Comissários da Varig contrabandeavam medicamentos para ajudar pacientes com HIV

Comissários da Varig contrabandeavam medicamentos para ajudar pacientes com HIV

No final dos anos 1980 até 1996, quando o Congresso aprovou a lei que garante o acesso universal ao tratamento do HIV pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pacientes diagnosticados com a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) contavam com uma rede de apoio no Rio de Janeiro, que era liderada por comissários da extinta companhia aérea Varig, que traziam medicamentos dos Estados Unidos para portadores do vírus. Na época, o tratamento no Brasil era inacessível para muitas pessoas.

Em tese, o serviço funcionava como um 'contrabando do bem' para ajudar os pacientes no auge da epidemia no País. Os comissários da companhia levavam as receitas para o exterior e compravam os medicamentos ou conseguiam por meio de doações. Com as drogas em mãos, traziam para o Brasil nos voos da empresa. Como os funcionários e tripulantes não necessitavam passar pela alfândega, eles podiam transportar os comprimidos tranquilamente. Em território nacional, os produtos eram entregues aos pacientes na sede da companhia.

Na época, ex-funcionários e até servidores dos aeroportos tinham conhecimento do sistema de importação. Entretanto, mediante a gravidade da epidemia que, na ocasião, era letal, eles faziam vistas grossas e não barravam a entrada dos medicamentos.

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De acordo com o ex-chefe dos comissários de voos internacionais da Varig, Mario Augusto dos Santos Filho, 78 anos, o sistema era bastante organizado: "Havia até uma janelinha onde as pessoas pegavam as caixas. Era um sistema muito competente: em 48 horas o paciente conseguia o medicamento", disse ele, em entrevista ao site da Folha de S.Paulo.

Ele ainda conta que, no começo dos anos 1980, a rede de solidariedade ainda serviu para ajudar pessoas que enfrentavam outras doenças graves, como o câncer, por exemplo. "Às vezes, o remédio não existia por aqui ou custava uns US$ 5 mil (cerca de R$ 21 mil). A gente comprava mais barato em farmácias de Nova York, Paris e Roma, e trazia para cá. Tudo era feito por solidariedade, sem ganho financeiro", contou o ex-comissário.

Em relação às doenças graves, até mesmo exames no Brasil eram difíceis. Nesse sentido, Santos Filho fala sobre uma situação que envolveu uma personalidade: "Uma vez, uma mulher famosa, não vou te dizer o nome dela, precisava fazer um exame para confirmar se ainda estava com câncer. Então, ela me deu um recipiente com amostras de sangue. Levei para os Estados Unidos e, dias depois, trouxe o resultado: ela não tinha mais a doença", explica.

A epidemia e o preconceito

Apesar da rede de solidariedade liderada pelos ex-funcionários da Varig, muitos deles sentiram na pele o preconceito no auge da epidemia. A companhia, que faliu em 2006, teria enfrentado muitas denúncias de trabalhadores que alegaram ter sofrido discriminação quando foram diagnosticados com o vírus. Muitos deles teriam até perdido seus empregos.

Um caso sobre um ex-funcionário portador de HIV chegou a repercutir bastante na mídia. Ele entrou na justiça contra a Varig após ser demitido e conseguiu ganhar uma indenização. Outra situação envolveu Alexandre Santos Silva, 61 anos, segundo o ele, na época, teve medo de ser demitido após descobrir que tinha o vírus. "Tive colegas que foram demitidos, mas, obviamente, a justificativa não era o vírus. A empresa afirmava que a demissão era por questões de competência", disse ele à Folha S.Paulo.

O ex-funcionário conta que contratou um advogado, que o orientou a notificar, de forma documental, os diretores da companhia. Dessa forma, caso ele perdesse seu emprego poderia acionar a justiça por discriminação. "Também colei um cartaz no mural da sede, contando para todos os meus colegas que eu tinha HIV", relata.

Ele finaliza explicando que não foi demitido, entretanto, foi afastado das suas atividades, mas continuou recebendo o seu salário e teve acesso ao serviço de assistência médica da empresa: "Havia médicos e psicólogos muito bons na empresa. Fui tratado por eles de maneira muito atenciosa", finaliza ele que, atualmente, está aposentado por invalidez.

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