Um dos subprodutos naturais da fermentação do chá, a película de celulose produzida por bactérias no cultivo de Kombucha (mais precisamente pela bactéria Komagataeibacter xylinus), está sendo transformado em biomaterial para curativos de feridas, segundo a publicação PubMed.
A chamada celulose bacteriana derivada de kombucha (KBC, do inglês kombucha bacterial cellulose) destaca-se por sua elevada absorção de líquidos, excelente biocompatibilidade, estrutura mecânica muito favorável e biodegradabilidade, e traz ainda um forte apelo de economia circular: reaproveitamento de resíduos da fermentação.
Estudos recentes apontam que esse biomaterial pode absorver de 150% até mais de 300% de seu peso em líquido, formar filmes ou membranas finas, e servir como suporte para agentes antimicrobianos ou até mesmo fatores de cicatrização.
Para o farmacêutico industrial ou clínico, esse avanço representa uma convergência entre biotecnologia, produção sustentável e tratamento de feridas complexas, especialmente úlceras, queimaduras ou feridas que drenam muito e demandam curativos de alto desempenho.
O que é e como se faz
A celulose bacteriana é produzida por bactérias acéticas como a Komagataeibacter xylinus, que durante a fermentação secreta fibrilas de β-(1→4)-celulose que se entrelaçam formando uma película finíssima e altamente pura. Em culturas de kombucha, essa película - também chamada de SCOBY (Symbiotic Culture of Bacteria and Yeast) - surge na interface ar-líquido e pode ser retirada, lavada, esterilizada e seca ou mantida úmida para aplicação biomédica.
A produção pode ser realizada inclusive com meio nutritivo alternativo e subprodutos (por exemplo soro de soja) para reduzir custo e aumentar sustentabilidade. Em um estudo recente, usando soro de soja como meio, obteve-se rendimento elevado de BC com boa absorção e força mecânica.
Propriedades relevantes para curativo
- Absorção de exsudato: A KBC pode absorver grande quantidade de líquido, por exemplo, dados de funcionalização mostraram absorção da ordem de 321 ± 6 % do peso original.
- Biocompatibilidade: Estudos mostraram viabilidade celular e compatibilidade com tecido, inclusive em modelos com extratos bioativos impregnados.
- Estrutura e porosidade: A microestrutura de nanofibrilas cria uma rede que permite difusão, retenção de líquidos e, se necessário, liberação de fármacos ou antimicrobianos.
- Sustentabilidade: O material deriva de fermentação, pode utilizar resíduos do processo e se encaixa na economia circular: um tema cada vez mais relevante para indústria farmacêutica.
Aplicações em feridas
Na prática, a KBC pode ser moldada em membranas finas para cobrir feridas exsudativas, atuar como camada absorvente inteligente, ou ainda como suporte para curativos bioativos (por exemplo com agentes antimicrobianos ou extratos vegetais). Um estudo combinou KBC com extrato de cúrcuma e obteve zona de inibição contra Pseudomonas aeruginosa, mostrando que a película pode desempenhar dupla função: absorver e entregar bioativo.
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Além disso, a flexibilidade de fabricação permite ajustes de forma, tamanho e saturação, o que é relevante para feridas difíceis como úlceras de perna, queimaduras superficiais ou donorgsite de enxerto.
Desafios e o que observar
Apesar das vantagens, a implementação clínica ou industrial exige atenção:
- Esterilização e controle de qualidade: como todo biomaterial, a KBC precisa passar por validação de limpeza, biocompatibilidade (norma ISO 10993), estabilidade e desempenho versus alternativas consolidadas.
- Normativas e registro: dependendo do país, curativo é dispositivo ou combinação com agente ativo; o fabricante deverá definir claramente a tecnologia, classificação regulatória e rotina de produção.
- Desempenho comparativo: ainda que os dados de absorção e compatibilidade sejam promissores, estudos clínicos em humanos são menos numerosos que para curativos padrão; portanto, farmacêuticos e gestores hospitalares devem acompanhar evidências de eficácia em feridas reais.
- Integração ao fluxo clínico: o curativo deve se encaixar na rotina de troca de curativos, avaliação de exsudato, custo efetividade e aceitação por equipe e paciente. Ainda assim, o ‘material sustentável’ precisa comprovar valor técnico e econômico.
Para quem trabalha em P&D ou produção
A celulose bacteriana de kombucha é uma opção que merece atenção por:
- permitir produção relativamente simples (fermentação estática) e customização da estrutura;
- oferecer sinergia com extratos bioativos, antimicrobianos ou liberação controlada;
- alinhar-se com tendências de sustentabilidade e economia circular, que agregam valor de marca e comunicação;
- exigir integração entre áreas de microbiologia, engenharia de processo, formulação final e assuntos regulatórios: um projeto multidisciplinar.
Cenário no Brasil e próximos passos
No Brasil, o mercado de curativos avançados tem crescido, e materiais de base renovável ganham destaque. A adoção da KBC por uma indústria brasileira exigirá: definição de fermentação em escala, padronização de filme/membrana, testes locais de desempenho e adequação regulatória junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para dispositivo médico ou combinação. Paralelamente, vale monitorar publicações nacionais e patentes em andamento sobre KBC para curativo, bem como colaborações entre universidades, startups e indústria.
Do ponto de vista clínico, convém observar ensaios em humanos ou estudos pragmáticos que comparem KBC a curativos comerciais em custos, tempo de cicatrização, episódios de infecção e satisfação do paciente. Esses dados farão a diferença no hospital e nas negociações com compradores públicos ou privados.
A celulose bacteriana derivada de kombucha une biotecnologia, sustentabilidade e tratamento de feridas em uma só proposta. Para farmacêuticos industriais, representa uma nova plataforma de biomaterial com potencial de diferenciação e valor agregado. Para farmacêuticos clínicos e hospitalares, pode se transformar em uma ferramenta no arsenal de tratamento de feridas exsudativas ou complexas, desde que baseada em dossiê técnico e evidências adequadas.
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