Uma das principais responsabilidades do farmacêutico que atua na indústria farmacêutica está diretamente ligada à Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) Analítico e ao Controle de Qualidade na produção de novos medicamentos. Esse papel ganha ainda mais relevância diante das frequentes alterações normativas. Publicada em setembro de 2022, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a RDC 749 dispõe sobre isenção de estudos de bioequivalência/biodisponibilidade relativa na produção de novos fármacos, revogando a antiga RDC 37/11. Contudo, o assunto ainda é um quebra-cabeças para muitos profissionais, que ainda não entenderam ou estão em fase de adaptação para acompanhar o que propõe a normativa.
No contexto dinâmico da indústria, o entendimento aprofundado dos estudos de equivalência e bioequivalência se torna indispensável. A chegada dos medicamentos genéricos ao mercado trouxe consigo a necessidade de assegurar a intercambialidade desses produtos em relação aos produtos inovadores. Diante desse cenário, é imperativo comprovar e comparar a qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos genéricos em relação aos produtos de referência.
“A gente sabe o quanto é importante entender quais são os estudos necessários para se aprovar e demonstrar a segurança e eficácia de medicamentos genéricos, similares ou mesmo inovadores que usam a via da comparabilidade como estratégia para aprovação. Esse é um tema de grande importância já que o próprio País teve o seu desenvolvimento científico muito atrelado à realização dos estudos de equivalência farmacêutica e bioequivalência”, fala o professor do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, mestre em Toxicologia e Farmacologia, diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos da Fundação Butantan e ex-gerente geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes.
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Segundo a Agência, os requisitos para bioisenção foram atualizados com base no conhecimento científico atualmente disponível e favorecem a convergência internacional. Essa atualização proposta pela RDC 749/22, portanto, visa tornar a legislação brasileira mais robusta no sentido de garantir medicamentos seguros e eficazes quando comparados aos seus respectivos medicamentos de referência.
“A RDC 749/22 trata sobre isenção de bioequivalência. Pelas normas da Anvisa, para registro de medicamentos genéricos ou biossimilares é necessária a realização do estudo de bioequivalência, comparando com o medicamento de referência. Só que em alguns casos não é necessário fazer esse estudo para registro e essa norma destaca quais situações são essas. É válido ressaltar que essa não é a primeira normativa a pautar este assunto, ela surgiu como uma atualização da RDC 37/11”, reforça a especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, Kelen Soares.
Os estudos de equivalência farmacêutica e bioequivalência, segundo Mendes, mudaram o entendimento da produção de medicamentos no Brasil, porque se tornaram requisitos essenciais a serem cumpridos. No País, a regra não determina que é necessário ter os mesmos excipientes entre medicamento genérico, similar ou inovador versus referência, porque isso, na verdade, se transformará num desempenho a ser avaliado.
Se mesmo tendo uma quantidade ou mesmo tendo qualitativamente excipientes diferentes, isso não impactará na performance do produto. Isso justifica o fato de termos uma situação em que é possível aceitar excipientes distintos, desde que se demonstrem comparáveis, compatíveis.
Por dentro da RDC 749/22
A RDC 749/22 se aplica aos medicamentos genéricos, similares, novos e inovadores. No caso dos medicamentos novos e inovadores, a isenção de estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência é aplicável nos seguintes casos:
- bioisenção para as demais concentrações em relação à concentração para a qual a bioequivalência in vivo foi demonstrada, nos casos em que as demais concentrações propostas estejam dentro da faixa terapêutica aprovada, entendida como o intervalo de dose para o qual tenham sido apresentados dados de segurança e eficácia e estes tenham sido avaliados e aprovados junto ao órgão federal competente, por ocasião do registro;
- bioisenção baseada no sistema de classificação biofarmacêutica e em razão da forma farmacêutica, via de administração ou local de ação, nos casos de mudanças pós-registro, exceto mudanças relacionadas à posologia, ampliação de uso, inclusão de nova via de administração, nova indicação terapêutica e inclusão de nova concentração para medicamentos novos, descritas na RDC 73/16, ou outra que vier a substituí-la.
