Com a pandemia do novo coronavírus, especialmente com o desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19, a indústria farmacêutica viu os holofotes se voltarem todos para as suas atividades. Esse destaque recente da indústria apenas evidenciou a complexidade de seus processos e a necessidade de empresas cada vez mais especializadas e com expertises mais específicas.
O comprometimento do profissional da indústria vai além de sua responsabilidade na bancada e deve considerar, impreterivelmente, as ações regulatórias que pautam todo e qualquer trabalho nesse âmbito. Estar a par das regulações é tarefa inexorável.
Um exemplo disso é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a ocupar, definitivamente, em novembro de 2019, a última vaga disponível no Comitê Gestor do Conselho Internacional de Harmonização de Fármacos para Uso Humano (ICH), principal fórum mundial de harmonização de requisitos técnicos composto por autoridades de regulação e indústria farmacêutica.
A decisão foi tomada pela Assembleia do ICH, após o reconhecimento de que a Agência cumpre satisfatoriamente os requisitos estabelecidos para ocupação da vaga eletiva de membro regulador. O Conselho já desenvolveu mais de 60 guias relacionadas a aspectos de qualidade, segurança, eficácia e assuntos multidisciplinares.
Mais recentemente, em novembro do ano passado, a Anvisa foi formalmente comunicada da conclusão, com sucesso, do processo de adesão da Agência ao Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica - PIC/S, na sigla em inglês.
Com isso, a Agência brasileira passou a contar com o reconhecimento internacional da excelência das inspeções em Boas Práticas de Fabricação (BPF) de medicamentos e insumos farmacêuticos de uso humano.
Segundo o diretor do Instituto Analítico, Alexandre Buchalla, uma vez que as regulamentações técnicas estão cada vez mais possuindo intersecções umas com as outras, a grande demanda da indústria é ter profissionais e consultores com pensamentos sistêmicos capazes de se antecipar a problemas que antes não fariam parte da sua área de atuação.
“Ao passo que a Anvisa entrou para esse Comitê Internacional de Regulamentação, essas normas internacionais não demandam capacitação de unidade. A principal característica delas é ser multidisciplinar. É essa diferença de cultura que não estávamos acostumados. As normas da Anvisa eram segregadas e burocráticas. As indústrias não estão mais buscando especialistas em uma certa unidade, estão procurando aquele profissional ou parceiro que consegue pensar de maneira ampla, estratégica, pensando como um todo, com visão sistêmica de processo”, afirma Buchalla.
Adesão ao PIC/S
“Com essa adesão, a Anvisa se junta a outros países como Argentina, Estados Unidos, Alemanha, França, Japão, Reino Unido e Israel, e conta com o reconhecimento mundial de excelência em inspeções em BPF de medicamentos e insumos farmacêuticos para uso humano”, explica a farmacêutica industrial, consultora e diretora da Individual - Consultoria Regulatória e Científica, Valéria Faria Vieira.
A adesão do Brasil ao PIC/S contribui para a melhoria da qualidade e da imagem dos medicamentos produzidos no País, além de favorecer a competitividade das empresas nacionais e seus produtos no mercado internacional, pois beneficia a exportação dos medicamentos fabricados pelas indústrias farmacêuticas brasileiras para países que aceitam a certificação de BPF das agências regulatórias que integram o PIC/S, bem como reduzir a duplicidade de inspeções.
Novo marco regulatório
Desde 2015, quando a Anvisa foi aceita como membro observador do ICH, um novo marco regulatório surgiu no Brasil, fazendo com que as empresas tivessem de se adequar às novas regras para manter seus registros e para desenvolver novos produtos, de forma a deixar a qualidade dos seus medicamentos equiparada àqueles regulamentados pelas mais rígidas agências internacionais, como FDA (EUA), EMA (União Europeia) e PMDA (Japão).
“Com esse novo marco, as regras analíticas para medicamentos foram aprimoradas. Em 2015, houve a publicação da RDC 53/15, que estabelece os parâmetros para notificação, identificação e qualificação de medicamentos. Em 2019, foi publicada a RDC 318, que dispõe sobre a estabilidade para IFA e medicamentos. Este regulamento exige dos fabricantes de medicamentos e dos profissionais que integram esta área o conhecimento em estatística para avaliação dos dados e tendência dos resultados do estudo, seja para determinação do prazo de validade provisório ou definitivo. Já a RDC 53/15 engloba todas as categorias de medicamentos, exceto medicamentos fitoterápicos e biológicos, e a RDC 318/19 não engloba apenas os medicamentos biológicos”, relembra Valéria.
Ela continua, dizendo que o registro de insumos farmacêuticos ativos (IFA) também apresenta novas diretrizes com a publicação da RDC 359/20, RDC 361/20 e RDC 362/20. Com essas novas regras, DIFA e CADIFA são instituídos.
