A farmacêutica e diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Meiruze Sousa Freitas, relatou como a luta em combate à pandemia mudou sua rotina, que consiste em ter apenas quatro horas de sono por noite, enquanto durante o dia, gasta mais 14 horas trabalhando em função da Covid-19. As informações foram divulgadas em entrevista à Universia.
Essa carga horária tem se mantido assim desde dezembro do ano passado, sendo estendida para sábados, domingos e feriados. A extensa jornada da farmacêutica tem um propósito: encontrar um caminho que facilite a distribuição das vacinas pelo Brasil.
A tarefa não é fácil, afinal, há os problemas que a entidade enfrenta para garantir a imunização de todos os brasileiros, além dos desafios de proteger a atuação da Anvisa de interferências políticas.
Meiruze ganhou repercussão nacional quando, em janeiro passado, foi a relatora responsável por deliberar as vacinas do Instituto Butantan e de Oxford para uso emergencial no Brasil.
Porém, está na Anvisa desde 2007 e foi no final de 2020 que a farmacêutica assumiu a direção da entidade, cargo que compete à fiscalização de remédios, cosméticos, agrotóxicos, entre outros produtos. Elencamos alguns principais pontos que Meiruze destacou, confira:
Liberação das vacinas no Brasil
Para Meiruze, a liberação do uso emergencial das vacinas no Brasil foi “o grande desafio” de sua carreira. Ela destacou que o processo envolveu toda a sua diretoria, mas também contou com muitas outras áreas para se chegar a uma decisão. E enfatizou que houve muita cautela em todos os processos, com o objetivo de ser transparente e dar resposta precisa a todos.
“A gente tem que lembrar que, não só o Brasil, mas o mundo concedeu autorização emergencial ainda em estágio experimental. É uma responsabilidade enorme liderar esse processo e é preciso trabalhar com transparência, porque a população precisa das informações, a população precisa conhecer nosso trabalho, assim como a imprensa, os cientistas, os políticos também precisam conhecer. Então, orquestrar essa relatoria foi muito mais do que ler um voto”.
A força-tarefa para a liberação da vacina, segundo a farmacêutica, teve um propósito bem maior, que consistiu na própria liberação para uso emergencial em si, mesmo tendo ciência das suas incertezas, mas, ao mesmo tempo, buscando reduzir os riscos e criar um programa de monitoramento eficaz das vacinas.
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Pressão para aprovação da vacina
Quanto à pressão que o órgão sofreu para liberar a aprovação das vacinas, Meiruze faz um contraponto: por um lado é delicado trabalhar com informações confidenciais e saber o melhor momento para divulgá-las, mas, por outro, segundo ela, “essa pressão nos fortalece, porque faz com que a gente mostre o trabalho da Anvisa, um órgão independente que trabalha em prol da saúde pública”, explicou.
Rotina pós-pandemia
Após a assumir o cargo de direção da Anvisa, a farmacêutica viu sua vida pessoal e profissional mudarem drasticamente.
Ela relata que, desde janeiro de 2020, já havia compreendido que passaríamos por uma pandemia. Mas foi em março que teve início sua rotina de trabalho pesado com ações regulatórias.
Mês a mês, a diretora enfrentou novos e diferentes desafios impostos pela crise da Covid-19, que vão desde alternativas para facilitar o acesso a equipamentos de proteção, kit de diagnóstico, ventiladores, assim como o risco de desabastecimento de anestésicos. Todas essas situações, vivenciadas em estresse, contribuíram para que a Meiruze chegasse “preparada” até a vacina.
O reflexo dessa carga de trabalho é refletido na vida pessoal da farmacêutica, que desde dezembro está imersa nas suas atividades na Anvisa. Com isso, falta-lhe tempo para convívio familiar. Porém, ela não reclama e considera que as quatro horas de sono que dorme são suficientes para si e sua família, pois, compreende o seu atual momento, no qual sua vida está dedicada ao trabalho.
Movimento Antivacina
Quanto às manifestações que boicotam a vacina, a diretora enfatizou que esse movimento negacionista precisa ser apagado. E isso se dará por meio de “informações corretas e com o fortalecimento da ciência”.
“Cada vez que a gente melhora a nossa comunicação e temos mais profissionais envolvidos nesse processo, esses movimentos negacionistas perdem a força. Esse é um desafio para a saúde pública global. Ao meu ver, esse assunto não merece palco”, enfatizou.
Indicações de remédios sem comprovação científica
Quanto às indicações de medicamentos que não têm comprovação científica de sua eficácia, como a cloroquina e ivermectina, a diretora destacou que é preciso considerar que, no contexto de pandemia, estamos lidando com um cenário desconhecido.
“Parece que quanto mais estudamos, menos sabemos. Quando surgem terapias que podem fazer algum efeito, eu até compreendo as pessoas buscarem alternativas. A Anvisa só atua para regular a medicação e investigar se há comprovação científica para que aquele remédio seja indicado contra alguma doença, ela não controla o que os médicos receitam no consultório”.
Vacina X Política
O desafio de manter as decisões da Anvisa à margem dos interesses políticos também foi pontuado por Meiruze, que afirma ter conseguido manter essa separação, mesmo que, aparentemente, não demonstrasse isso.
“A nossa missão é que todos tenham acesso à vacina, e vacina de qualidade. As decisões da Anvisa precisam estar sempre baseadas em critérios científicos. Embora tenha parecido que estávamos atuando sobre uma pressão política, aqui dentro nós falávamos: "isso não importa".
Anvisa X Instituto Butantan
Quanto ao diálogo com o Butantan, a diretora afirma que existe um “canal de respeito”, que existiu durante todo o processo de deliberação da vacina. Aliás, nas reuniões entre as entidades, ela reforçou que a política não influenciaria nas decisões sobre a vacina.
“Não aprovaríamos a vacina se os riscos que ela oferecesse fosse maior do que os benefícios. Fizemos muitas reuniões. Tive, inclusive, uma reunião com o presidente do Butantan, Dimas Covas, para deixar claro que trabalhávamos para o bem do Brasil e que as discussões políticas estavam à parte das nossas colocações, respeitando o Instituto, inclusive nos nossos posicionamentos”.
Previsão de vacinação para todos os Brasileiros
Questionada sobre um possível prazo para que todo o Brasil esteja imunizado, Meiruze não deu uma data, mas destacou que está “trabalhando fortemente para isso”. E que o seu “foco de trabalho tem sido pensar em como ampliar as estratégias de acesso a mais vacinas” e concluiu com os atuais desafios no País:
“O cenário ainda é de buscar acesso para que tenhamos até mesmo mais vacinas desenvolvidas aqui, no Brasil, que a gente tenha mais autonomia na produção de insumo farmacêutico, que o próprio setor farmacêutico entre mais pesado nesse processo. Se dependesse de mim, a gente teria o Brasil imunizado antes de julho, mas é uma ação que vai além do meu trabalho, depende de uma cadeia produtiva.
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