Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desenvolveram tratamento que pode levar à cura da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Estudo aponta que coquetel de medicamentos eliminou o vírus HIV em um paciente brasileiro de 34 anos. Pesquisa é uma esperança, mas ainda precisa ser ampliada a um número maior de pacientes para se ter segurança dos resultados.
De acordo com os pesquisadores, o homem recebeu tratamento e está há quase dois anos sem carga detectável do HIV. Ele foi diagnosticado em 2012 com o vírus e foi tratado com uma base de terapia antirretroviral reforçada com outras substâncias. O tratamento experimental não envolve transplante de medula – processo complexo e considerado arriscado e que tem sido a esperança para a remissão da doença nos últimos anos.
O tratamento foi interrompido após 48 semanas (13 meses). Depois de mais 57 semanas (11 meses) sem o coquetel, o DNA de HIV nas células do paciente e o exame de anticorpos continuavam negativos. O paciente participou do estudo liderado pelo infectologista, diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), Ricardo Sobhie Diaz, (foto). Segundo o médico, o vírus não foi detectado no corpo do paciente nem mesmo após passar por exames de alta precisão de diagnóstico.
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O número de anticorpos que combatem o HIV, que são usados como parâmetro para descobrir se uma pessoa contraiu o vírus ou não, também tem caído progressivamente, “o que é uma evidência de que o vírus pode não estar mais ali”, disse Diaz à CNN. Ainda assim, o infectologista alerta que é cedo para falar em cura e que há a possibilidade do vírus voltar a se manifestar, portanto, o paciente segue em acompanhamento.
Coordenada por Diaz, a pesquisa envolveu, na sua primeira etapa em 2013, a participação de 30 voluntários (o homem de 34 anos era um deles) que possuíam carga viral indetectável e, por isso, não podiam temporariamente transmitir a doença. Além disso, esses voluntários eram tratados com o coquetel, que é o tratamento mais eficiente conhecido até então, mesclando três tipos de antirretrovirais, informa o Cantaltech.
Nova proposta de tratamento
O modelo de tratamento dos pesquisadores da Unifesp funciona a partir de células dendríticas – uma das principais células do sistema imune para a identificação de antígenos – e é feito de forma individual, sob demanda, para cada paciente.
As células dendríticas são importantes unidades funcionais no sistema imunológico, porque capturam microrganismos prejudiciais no organismo. Elas também apontam para os linfócitos (outras células do sistema) quais agentes infecciosos devem ser atacados. Por sua vez, esses linfócitos aprendem a identificar e eliminar o HIV presente no organismo, mesmo aonde os antirretrovirais não chegam ou, quando chegam, atuam de forma modesta no cérebro, intestinos, ovários e testículos.
Para a elaboração desse tratamento experimental, os pesquisadores trabalharam a partir de monócitos (determinado tipo de célula dendrítica) e peptídeos (biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos) do vírus, encontrados no sangue do próprio paciente.
De acordo com os pesquisadores da Unifesp, foram investigadas duas frentes para a cura da infecção do HIV. A primeira, a partir de medicamentos que consigam eliminar o vírus no momento da sua replicação e que também possam eliminar células em que o HIV fica adormecido, ou seja, em estado de latência. Já a outra abordagem consistia no desenvolvimento de um tratamento que deve estimular o sistema imunológico a reagir e eliminar células infectadas pelo HIV, aonde remédios comuns não chegam.
Duas substâncias já foram analisadas como boas aliadas na luta contra o HIV – a auranofina (um medicamento antirreumático, conhecido como sal de ouro, que já não era mais utilizado há anos pelos médicos) e a nicotinamida (uma forma da vitamina B3 que impede o vírus de se esconder nas células). A nicotinamida já teve seus efeitos confirmados em testes in vitro, in vivo (em animais) e agora e em humanos contra a latência do HIV.
De acordo com os pesquisadores, a descoberta dessas substâncias apenas reduzem, de forma expressiva, a carga viral do paciente, mas não pode curá-lo. Para isso, eles desenvolveram uma espécie de vacina que conseguisse ‘ensinar’ o organismo do paciente a identificar as células contaminadas pelo HIV e as destruir, como aconteceu com o paciente de 34 anos que está sem a presença do vírus no organismo. O caso apresentado em uma conferência sobre a Aids em San Francisco, nos Estados Unidos, informa a Agência Reuters.
No mundo todo, são mais de 37 milhões de pessoas convivendo com o vírus da imunodeficiência humana, conhecido pela sigla HIV, segundo a Unaids. Pacientes que têm acesso a medicamentos contra Aids conseguem controlar o vírus e impedir o avanço da doença, existindo várias maneiras de impedir sua disseminação, mas a cura até agora não havia sido obtida, salvo o caso de dois pacientes que se submeteram a transplante de medula e são considerados ‘funcionalmente curados’.
“Este caso é extremamente interessante, e realmente espero que possa impulsionar pesquisas adicionais para uma cura do HIV”, disse o médico Andrea Savarino, do Instituto de Saúde da Itália que coliderou o teste, em uma entrevista à NAM Aidsmap, reproduzida pela Reuters e G1.
Savarino alertou, porém, que quatro outros pacientes soropositivos foram tratados com o mesmo coquetel, mas não viram os mesmos efeitos positivos. “O resultado muito provavelmente não pode ser reproduzido. Este é um primeiro experimento (preliminar), e eu não faria previsões para além disso”, afirmou
Sobre o caso no Brasil, Sharon Lewin, uma especialista em HIV do Instituto Doherty da Austrália, disse que ele é ‘muito interessante’, mas que provocou muitas dúvidas. “Como este homem fez parte de um teste clínico maior, será importante entender totalmente o que aconteceu com os outros participantes”, afirmou Lewin.
Em uma segunda etapa, a pesquisa brasileira deve incluir voluntárias mulheres (até o momento, os participantes eram apenas homens) e contar com cerca de 60 pacientes, segundo os pesquisadores.
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