Essas normativas interagem com as regras de registro (RDC 200/17) e pós-registro (RDC 73/16), sendo necessária a apresentação do CADIFA no pedido de registro de medicamento. Isso significa que se o IFA não estiver regularizado, o registro do medicamento fica comprometido.
“A farmacovigilância é outro assunto que teve novo regulamento publicado em julho de 2020 (RDC 406/20 e IN 63/20) e já se encontra em vigor. A apresentação dos dossiês de registro e pós-registro de medicamentos no formato CTD - Documento Técnico Comum também é uma novidade para o setor regulado. Em breve, se tornará obrigatório que as petições de registro e pós-registro sejam organizadas conforme o Guia 24/19, publicada pela Anvisa”, afirma Valéria.
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Como qualquer área técnica, farmacovigilância, fitoterápicos, bulas, e os temas citados são de suma importância para um nicho de negócio, às vezes subestimadas pelo seu porte e volume, mas dentro do quesito saúde pública são importantes como qualquer outra área. Logo, os profissionais precisam considerá-las dentro de seu escopo de capacitação.
“O foco do farmacêutico industrial deve ser no paciente, e quando isso for entendido por todos uma mudança na cultura de trabalho será aplicada e necessária, e assim a qualidade e a excelência de processo terão o crescimento essencial”, afirma Valéria.
Continuando a elencar as mudanças regulatórias que exigem uma atuação mais especializada, principalmente de consultorias que atuam no setor, Valéria cita a RDC 200/17, que ainda encontra-se em revisão por meio da CP 932/19. Isso tem trazido alguns conceitos não contemplados em normativas anteriores, como via de desenvolvimento abreviada e completa e estudo ponte.
A norma que regulamenta as Boas Práticas de Fabricação também foi repaginada com a publicação da RDC 301/19 e 14 Instruções Normativas. Introdução ao ciclo de vida em todas as fases do produto, inclusão de RPP (Revisão Periódica de Produtos), gerenciamento de riscos, entre outros, são algumas novidades trazidas por esse regulamento. A RDC 301/19 confere quatro anos para que as empresas se adequem e implementem todas as alterações necessárias.
Para a adequação e a implementação de todas essas regras, segundo a consultora, é fundamental a compreensão das exigências e definição de um cronograma para revisão do portfólio e atividades atualmente praticadas. O atendimento a esses regulamentos também demanda profissionais especialistas nos respectivos assuntos, bem como investimento, capacitação e treinamento do time já existente.
“Percebemos que as maiores dúvidas e demandas do setor farmacêutico em relação a esses regulamentos estão na implementação dos dossiês de registro no formato CTD e na revisão da RDC 200/2017”, destaca ela.
Farmacovigilância
Em relação ao tema farmacovigilância, que estabelece a elaboração do Relatório Periódico de Avaliação Benefício-Risco (RBPR), baseado no Guia E2 do ICH, observa-se que a maioria das empresas, apesar de ter dúvidas nesse relatório, não se mostra preocupada em como atender a essa demanda, e espera maiores orientações do órgão regulador para elaborar esse relatório, como, por exemplo, um modelo a ser estabelecido.
“Apesar de a farmacovigilância estar regulamentada no Brasil desde 2009, ainda são poucas as empresas que possuem um departamento específico para cuidar desse assunto, englobando - dentre as atividades de profissionais que atuam em outros setores, como garantia da qualidade e pesquisa clínica - a atividade farmacovigilância. De forma resumida, entendemos que esse tema ainda é deixado em segundo plano para o agente regulado”, ressalta a diretora da consultoria Individual.
O atendimento às Boas Práticas de Fabricação também é um ponto que preocupa as indústrias, porém, como há 48 meses para adequação a partir da publicação da RDC 301/19, as ações estão sendo tomadas paulatinamente de forma a atender um cronograma macro.
Isso difere da implementação dos dossiês de registros e pós-registro no formato CTD, pois a partir do momento em que se tornar obrigatória a apresentação de petições nesse formato, a área regulatória das empresas deverá estar preparada, pois, caso contrário, isso atrasará o protocolo, a obtenção dos registros e, por conseguinte, os lançamentos de produtos.
Maiores demandas da indústria
Entre as principais demandas da indústria farmacêutica na atualidade, e que podem ser atendidas com o apoio de serviços de consultorias especializadas, estão:
- Estratégia/Inteligência regulatória
- Estruturação e organização da área regulatória;
- Auditoria Regulatória;
- Treinamento;
- Enquadramento de produtos
- Viabilidade regulatória e científica
- Petições de Registros e Pós-Registro;
- Rotulagem
- Desenvolvimento de novos projetos;
- Recurso de indeferimento;
- Guia CTD;
- Medicamento Clone e Troca de Dossiês;
- Bulas: elaboração de textos de bula;
- Farmacovigilância;
- Avaliação de petições; e
- Fitoterápicos
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