
“Não podemos nos mover por achismos, como profissionais sérios e éticos, nós farmacêuticos nos movemos por certezas, certezas estas já comprovadas pela ciência, e sem sombra de dúvidas matemos a esperança de dias melhores confiando no trabalho árduo de cientistas e seus respectivos projetos de pesquisas que visam beneficiar sempre o paciente”, defendeu.
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