Cientistas brasileiros comprovaram que uma pessoa pode ser infectada simultaneamente com duas linhagens diferentes do novo coronavírus (Sars-CoV-2), conforme revelou o Estadão. A versão final do estudo foi publicada na revista científica Vírus Research.
Essa foi a primeira vez que especialistas atestaram a possibilidade de infecção simultânea por duas variantes do Sars-CoV-2. O grande risco da coinfecção é a recombinação dos genomas das linhagens presentes no organismo, pois o processo geraria novas variantes e elas poderiam ser mais agressivas ou transmissíveis.
Quanto mais o vírus circula de forma descontrolada, como hoje no Brasil, maior a chance da coinfecção e do surgimento de novas variantes. O perigo é apontado no novo estudo, que é assinado pelos pesquisadores do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, de Novo Hamburgo (RS), e por especialistas em biotecnologia do Laboratório Nacional de Computação Científica, em Petrópolis (RJ).
Os pesquisadores fizeram o sequenciamento genético vírus presentes em 92 pessoas com Covid-19. Em duas mulheres na faixa de 30 anos foram encontradas duas linhagens diferentes de forma simultânea. Em um dos casos, as duas variantes já circulavam no Brasil desde o início da pandemia. No outro, além de uma cepa mais antiga do vírus, foi detectada a variante P2, identificada pela primeira vez no Rio de Janeiro, que é potencialmente mais transmissível. As duas mulheres não desenvolveram formas graves da doença. Com sintomas leves, não chegaram a ser internadas.
“Um achado robusto como o nosso é inédito no mundo, mas já havia a desconfiança de que isso já teria ocorrido”, explicou ao Estadão o virologista Fernando Spilki, da Feevale, um dos autores do trabalho. “Até porque esse tipo de fenômeno é esperado no caso dos coronavírus, está na base da criação de novas variantes na natureza (além de mutações)”.
Ainda segundo Spilki, é provável que uma coinfecção e uma recombinação de genomas em algum animal tenham levado ao surgimento do Sars-CoV-2. Mutações durante a própria replicação do vírus podem também gerar novos vírus. Mas esse processo seria mais raro. “Na primeira onda da pandemia, a gente vinha vendo uma continuidade na evolução do genoma do vírus em um determinado ritmo, bem mais lento do que observamos na segunda onda”, contou o virologista.
“Na segunda onda, até mesmo devido a um controle muito flácido, houve expansão muito grande na diversidade do vírus. As mutações se dão ao acaso, mas quanto maior o número de hospedeiros, maior o número de mutações que acabam se estabelecendo ao longo do tempo na forma de variantes e, posteriormente, linhagens”, completou Spilki.
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Segundo descreve o estudo, “embora existam alguns casos relatados de reinfecção, a possibilidade de coinfecção adiciona um novo fator à complexa interação entre os sistemas de resposta imunológica e as mutações do Sars-CoV-2”. Para Spilki, o maior risco da coinfecção não é uma apresentação mais grave da doença.
“Temos duas variantes de alta transmissibilidade circulando, a P2 e a britânica. Temos também, ao que tudo indica, a variante P1 que provocaria casos mais agressivos”, destacou Spilki ao Estadão. “Vamos imaginar que, com a circulação desenfreada do vírus, essas duas variantes se encontrem no mesmo indivíduo. A recombinação do genoma pode dar origem a uma variante com as duas características – mais transmissível e mais agressiva, circunstâncias que tornariam o controle ainda mais difícil”, frisou.
Outra preocupação seria o surgimento de novas variantes capazes de driblar as atuais vacinas. Mas isso não é razão para ninguém deixar de se imunizar, argumenta o pesquisador. “Não podemos dizer que as vacinas disponíveis não devem ser tomadas ou que não devemos confiar nelas”, assinalou Spilki. “Muito pelo contrário: a vacinação em massa é fundamental, e quanto mais rapidamente acontecer, menor a chance do surgimento dessas novas variantes”.
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