Na indústria farmacêutica, a margem para erro simplesmente não existe. Cada comprimido, cápsula ou solução injetável precisa sair da linha de produção com a mesma qualidade, segurança e eficácia do lote anterior — e do próximo. É nesse cenário de alta exigência técnica e regulatória que a Validação de Processos se estabelece como uma das engrenagens mais críticas para garantir a conformidade sanitária e a confiança da população nos medicamentos.
“Ela é o coração da garantia de que todo lote fabricado vai ter o mesmo desempenho do que foi aprovado nos estudos iniciais”, afirma a professora do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico e executiva de Qualidade e P&D com mais de 30 anos de experiência em empresas farmacêuticas internacionais, Valéria Yugue.
Muito além de uma exigência burocrática, a validação assegura a reprodutibilidade industrial, identifica e controla variáveis críticas, e sustenta a rastreabilidade exigida pelas principais agências reguladoras do mundo, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Food and Drug Administrationn (FDA) e European Medicines Agency (EMA).
“Não posso depender da sorte ou da habilidade do operador. Se eu fizer o mesmo processo cem vezes, quero cem lotes bons”, destaca Valéria. Essa lógica rigorosa não só protege o paciente, como também evita recalls, interdições de fábrica e prejuízos à reputação da empresa.
Em um ambiente industrial, cada vez mais impactado por inovação tecnológica, pressão por produtividade e mudanças regulatórias constantes — como a RDC 658/2022 da Anvisa —, atuar com Validação de Processos deixou de ser apenas uma função técnica para se tornar uma posição estratégica dentro das empresas. E, como lembra a professora, “quem não estuda, trava”.
Vale lembrar que a Validação de Processos é basicamente o coração da garantia de que todo lote de medicamento fabricado vai sair com a mesma qualidade, segurança e eficácia do que foi aprovado nos estudos iniciais. Não é só burocracia — é uma exigência crítica das agências reguladoras (Anvisa, FDA, EMA etc.) e um pilar das Boas Práticas de Fabricação (BPF/GMP). Valéria explica os detalhes:
1. Validação assegura a reprodutibilidade do processo
- É a forma prática de demonstrar que, mesmo com variações normais (de operadores, turnos, matérias-primas), o processo continua produzindo medicamentos dentro dos padrões de qualidade.
- A ideia é: se eu fizer o mesmo processo cem vezes, devo receber cem lotes perfeitos. Não posso depender da sorte ou da habilidade do operador.
2. Estabelece controle sobre variáveis críticas
- A validação identifica os Parâmetros Críticos de Processo (CPPs) e Atributos Críticos de Qualidade (CQAs).
- A partir disso, define faixas de operação aceitáveis. Se algo sair dessas faixas, você sabe que o risco de não conformidade é alto.
- Exemplo: se o tempo de secagem estiver abaixo do mínimo validado, a umidade pode ficar fora do especificado → risco de degradação, contaminação etc.
3. Garante que o produto final cumpre os requisitos de qualidade
- A validação não é só para mostrar que o processo funciona, mas que o produto fabricado atende aos padrões.
- Isso inclui:
- Identidade e teor do fármaco
- Uniformidade de conteúdo
- Dissolução
- Estabilidade
- Ausência de contaminantes
- Se isso falha, a saúde do paciente está em risco.
4. É uma exigência legal e documental
- Nenhuma agência reguladora aprova um medicamento ou uma fábrica sem ver os protocolos e relatórios de validação.
5. Suporta a abordagem do ciclo de vida do produto
- A validação moderna não é uma ação pontual (tipo: ‘validei e acabou’).
- Ela faz parte do Ciclo de Vida do Produto, incluindo:
- Desenvolvimento do processo
- Validação do processo comercial (PPQ)
- Verificação continuada de processos (monitoramento em rotina)
- Ou seja, é uma atividade viva, que acompanha o produto até o fim.
6. Reduz riscos regulatórios e evita recall
- Processos não validados são bombas-relógio. Um desvio grave pode gerar:
- Suspensão da linha de produção
- Interdição de fábrica
- Recall do medicamento
- Prejuízo financeiro e reputacional
- A validação serve justamente para prevenir que isso aconteça, porque mostra, com dados, que o processo está sob controle.
7. Fornece dados para tomada de decisão
- A validação gera um histórico técnico que ajuda a:
- Avaliar impacto de mudanças
- Justificar parâmetros em dossiês regulatórios
- Analisar tendências e garantir melhoria contínua
- Sem isso, tudo vira ‘achismo’ — o que é inaceitável numa indústria regulada.
Principais desafios na Validação de Processos
“Quem trabalha com Validação de Processos está no meio de um fogo cruzado entre exigência regulatória, pressão por eficiência, inovação tecnológica e muitos documentos”, destaca Valéria, que indica os principais desafios da área atualmente:
1. Mudança constante nas regulamentações
- As normas da Anvisa, FDA, EMA, OMS estão sempre sendo atualizadas.
- Exemplo: Anvisa publicou a RDC 658/2022, que alinhou as BPFs brasileiras com os guias da PIC/S. Isso exigiu revisar e revalidar processos em várias empresas.
- Outro exemplo é a abordagem de ciclo de vida do processo (ICH Q8–Q12), que substitui aquela ideia de “3 lotes e tá validado” por uma validação contínua, baseada em risco.
- Desafio: manter todos os processos dentro da nova abordagem regulatória sem parar a fábrica.
