De acordo com os dirigentes de três redes de farmácia que participaram de uma live recente da XP Investimentos, o varejo farmacêutico terá um novo papel no sistema de saúde no pós-Covid-19. Essa transformação envolve a revolução digital, o e-commerce, novos formatos de loja e maior participação do farmacêutico.
Na avaliação dos executivos, as farmácias assumirão cada vez mais um papel ativo no sistema de saúde do País, impulsionado pela experiência proporcionada pela Covid-19. A farmácia não é mais apenas ponto de venda de medicamento, mas vem ganhando espaço como estabelecimento de saúde, que envolve serviços de acompanhamento do tratamento, prevenção e orientação ao paciente. Em certa medida, é a retomada de um tipo de atendimento do passado que retorna amparado por novas tecnologias.
De acordo com o presidente da Drogaria Venâncio, Armando Ahmed, a farmácia era o primeiro lugar em que a população se dirigia para tirar dúvidas sobre algum problema de saúde. “Era comum perguntar ao farmacêutico sobre uma dor que estivesse sentindo que, muitas vezes, não passava de mera dor de garganta ou para fazer ou trocar um curativo. Ele fazia esse trabalho naquela época sem ser formado em Farmácia. Atualmente, em que estamos muito mais preparados tecnicamente, é o momento de revolucionar esses pequenos serviços dentro da farmácia”.
Segundo ele, a carência de médicos é grande no mundo inteiro e o farmacêutico pode complementar o serviço de saúde. “A telemedicina contribui bastante, mas o farmacêutico pode ajudar quando ela não consegue atingir as pessoas. Evidentemente, que quando nenhuma delas puder suprir as necessidades o paciente tem que procurar o médico”, salientou Ahmed, lembrando que o momento atual, em que a pandemia vem mudando hábitos, pode facilitar para que novas formas de atendimento se consolidem. “O que vai acontecer na farmácia pós-Covid-19 é aquilo que aproveitarmos hoje para revolucionar a necessidade de atendimento de saúde do brasileiro”.
Farmácia como estabelecimento de saúde
Com a pandemia, segundo o presidente da Farmácia Indiana, Alexandre Mattar, a farmácia se reposiciona como uma entidade que faz parte do sistema de saúde brasileiro. “Podemos ingressar facilmente nesse novo modelo de farmácia, nos posicionando como parceiros do sistema de saúde nas cidades em que estamos presentes”, disse Mattar, destacando que agora o farmacêutico está ainda mais capacitado para isso. “Temos atualmente profissionais muito bem qualificados por programas de pós-graduação. Eles têm condição de fazer um ótimo trabalho de atenção farmacêutica no Brasil inteiro”.
O diretor da Rede Drogal, Marcelo Cançado, faz coro para os avanços do atendimento no setor, destacando que isso vem ocorrendo de forma acelerada. “O varejo farmacêutico vem mudando de dez anos para cá de maneira bastante rápida. Não apenas no mix de produtos, mas principalmente na questão da atenção farmacêutica”, revelou. O serviço farmacêutico é algo vem resgatando com sucesso, segundo ele, recuperando o papel do farmacêutico como agente de saúde. “O profissional chegou a ser um mero entregador de caixinhas, mas isso está mudando. A questão da orientação, do acompanhamento, a volta da vacina. A farmácia voltou a ser um estabelecimento em que se busca saúde”, completou.
Ao passo que a farmácia recupera o conceito de prestação de serviços em saúde, a figura do farmacêutico vem sendo redesenhada nas empresas. “Ele passou a atuar em complementação ao trabalho do médico. Pela preparação técnica que possui, ele tem ampliado suas funções na farmácia. Antes, para aplicar uma injeção, por exemplo, era preciso ter um enfermeiro no estabelecimento. Hoje isso é feito pelo farmacêutico, como é o caso da aplicação de vacinas. A profissionalização da farmácia está cada vez mais avançando, não apenas pelo incentivo das empresas, mas também porque o farmacêutico quer ampliar sua participação” frisou Armando Ahmed.
Alexandre Mattar concorda com essa visão. “A farmácia está voltando a ser aquele estabelecimento de saúde que já foi lá na origem, com o farmacêutico que ficava orientando o cliente. O balcão era quase um confessionário”, brincou, destacando que essa forma de atuar pode ajudar no acesso ao tratamento. “Devemos encarar a farmácia como agente transformador da saúde do brasileiro. Nossa história contribui para isso, e acabou virando um valor para nós e o farmacêutico se tornou um profissional 360 graus, com papel fundamental não apenas nas atividades de saúde, mas também no relacionamento com os clientes”.
“Aquele farmacêutico burocrático, que estava na farmácia apenas para cuidar da chave do psicotrópico, que não tinha ingerência, não podia sequer aplicar um injetável ou verificar a pressão arterial porque a legislação não permitia, isso acabou”, acrescentou o presidente da Farmácia São João, Pedro Brair. “Hoje houve um avanço. O farmacêutico recuperou a autoridade dentro da loja, ele é indispensável nessa configuração em que a farmácia voltou a ser um estabelecimento de Saúde”, disse Brair, lembrando que mais da metade das mais de 700 lojas do grupo tem sala de serviços farmacêuticos.
