Pesquisadores estão usando fibras de seda, especialmente a de aranha, como trilhos para guiar a regeneração de nervos lesionados. Em modelos pré-clínicos, esses fios funcionam como uma via interna para que as células de suporte (Schwann) e os axônios cresçam na direção certa e fechem o gap entre as pontas do nervo. Em 2023, equipes da Universidade de Oxford e da MedUni Vienna mostraram que tubos de seda, combinando seda de bicho-da-seda e de aranha, ajudaram a reparar grandes perdas de nervo em animais, com migração “surpreendentemente rápida” das células por meio do implante. A ideia agora avança para a clínica com startups dedicadas a transformar o conceito em produto cirúrgico.
O problema a resolver é conhecido: quando a lacuna entre as pontas do nervo é grande, o “padrão ouro” ainda é o autoenxerto, que sacrifica um nervo saudável de outra região. Conduítes sintéticos e de colágeno já têm autorização em vários mercados, mas funcionam melhor em defeitos curtos.
A seda entra nesse cenário por ser forte, elástica, biocompatível e amigável às células. Revisões recentes destacam que a microestrutura da seda favorece a adesão e a orientação das células de Schwann, essenciais para que o axônio volte a crescer de forma organizada.
Para isso, o profissional posiciona um tubo (conduíte) de biomaterial ligando as duas pontas do nervo. Dentro desse tubo, corredores de fibras de seda atuam como trilhos. As células de Schwann entram primeiro, pavimentam o caminho e liberam sinais que orientam os axônios a seguir adiante. Com o tempo, o organismo incorpora o implante e o tecido se reorganiza.
Em estudos com seda natural e variantes recombinantes apareceram ganhos em velocidade de desbridamento do gap, formação de tecido de granulação e recuperação sensitivo-motora, quando comparados a conduítes vazios ou a materiais sem esse trilho interno.
Na translação para o paciente, houve um passo importante em julho de 2025: a Newrotex, startup criada por cientistas ligados a Oxford, recebeu autorização para seu primeiro estudo em humanos com o SilkAxons, um conduíte de nervo à base de seda projetado para defeitos longos. A proposta é oferecer uma alternativa ao autoenxerto, evitando retirar um nervo são e reduzindo tempo de sala cirúrgica. A empresa explica que o produto combina um tubo de seda com fibras internas que organizam o rebrote axonal.
Por que a seda é promissora? Três pontos se destacam:
- Biocompatibilidade e guia físico: as proteínas da seda (fibroína) têm baixa resposta inflamatória e podem ser formatadas em filmes, fibras e malhas. As fibras internas viram os trilhos que faltavam em conduítes vazios.
- Mecânica e suturabilidade: a seda é resistente e flexível, suportando manuseio cirúrgico fino, o que ajuda a manter o tubo íntegro e sem colapsar até que o tecido se reorganize.
- Customização: dá para ajustar porosidade e taxa de degradação, e até combinar com hidrogéis/fármacos para reduzir cicatriz e dor ou estimular crescimento.
O que ainda falta? Reguladores já autorizaram conduítes de colágeno e outros polímeros para nervos periféricos, mas os dispositivos de seda de aranha caminham agora para ensaios clínicos formais, necessários para comprovar desempenho em pessoas, especialmente em defeitos longos (os mais difíceis).
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Pesquisas relatam variabilidade entre tipos de seda de aranha (espécie, fio, processamento), o que exige padronização industrial. Também é preciso provar, com dados reprodutíveis, que a condução nervosa e o retorno funcional são equivalentes ou melhores que o autoenxerto, com menos morbilidade.
Para o farmacêutico-industrial e quem atua em P&D, há recados práticos:
- Classe de produto: na maioria dos mercados, conduítes de nervo são dispositivos médicos implantáveis. O dossiê foca materiais, processamento, esterilização, biocompatibilidade (ISO 10993), validação mecânica e desempenho pré-clínico. Em seda, o controle de origem e de lote é crítico.
- Evidência por indicar: defeitos de 10–30 mm em modelos animais já têm vasta literatura; a transposição para defeitos humanos longos requer desenho clínico robusto e desfechos funcionais (força, sensibilidade, dor, eletroneuromiografia).
- Combinações inteligentes: estudos testam tubos + trilhos de seda com preenchimentos (ex.: gel) para acelerar a colonização por Schwann e manter a luz do conduíte aberta.
Também vale lembrar que a seda não é recente na biomedicina. Há mais de uma década, versões comerciais baseadas em seda de bicho-da-seda e conduítes com diferentes geometrias passaram por avaliação, e artigos clássicos já mostravam o conceito Spidrex (sofrido de padronização na época, mas pioneiro). A curva de aprendizado trazida por esses estudos ajuda a entender como a seda de aranha, natural ou recombinante, pode, agora, ganhar maturidade clínica.
Assim, a seda de aranha deixou o campo da curiosidade científica e entrou no pipeline clínico para reparar nervos periféricos. A ciência fornece a base (trilhos biocompatíveis que orientam o crescimento), e a indústria começa a oferecer dispositivos pensados para cirurgia real. Se os ensaios confirmarem o que os modelos já sugerem, pacientes com lesões complexas poderão ter uma opção menos invasiva do que retirar um nervo saudável para enxerto, ou seja, uma mudança com potencial de impacto no dia a dia dos serviços cirúrgicos.
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