2. Pressão por produtividade e prazos curtos
- Validação precisa de tempo: elaborar protocolo, aprovar, executar, coletar dados, analisar e gerar relatório.
- Mas a produção quer colocar o produto no mercado o mais rápido possível. Resultado? Conflito de prioridades.
- Muitas vezes, a validação atrasa lançamento ou ocupa capacidade produtiva — e vira alvo de críticas internas.
- Desafio: equilibrar rigor técnico com prazos agressivos.
3. Integração com outras áreas
- Validação depende de produção, CQ, QA, P&D, engenharia, manutenção.
- Nem sempre essas áreas falam a mesma ‘língua’. Um operador não vai entender por que você quer medir a velocidade da pá misturadora com tanta precisão.
- Sem integração, o processo validado no papel não bate com o que rola na prática.
- Desafio: garantir comunicação técnica clara com áreas operacionais e gestão.
4. Evolução tecnológica dos processos e equipamentos
- Equipamentos estão mais complexos: sistemas automatizados, sensores em tempo real, coleta massiva de dados.
- Validação agora exige entender sistemas computadorizados, integração de dados, 21 CFR Part 11, Data Integrity.
- Ex.: um sistema SCADA integrado ao equipamento exige validação de software, gestão de acesso e auditoria eletrônica.
- Desafio: não é mais só ‘validar o processo físico’; tem que entender de tecnologia da informação.
5. Gestão de mudanças e revalidações
- Mudou o fornecedor do excipiente? Trocou o filtro? Alterou o tempo de compressão? Tudo isso pode exigir avaliação de impacto e em algumas situações uma nova validação.
- E a pressão por compliance total exige rastrear tudo.
- Desafio: manter o processo validado mesmo em um ambiente de mudanças constantes.
6. Análise estatística mais exigente
- Validação agora pede muito mais que só dizer ‘o processo funcionou’.
- Agências exigem análise de tendência, controle estatístico, distribuição normal, Cp, Cpk, e análise multivariada.
- Tem que usar ferramentas tipo Minitab, Excel avançado ou software estatístico. Quem não domina isso, fica para trás.
“A capacitação contínua ajuda a superar tudo isso. A realidade é que quem não estuda, trava. A área de validação está em constante transformação, então o único jeito de se manter relevante é com capacitação técnica ativa”, explica Valéria, que indaga: Como isso ajuda na prática?
1. Atualização regulatória
- Cursos, treinamentos e leitura técnica deixam o profissional alinhado com as novas exigências da Anvisa, FDA, EMA, ICH etc.
2. Domínio de ferramentas estatísticas
- Capacitação em estatística aplicada à validação permite:
- Fazer análise de tendência
- Calcular capacidade do processo
- Trabalhar com Design of Experiments (DoE)
- Isso posiciona como alguém estratégico, e não só operacional.
3. Entendimento de tecnologias emergentes
- Estudar sobre Validação de Sistemas Computadorizados (CSV), Indústria 4.0, Data Integrity, automação de processos te coloca na vanguarda.
- Profissionais que entendem validação + TI são raros e muito valorizados.
4. Capacidade de tomada de decisão baseada em risco
- A abordagem moderna de validação é baseada em gerenciamento de riscos que não se baseia apenas em fazer ‘FMEAs’.
- Capacitação em análise de risco (FMEA, HACCP etc.) dá base para tomar decisões mais rápidas e justificáveis.
5. Melhora da comunicação técnica
- Participar de eventos, congressos, treinamentos presenciais ou online ajuda a praticar linguagem técnica, argumentação e escrita de relatórios.
- Isso impacta direto na sua eficiência e credibilidade dentro da empresa.
“A Validação de Processos hoje exige um perfil técnico multidisciplinar, com domínio regulatório, estatístico, tecnológico e operacional. A capacitação contínua é o único caminho para manter a conformidade, enfrentar os desafios da indústria moderna e evitar que o profissional vire obsoleto num ambiente em constante mudança”, finaliza a professora.
Capacitação farmacêutica
Para quem deseja se aprofundar nesses temas, o ICTQ oferece cursos de pós-graduação, como:
- Assuntos Regulatórios na Indústria Farmacêutica - voltada aos assuntos regulatórios que regem a indústria farmacêutica no Brasil, farmacovigilância, estudos de equivalência e bioequivalência, vigilância sanitária em portos, aeroportos e fronteiras, legislação tecnovigilância, registro de insumos farmacêuticos, pós-registro de medicamentos, auditoria farmacêutica etc.
- IA em Assuntos Regulatórios, pioneira no setor. A pós-graduação une expertise regulatória às tecnologias emergentes de IA. Com foco prático e abordagem descomplicada, o curso capacita profissionais a utilizar ferramentas para otimizar decisões regulatórias e monitorar normativas em tempo real. Os alunos aprendem com tutoriais, estudos de caso da indústria farmacêutica e temas inovadores, como RegTechs, blockchain e inteligência regulatória, preparando-se para liderar a transformação digital no setor. Saiba mais AQUI.
- P&D Analítico e Controle de Qualidade na Indústria Farmacêutica (programa especial vai auxiliar no seu desenvolvimento para o manejo de técnicas e instrumentação analítica que lhe auxiliarão em suas competências na pré-formulação e formulação de medicamentos).
Saiba mais sobre os outros cursos de pós-graduação do ICTQ AQUI.
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