O consultório farmacêutico, que não é tem nada a ver com consultório médico, faz questão de ressaltar o presidente da Indiana, ganha um papel importante nessa nova configuração da farmácia. “Funciona para orientar o paciente, principalmente na questão da prevenção de doenças, na promoção da saúde e na aderência ao tratamento. Vale observar que este último é o grande problema do Brasil. Grande parte dos problemas que temos de complicação de doenças, crônicas principalmente, resulta do abandono do tratamento. Cerca de 54% dos tratamentos são abandonados no meio do caminho. Isso complica ainda mais no caso da pandemia”, salientou Mattar.
Prescrição eletrônica
Outra novidade que chegou com a pandemia foi a possibilidade do receituário eletrônico. Para evitar que as pessoas, especialmente as que têm doenças crônicas e fazem parte do grupo de risco, tenham de ir na farmácia com frequência, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ampliou as possibilidades de uso da prescrição eletrônica.
Para quem faz uso de medicamentos controlados, a Anvisa ampliou a quantidade de medicamentos que o paciente pode comprar. Pela nova regra, as doses de antidepressivos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, anfetaminas e ansiolíticos podem ser adquiridos em quantidade suficiente para 30 dias a mais de tratamento. A resolução tem duração inicial de seis meses.
As receitas médicas também podem ser emitidas em meios eletrônicos, mediante a assinatura digital de um médico certificado via protocolo Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-BR), e transmitidas por vias de comunicação eletrônica, do médico ao paciente (ou representante legal) e do paciente à farmácia.
Para Armando Ahmed, foi uma ação acertada para a pandemia, que já vinha sendo pleiteada pelo setor. “Antes de Covid já se falava na prescrição eletrônica, por facilitar o processo todo e também para resolver alguns problemas antigos como entender a letra do médico”, disse, destacando um ponto a ser melhorado. “O que precisa ser resolvido é a participação de terceiros nesse processo. Deveria ter um hub do governo para centralizar todas as receitas e informações do paciente, que seria bom para ele e para nós”.
Ahmed comenta sobre um exemplo vindo do Canadá que ilustra as facilidades trazidas pela tecnologia. “Visitamos uma pequena farmácia de duas brasileiras que tinha um equipamento que recebia as receitas digitalmente. As pessoas saíam do consultório que ficava lá por perto e passava na farmácia para pegar os medicamentos. Bastava se identificar. Esse é o modelo ideal para nós”.
“Essa questão do receituário digital já vinha acontecendo, mas de uma forma tímida. Importante que seja mantido depois da pandemia. Mas é necessário que a prescrição eletrônica seja realmente democratizada e não gere custo para ninguém, nem para o paciente, para farmácia e ou para o médico, com exigências desnecessárias, como a assinatura digital”, adiciona Mattar.
E-commerce ganhou espaço com a pandemia
O presidente da Venâncio destacou o status que o e-commerce atingiu em pouco tempo no varejo farmacêutico. “Até cerca de quatro meses atrás, empurrávamos com a barriga os investimentos em e-commerce. Com a Covid-19, tudo se modificou, o que nos obrigou a dar uma velocidade muito maior para fazer a logística mais perfeita para atender o consumidor”.
De acordo com Ahmed, em pouco tempo a fatia do comércio eletrônico nos negócios da empresa deram um salto. “Crescemos mais de 300% nas vendas digitais, tanto em unidades quanto em valores. O que se esperava crescer nos próximos cinco anos obtivemos nos últimos quatro meses”, revelou, destacando que já tinha ouvido essa previsão de um grupo de especialistas em varejo. “Experts do setor já haviam afirmado isso em um encontro que tivemos. Eles lembraram que o crescimento para o e-commerce projetado para os próximos cinco anos já tinha sido atingido desde o começo da pandemia”.
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Marcelo Cançado concorda que o e-commerce já fazia parte dos negócios das empresas do setor, mas o avanço nos últimos meses foi impressionante. “Tínhamos projetos de investimento no e-commerce para alguns anos e que foram adiantados. Acredito que realmente avançamos cinco anos em dois meses. O delivery, que iniciamos há dois anos, triplicou nesse período”, afirmou.
Cançado observou que as duas pontas de atendimento se complementam perfeitamente nos novos tempos. “Enquanto a loja física se vale da atenção farmacêutica, a compra digital contribui para as novas necessidades dos clientes. É o legado da revolução digital que estamos conquistando”, frisou.
Alexandre Mattar acrescenta que o tamanho das lojas também deve sofrer alterações com essa nova realidade. “Acho que aquele modelo de loja muito grande vai depender das necessidades locais, se tem ou não consultório”, disse, lembrando que as vendas digitais também terão impacto nessa configuração.
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