No Brasil, o segmento de fitoterápicos é uma oportunidade de desenvolvimento para o setor farmacêutico, relevante não só pela riqueza da biodiversidade, mas pelo conhecimento tradicional e científico acumulado sobre a atividade biológica dessas plantas pela sociedade civil e pelas instituições de ciência e tecnologia.
Juntamente aos fitoterápicos, outra seção de valor importante para a indústria farmacêutica é composta pelos chamados medicamentos específicos, que são produtos que apresentam uma configuração muito peculiar, não podendo ser enquadrados como medicamento similar, genérico, fitoterápico, novo ou biológico.
Tanto os medicamentos específicos, como fitoterápicos, podem ser tão eficazes quanto àqueles produzidos com ativos provenientes de síntese química. No caso dos fitoterápicos, não é por acaso que a transformação de uma planta em medicamento deve priorizar a preservação da integridade química dos princípios ativos e, consequentemente, a ação farmacológica do vegetal, garantindo a constância da ação biológica desejada.
Quer seja à produção de fitoterápicos ou específicos, é mandatório investir em estudos que garantam a segurança e a eficácia desses medicamentos. Somente com a qualidade, segurança e eficácia comprovadas e aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) os produtos enquadrados em tais categorias são disponibilizados no mercado.
Para isso, faz-se necessário, obrigatoriamente, estudos prévios relativos aos aspectos botânicos, agronômicos, fitoquímicos, farmacológicos, toxicológicos e de desenvolvimento de metodologias analíticas.
A Anvisa considera fitoterápico todo medicamento tecnicamente obtido por processos tecnologicamente adequados, empregando-se, exclusivamente, matérias-primas vegetais com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. A utilização de plantas medicinais para saúde e bem-estar é algo inerente à história das civilizações, mas somente nas últimas décadas o Brasil normatizou o consumo, para garantir a segurança e eficácia terapêutica associada à qualidade do produto.
A categoria ‘medicamento específico’ foi criada pela própria Agência com a publicação da RDC 132/03. Atualmente encontra-se em vigor a RDC 24/11, que destaca as classes de produtos identificados dessa forma, entre eles:
- soluções para irrigação, diálise, enemas e expansores plasmáticos;
- concentrados Polieletrolíticos para Hemodiálise (CPHD);
- nutrição parenteral;
- soluções de grande e de pequeno volume (parenterais ou não);
- medicamentos à base de fitofármaco ou associações deste as vitaminas e/ou minerais e/ou aminoácidos e/ou proteínas;
- medicamentos à base de rutina e/ou quercitina e/ou hesperidina e/ou diosmina e/ou troxerrutina e/ou cumarina, isolados ou associados entre si;
- produtos para a prevenção da desidratação e para a manutenção da hidratação;
- medicamentos à base de silimarina e/ou acetilmetionina e/ou metionina e/ou colina e/ou betaína e/ou ornitina e/ou acetilcisteína e/ou ácidos biliares, isolados ou associados entre si, conforme finalidade terapêutica hepatoprotetora;
- medicamentos à base de vitaminas e/ou minerais de uso tópico ou injetável;
- medicamentos à base de vitaminas e/ou minerais e/ou aminoácidos e/ou proteínas isolados ou associados entre si, para uso oral, com indicação terapêutica bem estabelecida e diferente das alegações estabelecidas para suplementos alimentares;
- medicamentos à base de derivados vegetais associados a vitaminas e/ou minerais e/ou aminoácidos e/ou proteínas e/ou fitofármaco.
Comprovação
Ressalta-se que o desenvolvimento de um medicamento é muito oneroso para a indústria farmacêutica. Todo medicamento precisa ter sua segurança e eficácia apresentadas ao órgão regulador - Anvisa, para ser aprovado. Entretanto, a maioria das empresas não apresenta domínio sobre esse assunto. Por isso, um dos melhores investimentos é contratar uma consultoria especializada. Essa contratação não é algo recente, nem mesmo destinado somente apenas às farmacêuticas (como alguns gestores pensam). Esse trabalho diminui os riscos de o produto ser inviabilizado e a aprovação do produto pela Anvisa torna-se mais ágil.
Segundo a farmacêutica industrial, consultora e diretora da Individual - Consultoria Regulatória e Científica, que presta serviços de comprovação de segurança e eficácia, Valéria Faria Vieira, a comprovação de segurança e eficácia/efetividade de medicamentos fitoterápicos e específicos faz parte dos processos de registros de medicamentos e de algumas petições pós-registro. No caso de medicamentos novos, para a comprovação de segurança e eficácia, devem ser realizadas pesquisas clínicas – estudos realizados em seres humanos, que medem os parâmetros de segurança e eficácia, sendo essencial para a entrada desses medicamentos no mercado.
A realização de estudos clínicos deve seguir a RDC 09/15, que dispõe sobre o regulamento para a realização de ensaios clínicos com medicamentos no País, e as determinações do Conselho Nacional de Saúde, estabelecidos por meio das Resoluções 466/12 e 251/97.
A consultora destaca que não é porque uma indústria decide realizar uma pesquisa clínica, ou seja, patrocinar um estudo com seres humanos, que será possível comprovar a segurança e eficácia de um medicamento e registrá-lo ou que essa pesquisa possibilite que medicamentos novos, que já possuem registros, obtenham novas indicações e aplicação de uso, ou ainda que possibilite a inclusão de uma nova posologia ou até mesmo uma nova via de administração. Um estudo clínico com resultado negativo pode tanto impossibilitar novos registros, como petições pós-registro.
