Em tempos de COVID-19 e preocupações frequentes em relação à imunidade, o paciente oncológico exige um olhar cuidadoso do profissional de saúde, devido à imunossupressão secundária, provocada pelo tratamento quimioterápico e pela própria evolução da doença.
Considerando a particularidade do tratamento oncológico, algumas questões rondam os serviços de saúde: como mensurar os riscos do paciente oncológico receber tratamento ambulatorial e se expor à infecção? Os tipos de procedimentos realizados podem predispor estes pacientes aos quadros mais severos da doença? Como equilibrar a balança de riscos: o paciente oncológico contrair a infecção pelo COVID-19 x o paciente oncológico atrasar seu tratamento e piorar seu quadro?
Alguns estudos já realizados, especialmente na China e Itália, indicam que o câncer é considerado um fator de risco expressivo. Inclusive alguns estudos associam a presença da comorbidade à apresentação de quadros mais severos da doença.
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Liang e colaboradores (2020) revelam que pacientes oncológicos possuem risco maior de contrair a COVID-19, com taxa de risco de 3,56, e nestes pacientes o quadro clínico avançou de forma mais rápida em comparação aos outros indivíduos infectados do estudo. Os autores ainda encontraram correlação entre câncer e aumento de risco de morte e/ou admissão em UTI (OR 5.4, 95% CI 1.8–16.2). Idade avançada foi considerada como fator de risco associado à apresentação do quadro mais severo da doença em pacientes oncológicos encontrado no presente estudo.
O tipo de câncer mais frequente foi o de pulmão, porém estes pacientes não apresentaram maior probabilidade de manifestar o quadro mais severo da doença, quando comparados ao universo de pacientes oncológicos do estudo.
Porém, dos dezoito pacientes oncológicos participantes do estudo, 12 encontravam-se em fase inicial da doença, isto é, sem correlação com imunossupressão.
Zhang e colaboradores (2020), com um universo amostral de 2,2% de pacientes oncológicos, encontram taxa de mortalidade por COVID-19 de 28,6% nesta população específica, que se mostrou dez vezes maior que a taxa de mortalidade por COVID-19 para pacientes sem esta comorbidade.
Os autores evidenciaram que no presente estudo não houve correlação entre o uso recente de terapias (quimioterapia, radioterapia e imunoterapia) e aumento de severidade de quadro clínico e/ou óbito. Outro achado importante a se destacar é que os pesquisadores concluíram que 28,6 % dos pacientes oncológicos adquiriram a infecção dentro dos serviços de saúde, no momento da realização de tratamentos oncológicos.
Entretanto, cautela se faz necessário na interpretação destes dados acima relacionados, por estarem baseados em estudos com amostras pequenas, coletadas de forma retrospectiva e com coortes limitadas aos casos mais severos. Torna-se importante considerar as diferenças nacionais da prevalência de câncer, evitando extrapolações.
Cortiula e colaboradores (2020) trazem à tona preocupações em torno da gestão de serviços de saúde neste período de pandemia. Os autores trazem à luz a discussão sobre a finitude dos recursos dos sistemas de saúde, que leva ao balanço entre as medidas de contenção e os custos sociais e em saúde da doença na sociedade. Os mesmos ressaltam que os custos em saúde de possíveis atrasos em cirurgia ou no tratamento quimioterápico para o paciente oncológico podem ser muito nocivos, custando muitas das vezes a progressão da doença e estadiamento do tumor a níveis avançados.
No caso de pacientes em estágios avançados, o estudo enfatiza a dificuldade na operacionalização de cuidados paliativos e manejo dos efeitos adversos da terapia em período de quarentena, que pode resultar em falhas na continuidade do cuidado e piora na qualidade de vida destes pacientes. Os autores recomendam que pacientes neste estágio da doença, desde que não apresentem sintomas da COVID-19, devem manter suas programações originais de tratamento oncológico, evitando atrasos.
Ainda neste contexto, Hanna e colaboradores propõem um modelo estrutural de atenção ao paciente oncológico durante o período de pandemia do SARS-CoV-2, pensando em três momentos do sistema de saúde previsíveis: preparo do sistema, utilização do sistema de forma moderada e o esgotamento dos recursos do sistema. Os autores propõem que pacientes com risco de morte iminente, como os portadores de leucemias agudas e linfomas agressivos, têm prioridade absoluta de atendimento. Já pacientes com indicação de tratamentos que podem ser atrasados, ou substituídos, ou em tratamentos paliativos com poucos benefícios clínicos diretos, como os pacientes com metástases ósseas manejadas por medicamentos e quimioterapia paliativa para câncer gástrico seriam os de menor prioridade de atendimento.
De forma geral, autores sugerem algumas medidas para manejo de pacientes oncológicos em período de pandemia, como adiar tratamentos e cirurgias em pacientes com quadro estável da doença, adotar formas de acompanhamento clínico via telefone, entre outras. Deve-se levar em conta as características biológicas do tumor, as condições clínicas do paciente (inclusive avaliar presença de comorbidades e seus sintomas), a responsividade do tratamento oncológico e o potencial risco de infecção pelo SARS-CoV-2. E, claro, variáveis ligadas à qualidade de serviços de saúde não podem deixar de ser consideradas, como a extensão da epidemia e a capacidade local dos serviços de saúde.
E apesar de todos os riscos do momento atual, oncologistas têm, ainda mais agora, o papel de equilibrar os prováveis riscos de morte e morbidade pelo COVID-19 contra os benefícios trazidos pela terapia antineoplásica.
*Janaína Furtado Botelho _Farmacêutica atuante nas áreas Oncológica e Regulatória
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