O mundo vive uma situação peculiar, eu particularmente também tive a rotina modificada a partir do dia 17 de março quando a quarentena foi iniciada em São Paulo. Nesses pouco mais de 30 dias uma doença, a COVID – 19, que estava a milhares de quilômetros de distância chegou ao Brasil, não respeitando fronteira física, econômica e cultural. Honestamente, estamos vivenciando na área da saúde um momento único, onde supostas verdades desaparecem do dia para noite, sendo a CIÊNCIA a maior norteadora das decisões dos agentes públicos.
Bem, gostaria de fazer algumas reflexões sobre temas desses últimos dias relacionados ao COVID – 19 no Brasil.
Agente etiológico e o COVID - 19
O agente etiológico, SARS-COV-2, um novo tipo de coronavírus é o responsável pela COVID - 19. Sabe-se que de alguma forma, o coronavírus, migrou de espécie (do animal para o homem) mudando o seu reservatório natural, e ainda não está muito claro como foi a ocorrência desse fato. Uma das possibilidades é que isso tenha ocorrido a partir do contato do homem com morcego, pangolim ou até mesmo outro animal na manipulação destes animais como parte da dieta alimentar exótica dos chineses.
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Essa possibilidade já foi abordada por cientistas anos atrás como condição que poderia causar problemas sérios de saúde no mundo, não sendo a COVID-19 a primeira doença com esse aspecto em relação a sua origem, fato ocorrido de forma semelhante com a SARS e MERS
O SARS - COV - 2 para penetrar na célula humana utiliza receptores específicos do tipo ACE 2 expressos em células endoteliais vasculares, pulmonares, renais e gastrointestinais. Após acoplamento aos receptores na célula, o vírus, sofre processo de endocitose iniciando a replicação no interior da célula infectada, e posteriormente sua destruição. Esses receptores do tipo ACE 2 presentes em órgãos alvos aumentam a gravidade da doença promovendo pneumonia viral, alterações cardiovasculares e renais entre outras.
Pacientes que apresentam fatores de risco como doenças cardíacas (hipertensão, insuficiência cardíaca, infarto), obesidade, doenças pulmonares (asma, DPOC) e tabagismo podem manifestar formas graves da doença presentes em 5% dos casos. Pacientes sem fatores de risco podem manifestar também a forma grave e evoluir a óbito a partir de duas hipóteses que justificam esse desfecho negativo; a hiperexpressão de receptores do tipo ACE 2 (risco aumentado da acoplamento viral em células cardíacas e pulmonares promovendo a degeneração das funções orgânicas) e a “tempestade inflamatória” (resposta imunológica exacerbada contra o SARS - COV - 2).
Os sinais e sintomas clássicos incluem febre, tosse, dor de garganta, dispneia, perda de olfato e paladar e diarreia, tais sintomas pode se manifestar de 5 a 14 dias após contato com o vírus.
Tratamento para COVID – 19
Propostas terapêuticas surgem diariamente e nessa lista estão medicamentos como hidroxicloroquina, lopinavir associado ao ritonavir, invermectina, remdesevir entre outros.
Em relação ao tratamento existem grandes discussões pela falta de evidências científicas que possam nortear a conduta médica. Essas discussões são comuns na ciência e agora alcançaram a população que não possui formação técnica para compressão do complexo processo da medicina baseada em evidência.
Até mesmo entre os profissionais de saúde, a COVID 19, trouxe divergência importantes sobre a farmacoterapia, na qual de um lado estão os profissionais que apoiam o uso “compassivo” do medicamento (uso sem comprovação científica de segurança e eficácia para aquela condição especifica), e do outro lado estão os profissionais que defendem o uso de medicamentos somente após evidências científicas robustas alcançadas através de estudos clínicos randomizados, duplo cego e com grupo controle.
A grande questão é o longo período necessário para elaboração e execução de estudos com o desenho metodológico acima mencionado. Um ponto complexo para a elaboração destes estudos, no momento atual da pandemia, é a seleção dos sujeitos que participarão da pesquisa para formação do grupo intervenção e do grupo controle, pois, os pacientes são muito heterogêneos em relação a comorbidades, idades, tipo de assistência recebida (pública ou privada), disponibilidade de arsenal terapêutico e exames de diagnóstico e de acompanhamento realizados. Estas diferenças nos sujeitos da pesquisa podem tornar o estudo frágil do ponto de vista metodológico e promover víeis na análise do resultado final alcançado.