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Embasamento teórico
A comprovação de segurança e eficácia de medicamentos específicos e para fitoterápicos pode ocorrer por meio de estudos realizados em seres humanos, mas há também alternativas para comprovação, como por meio de publicações baseadas em dados de literaturas técnico-científicas.
“Essas alternativas são bastante procuradas pelas indústrias farmacêuticas e importadoras de medicamentos, pois o custo é bem menor do que um estudo clínico, e o tempo requerido também. Assim como os estudos realizados com seres humanos, patrocinados pelo detentor do registro, podem não apresentar os resultados desejados, havendo um custo dispendido que não resultará em viabilização do produto, as publicações técnico-científicas também não necessariamente garantem a possibilidade de comprovar a segurança e eficácia de um medicamento específico ou segurança e eficácia/efetividade de fitoterápico”, destaca Valéria.
Segundo ela, essa comprovação por meio de publicações científicas depende muito do que se tem indexado em bases de dados. A recuperação e a seleção dessas publicações são fundamentais para avaliar se a comprovação de segurança e eficácia pode ser essa via.
Buscar o que se tem publicado em bases de dados, recuperar essas publicações e fazer sua avaliação faz parte de um trabalho denominado ‘estudo de viabilidade clínica’, o qual requer uma consultoria especializada.
Desenvolvimento
“Chegamos à segurança e eficácia de um fitomedicamento estruturando o desenvolvimento do produto desde o começo, estudando as matrizes de risco, desenvolvendo métodos analíticos adequados e discriminatórios do processo de estabilidade e fazendo levantamento bibliográfico robusto para escolher o melhor caminho para o teste indicativo de eficácia, que pode ser um estudo clínico, uma pesquisa bibliográfica ou um estudo comparador”, reitera a diretora técnico-industrial da Pharlab – Indústria Farmacêutica S/A, Rafaella Chimiti.
A comprovação de segurança e eficácia de medicamentos específicos, que cria alternativas para o estudo clínico, se mostra uma vantagem bem mais econômica para as indústrias farmacêuticas.
Está baseada em dados técnico-científicos, ela é permitida pela RDC 24/11, por meio do artigo 32, mas requer que sejam seguidos critérios estabelecidos na NT 05/15, ou seja, para essa comprovação são aceitos livros técnicos científicos, documentos de instituições governamentais - nacionais e internacionais -, e publicações disponibilizados em base de dados indexadas pelo Portal CAPES. Os estudos devem apresentar nível de evidência 1 e 2, ou seja, devem ser estudos clínicos randomizados, duplo cego, placebo controlado; revisões sistemáticas e metanálises, e apresentar qualidade A e B, além de serem provenientes de revistas indexadas pelo sistema WEB QUALIS.
Valéria alerta que um medicamento específico que tenha sua segurança e eficácia comprovadas pela tradicionalidade de uso requer que sejam comprovadas também as indicações para doença de baixa gravidade ou relacionadas à melhoria da saúde, que o produto que tenha comprovação por essa via seja utilizado por curto período de tempo, que não apresente substâncias tóxicas, entre outros requisitos demandados.
Para os fitoterápicos, há duas classificações, Medicamento Fitoterápico (MF) e Produto Tradicional Fitoterápico (PTF). Para ambas é possível a comprovação de segurança e eficácia/efetividade por meio do registro simplificado: lista simplificada de registro (IN 02/14); presença nas monografias de fitoterápicos publicadas pela European Medicine Agency (EMA). “No caso dos fitoterápicos classificados como MF, a comprovação de SE pode ocorrer também através de publicações técnico-científicas ou por estudos não clínicos e clínicos. E, para os fitoterápicos enquadrados como PTF, outra forma de comprovação é através da tradicionalidade de uso”, afirma Valéria.
Para medicamento fitoterápico, a comprovação de segurança e eficácia/efetividade por meios clínicos e publicações científicas requer artigos indexados em bases de dados do sistema CAPES, com desenho adequado, realizados com mesmo IFA, mesma forma farmacêutica e mesma indicação que se deseja registrar.
Já para PTF, a comprovação da segurança e efetividade pela tradicionalidade de uso também é realizada através de publicações científicas e necessita comprovação de um período mínimo de 30 anos de uso.
Riscos
De acordo com Rafaella, toda vez em que se for desenvolver um novo produto, tem-se dois grandes riscos. O primeiro do projeto em si, que é a realização de uma pesquisa, que pode chegar ou não ao resultado esperado. É um risco financeiro, afinal o que a indústria almeja é um produto final para ser comercializado. O segundo é o risco inerente ao produto, por isso, há a necessidade do estudo de segurança e eficácia. Trata-se de uma forma não apenas de legislar, mas demonstrar um trabalho realizado com ética e coerência.
A busca de publicações científicas em bases de dados é complexa e exige um grande planejamento. A assertividade na elaboração das chaves de busca, com o correto emprego dos operadores booleanos e delimitadores de pesquisa leva a uma busca refinada, com resultados precisos que refletem o que de fato existe publicado sobre determinado fármaco/medicamento.
“A análise criteriosa das publicações recuperadas nessas buscas é de fundamental importância, uma vez que os artigos selecionados irão fundamentar a comprovação de segurança e eficácia dos fitoterápicos ou medicamentos específicos, e por isso precisam atender aos requisitos dispostos nas normativas vigentes de fitoterápicos/medicamentos específicos, finaliza Valéria.
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