“A RDC 749/22 é dividida em três seções. A primeira fala da bioisenção em razão da forma farmacêutica, via de administração ou local de ação, isto é, qual forma farmacêutica poderia ser bioisenta. Uma alteração importante nessa seção equivale às formas farmacêuticas de uso tópico, pois antes elas eram completamente bioisentas. Para aquelas que não contêm corticoide, por exemplo, a equivalência terapêutica deverá ser demonstrada por meio de estudos de equivalência farmacêutica e farmacocinéticos ou farmacodinâmicos, conforme o caso, atendendo ao disposto na RDC 278/19, ou outra que vier a substituí-la”, explica Kelen.
Além de serem equivalentes farmacêuticos ao medicamento comparador, as formas farmacêuticas de aplicação tópica, não destinadas a efeitos sistêmicos, devem conter os mesmos excipientes nas mesmas quantidades e mesmo comportamento físico-químico e microestrutural.
“No caso de medicamentos semissólidos de aplicação tópica, poderão ser aceitas pequenas diferenças em excipientes não considerados críticos para a permeação cutânea, mediante apresentação prévia dos dados de desempenho in vitro e de referências sobre permeabilidade do produto. Além disso, a bioisenção também depende da comprovação da semelhança entre as formulações por meio de teste de desempenho in vitro comparativo”, informa a Anvisa.
A seção dois, da RDC 749/22, fala da bioisenção para as demais concentrações. “Este tópico atesta o que é preciso fazer para isentar os estudos de bioequivalência para quando você credita mais de uma concentração. Você vai registrar o mesmo fármaco, por exemplo nas concentrações de 25 e 50 mg, e você pode fazer o estudo somente com uma das concentrações, isto é, você vai bioisentar. Os estudos de bioequivalência poderão ser dispensados para medicamentos de liberação imediata, de mesma forma farmacêutica e formulações proporcionais; e medicamentos de liberação modificada, de mesma forma farmacêutica, mesmo mecanismo de liberação, formulações proporcionais e produzidos no mesmo endereço”, reforça Kelen.
A Anvisa reitera que não é possível pleitear a bioisenção de diferentes concentrações no registro de novas concentrações no Brasil, pois o registro de uma nova concentração no País demandaria a avaliação de aspectos clínicos e impossibilitaria a concessão de registro somente com dados in vitro. Além disso, diferentes concentrações em processos de registros distintos causam dificuldade ao acompanhamento do ciclo de vida das concentrações de forma paralela.
Por fim, a especialista em Regulação e Vigilância Sanitária discorre sobre a seção três da RDC 749/22, que traz os requisitos para bioisenção baseada no sistema de classificação biofarmacêutica (SCB), que foi revisada conforme o guia ICH M9 Biopharmaceutics Classification System-Based Biowaivers.
Segundo a Anvisa, dentre as principais alterações pode-se destacar a revogação da Instrução Normativa IN 10/16, que descrevia a lista de fármacos candidatos à bioisenção baseada no SCB. Com a revogação da lista, a possibilidade de isenção dos estudos de bioequivalência/biodisponibilidade relativa baseada no SCB foi ampliada para todos os fármacos que atendam satisfatoriamente os critérios definidos na RDC 749/22. Também se destaca a possibilidade de apresentação de informações sobre a permeabilidade intestinal do fármaco como critério para avaliação da bioisenção pelo SCB.
“O SCB classifica o fármaco em quatro classes, de acordo com solubilidade e permeabilidade, então se o fármaco tem alta solubilidade existe a possibilidade de se bioisentar”, fala Kelen.
De acordo com o SCB, os fármacos podem ser categorizados nas seguintes classes:
- Classe I: alta solubilidade, alta permeabilidade;
- Classe II: baixa solubilidade, alta permeabilidade;
- Classe III: alta solubilidade, baixa permeabilidade; ou
- Classe IV: baixa solubilidade, baixa permeabilidade.
“A bioisenção baseada no sistema de classificação biofarmacêutica é aplicável a fármacos que apresentam alta solubilidade com alta permeabilidade (Classe I) ou baixa permeabilidade (Classe III)”, pontua Kelen.
Segundo a Anvisa, fármacos que não cumpram o requisito de estabilidade definido pelo artigo 42 no ensaio de solubilidade em qualquer das condições experimentais testadas e pelo período total do estudo não poderão ser classificados e, consequentemente, deixam de ser candidatos à bioisenção pelo SCB.
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