Pesquisadores dos Estados Unidos revelaram que atrasos nos testes, falta de pessoal, restrições de espaço e pacientes relutantes estão complicando o avanço dos ensaios clínicos com novos medicamentos contra a Covid-19.
À medida que os casos do novo coronavírus avançam e os tratamentos tornam-se cada vez mais necessários, em especial em nações como Brasil e Estados Unidos, onde a pandemia segue com número elevadíssimo de casos e mortes, os testes clínicos para alguns dos medicamentos experimentais mais promissores estão levando mais tempo do que o esperado, conforme revelou o New York Times e replicado no Brasil pelo Estadão.
Pesquisadores de uma dúzia de locais onde os ensaios clínicos estão sendo feitos disseram ao jornal que os atrasos nos processos estavam complicando seus esforços para testar anticorpos monoclonais, medicamentos que imitam os soldados moleculares produzidos pelo sistema imunológico humano.
Embora grande parte do foco do mundo tenha se deslocado para a criação de uma vacina contra o coronavírus, novos medicamentos também podem ajudar a conter a pandemia, tornando a doença menos mortal. Como os medicamentos são normalmente testados em pacientes doentes em ensaios clínicos menores, eles também podem ser desenvolvidos mais rapidamente do que as vacinas.
Prazos se tornam mais elásticos
Outrora ambiciosos, os prazos para esses medicamentos estão fraquejando, revelaram empresas consultadas pelo periódico nova-iorquino. A indústria farmacêutica Regeneron anteriormente havia dito que poderia ter doses de emergência de seu coquetel de anticorpos prontas até o fim do verão do hemisfério norte. Agora passou a falar que os ‘dados iniciais’ poderiam estar disponíveis até o fim de setembro.
Uma porta-voz da Regeneron, Hala Mirza, disse ao jornal que todos os testes clínicos envolveram um período de aprendizagem primeiro e que a empresa estava “vendo um movimento positivo nos últimos dias”, pois enviou máquinas de teste para alguns locais de pesquisa e ampliou os critérios para permitir que mais pacientes possam participar.
Já o diretor científico da Eli Lilly, Daniel Skovronsky, disse em junho que seu tratamento com anticorpos poderia estar pronto em setembro, mas em uma entrevista recente revelou que isso ficou perto do fim do ano. “Claro, eu gostaria que pudéssemos trabalhar mais rápido; não há dúvida em relação a isso”, afirmou ao New York Times. “Segundo minhas expectativas e sonhos, recrutaríamos os pacientes em uma ou duas semanas, mas está demorando mais do que isso”.
Regeneron e Eli Lilly estão buscando dois dos tratamentos mais acompanhados de perto – anticorpos desenvolvidos em laboratório que podem lutar contra o vírus em pacientes que já estão doentes ou prevenir infecções naqueles que foram expostos ao vírus. Embora o presidente Donald Trump tenha favorecido fortemente o investimento em vacinas, a Regeneron fechou acordos com o governo norte-americano no valor de mais de US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões) para aumentar a fabricação de seu tratamento de anticorpos.
Segundo levantamento do jornal, os dois laboratórios se apressaram para desenvolver os produtos em tempo recorde e começaram estudos em dezenas de hospitais e clínicas nos Estados Unidos. Eles estão testando vários grupos de pacientes, como aqueles com resultados positivos, mas que ainda não estão doentes o suficiente para serem hospitalizados e os que foram expostos ao vírus por contato com alguém já infectado. Todos os estudos comparam os medicamentos experimentais a um placebo.
Hospitais sobrecarregados
Porém, a rápida evolução da doença apresentou desafios para os pesquisadores que testam anticorpos nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que o aumento dos casos amplia a possibilidade de mais pacientes elegíveis para os ensaios, os surtos sobrecarregaram os mesmos hospitais que supervisionariam os estudos.
Em reuniões pela internet com médicos participantes dos testes pelos Estados Unidos, Daniel Skovronsky disse que alguns tiveram que se ocupar em cuidar de pacientes que precisavam de intervenção de emergência. “Isso não acontece quando você está preparando testes clínicos de diabetes ou de câncer”, afirmou. “Alguns pesquisadores disseram: ‘Olha, eu adoraria fazer pesquisa, mas não tenho tempo para configurar um novo ensaio. Tenho uma UTI cheia de pacientes’”, completou o diretor do Eli Lilly.
Segundo os pesquisadores, um grande obstáculo tem sido a testagem. Nos estudos ambulatoriais conduzidos pela Eli Lilly e Regeneron, os médicos devem correr contra o tempo. De acordo com as regras do estudo da Regeneron, um paciente deve ser tratado com os anticorpos até sete dias após o início dos sintomas.