A interpretação do resultado final não é uma tarefa fácil, e a falta de formação específica ou vivência prática nessa área sempre proporcionará questionamento quanto a sua condução e possível análises equivocadas dos resultados.
Vacinas para COVID - 19
Se o tratamento farmacológico adequado é tarefa difícil, a prevenção através da vacina também terá um longo caminho a ser percorrido.
O ponto interessante é que a ciência deve partir do “zero” para a produção da vacina e isso poderia ser abreviado, se com o surgimento da SARS em 2002/2003 e da MERS em 2012 tivesse existido investimento em vacinas para essas doenças, já que ambas são causadas por tipos de coronavírus.
Caso existissem vacinas disponíveis hoje contra a SARS e MERS, seria necessário somente fazer “adaptações” para o desenvolvimento da vacina destinada ao COVID 19, abreviando o surgimento da prevenção. Erros, erros e mais erros...
Testes para COVID - 19
O mundo agora tenta descobrir e produzir testes específicos para o SARS - COV -2. Esses testes se dividem em 2 grupos: teste de biologia molecular (RT-PCR) e teste rápido imunológico.
O grande problema agora em relação aos testes rápidos imunológicos é que eles apresentam baixa sensibilidade, promovendo resultados “falso negativo”, e assim após a execução dos testes os pacientes podem ser liberando para suas casas e/ou atividades profissionais expondo a população ao risco de se infectar com o SARS - COV-2.
Uso de máscaras
As máscaras também ganharam um capítulo especial na COVID-19. No início da pandemia as máscaras eram destinadas somente aos profissionais de saúde que tratavam os pacientes infectados e os respectivos pacientes.
Em relação a minha área profissional, os colegas farmacêuticos, realizaram embates com as drogarias que informavam que não havia a necessidade do uso de máscaras no atendimento à população. No entanto, na atual situação de expansão da doença no Brasil e no Mundo, e necessidade de maiores medidas de prevenção, a utilização de máscaras caseiras e máscaras destinadas aos profissionais de saúde se tornaram uma recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) à toda a população. Mais uma verdade caiu por terra…a de que máscaras devem ser usadas somente pelos profissionais de saúde e pessoas infectadas!!!
Os Novos Especialistas...
Esse é um capítulo interessante que quero abordar… o surgimento dos “novos especialistas" de tudo relacionado a COVID - 19”. A “Universidade do Google” conseguiu “graduar” pessoas em pouquíssimo espaço de tempo em várias áreas do saber que honestamente demorariam alguns anos para a obtenção dos títulos!!!.
De forma muito rápido surgiram inúmeros Infectologistas e Virologistas conhecedores com profundidade de fisiopatogenia viral, sinais e sintomas, diagnóstico e tratamento da COVID -19.
Outra especialidade que surgiu a partir da “Universidade do Google” foram os Epidemiologistas com opiniões muito claras e fáceis sobre isolamento e distanciamento social ou qualquer outra metodologia para diminuir a contaminação da população. Também especialistas em fornecer interpretações muito lúcidas sobre a curva de evolução epidemiológica da doença na sociedade!!!
Capítulo especial destino aos especialistas em Pesquisa Clínica apoiando ou condenando as conduções, metodologias e resultados dos estudos clínicos.
Nesses novos especialistas, do meu ponto de vista, observo muito oportunismo para promoção pessoal e profissional. Como sugestão antes de validar o discurso destes especialistas analisem seus currículos, principalmente o Lattes, para verificar o domínio sobre o tema abordado.
Enfim, passados mais de 30 dias da pandemia de COVID -19 no Brasil, muitas questões e inquietações surgiram, necessitando de reflexões profundas sobre ciência, sociedade e humanidade. Certamente teremos muitos outros tópicos a discutir em breve!!!.
Claudinei Alves Santana - Mestre em Ciências Médicas pela USP. Especialista em Oncologia Multiprofissional (Sírio Libanês). Especialista em Educação (ESAB). Especialista em Farmácia Hospitalar (FOC). 12 anos de experiência em farmácia hospitalar. Professor da pós-graduação do ICTQ.
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