Tanto os testes Regeneron como os da Eli Lilly exigem a administração do medicamento dentro de três dias após a obtenção do resultado positivo. Mas, com o tempo para entrega dos resultados atrasando em cinco dias ou mais em algumas áreas, manter-se dentro desses prazos tem se mostrado difícil.
A diretora de pesquisa Anita Kohli, do Arizona Clinical Trials, um centro de estudos da Regeneron no Arizona, disse que teve um grande aumento no número de pessoas que queriam se voluntariar para o estudo ambulatorial no início do verão norte-americano, quando o surto estava chegando ao pico em seu estado. “Nossos telefones tocavam sem parar nas primeiras duas semanas”, disse ela.
Mas como os laboratórios foram inundados com amostras, sobrecarregando as cadeias de suprimentos e atrasando os resultados, Anita afirmou que ficou difícil inscrever os pacientes. “Se as pessoas estão sendo testadas nessas instalações, mas não têm os resultados, como podemos inscrevê-las nos testes?” questionou.
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Faltam locais ideais para os testes
Outros pesquisadores disseram ao New York Times que encontrar o local certo para administrar o tratamento experimental nos ambulatórios foi complicado. Os pacientes geralmente são testados em um local drive-thru e depois voltam para casa, raramente visitando um hospital ou clínica, a menos que sua condição piore. Trazê-los a um centro médico para tratamento sobrecarrega ainda mais o sistema e traz o risco de infectar pacientes e profissionais de saúde que não têm Covid-19.
Alguns locais têm resistido a trazer uma pessoa infeccionada para suas instalações médicas, compartilhando um saguão ou elevador com pessoas que não têm o vírus. Uma vez lá, eles devem passar algumas horas recebendo uma infusão do tratamento, assim como fazendo exames de sangue e preenchendo a papelada necessária para o estudo.
Em alguns hospitais, os funcionários puderam usar as instalações existentes. Em Tyler, Texas, o centro médico UT Health North Campus é um antigo hospital para tuberculose, com salas que usam pressão do ar negativa para evitar a propagação de vírus.
Já em outros locais, como o hospital Holy Cross, na Flórida, encontrar o local ideal tem sido uma luta. Joshua Purow, que está supervisionando o teste ambulatorial da Eli Lilly no hospital, correu para preparar seu local assim que viu que as infecções estavam aumentando na área.
Mas o Holy Cross recusou sua primeira escolha, um espaço do departamento de emergência, com medo de que o local fosse necessário para pacientes mais graves com Covid-19. A ideia de instalar uma tenda ao ar livre foi considerada muito complicada e reformar uma sala em um prédio comercial próximo levaria muito tempo.
Semanas se passaram antes que Joshua Purow finalmente garantisse um local para realizar o teste. Foi no pronto-socorro, o primeiro lugar que ele havia solicitado. “Finalmente temos tudo configurado para começar”, disse Purow ao jornal. “Mas agora os números [de casos] estão diminuindo um pouco. Não estamos vendo tanto quanto pensávamos que veríamos”.
Ele afirmou ter, até agora, inscrito apenas um participante, embora o esperado fossem 25. Ao todo, o estudo ambulatorial da Eli Lilly tem como objetivo incluir 400 pacientes. O estudo semelhante da Regeneron tem a meta de contar com cerca de 1.500 pacientes.
Mas nem todos os lugares de teste enfrentam esses obstáculos. O médico Jason Morris, que está supervisionando o estudo da Eli Lilly em seu consultório, Imperial Health, na Louisiana, já excedeu suas metas e inscreveu perto de 45 pacientes. Morris disse que ele ou outro médico liga para cada pessoa com resultado positivo para o vírus na clínica de atendimento de urgência e fala a respeito da pesquisa.
Ele disse que explica que o estudo está examinando se o anticorpo da Eli Lilly pode impedir o vírus de invadir as células e se replicar.“Quando eu o explico simplesmente assim, as pessoas ficam tipo: ‘Oh, vamos fazer isso’”, revelou.
Mas os pesquisadores têm ainda de enfrentar outro obstáculo – a relutância de alguns pacientes em participar dos estudos. Muitas pessoas associam os ensaios clínicos a tratamentos administrados em situações de vida ou morte e não querem correr o risco de tomar um medicamento experimental para uma doença que podem vencer por conta própria. E há os que pensam justamente o contrário: não querem passar pelo incômodo de um teste apenas para receber um placebo.
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