A indústria farmacêutica busca, incessantemente, garantir a segurança da saúde do paciente que irá consumir medicamentos. Do mesmo modo que qualquer outra atividade produtiva, ela tem seus riscos, que podem impactar a qualidade do produto final. Por se tratar de algo diretamente relacionado à saúde das pessoas, identificar, avaliar e controlar esses riscos é essencial e condição sine qua non para o perfeito desenvolvimento do setor e, obviamente, a excelência na qualidade do produto final.
“A análise de riscos pode antever riscos de desvios, pode minimizar perdas e gastos financeiros para ajustar esses desvios da qualidade. Ela traça todo esse panorama no processo industrial”, conta a farmacêutica e professora do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Luciana Colli.
Segundo o farmacêutico e também professor do ICTQ, com mais de 18 anos de atuação na indústria farmacêutica, Ricardo Jonsson, os primeiros relatos envolvendo riscos associados ao processo de produção ocorreram nos anos 1960, quando efeitos colaterais graves e inesperados foram observados em decorrência de contaminação cruzada.
Esse risco da contaminação cruzada acidental geralmente decorre da liberação descontrolada de pós, gases, vapores, aerossóis, ou organismos provenientes dos materiais, produtos em processo e de resíduos nos equipamentos.
“Na indústria farmacêutica, os principais problemas relacionados a desvio de qualidade de medicamentos incluem: concentração dos ativos, contaminação, troca dos excipientes, entre outros. Os riscos são constituídos essencialmente por contaminação cruzada, contaminação por partículas e troca ou mistura de produto”, destaca Jonsson.
O professor continua: “Visando minimizar esses riscos inerentes à produção farmacêutica, uma abordagem mais moderna vem sendo adotada, que inclui o conceito de pró-atividade, prevenção, responsabilidade compartilhada, integração, controle do processo de produção e aplicação da análise de risco, uma vez que seus princípios e técnicas permitem diagnosticar os problemas e definir soluções especificas e eficientes”.
Gerenciamento de risco
De acordo com o professor, o gerenciamento de risco é compreendido como um processo estruturado que visa identificar um problema potencial, avaliar a probabilidade da sua ocorrência, estimar o seu impacto e sugerir as medidas para solucioná-lo. Essa tecnologia possui ações voltadas para a avaliação de risco, gerenciamento de risco e comunicação de risco. A importância dos sistemas de qualidade tem sido reconhecida na indústria farmacêutica e está́ se tornando evidente que a gestão de risco é um valioso componente de um sistema de qualidade eficiente e eficaz.
“O risco faz parte da história da humanidade. O homem pré-histórico levava uma vida de riscos constantes, a vida média naquela época era de 30 anos. Em comunidades mais desenvolvidas, como na Suméria, Babilônia e Grécia, existia o risco de doenças e guerras. A Revolução Industrial trouxe uma série de outros perigos para o homem, como o risco tecnológico”, relembra Luciana.
Segundo ela, a história do gerenciamento de risco na indústria farmacêutica começou tarde. Em 1960 a indústria farmacêutica já aplicava as Boas Práticas de Fabricação (BPFs), porém nenhum texto falava sobre análise de risco. Em 2005, o International Conference on Harmonisation (ICH) aprovou a diretriz dedicada ao gerenciamento do risco para a qualidade. Em 2008, o documento se tornou anexo das BPFs europeias, para, em seguida, o conceito de gerenciamento de risco ganhar foco central nas BPFs.
Ferramentas de gestão
Jonsson fala que na indústria farmacêutica, onde ferramentas de análise de risco são utilizadas, elas são frequentemente baseadas em métodos como Análise de modo de falha e efeitos (FMEA), Estudo de perigos e operabilidade (HAZOP) e Análise de árvore de falha (FTA). São procedimentos não específicos para a indústria farmacêutica e usados para diversos fins. Outras ferramentas podem ser utilizadas como suporte para análise e gestão de riscos, tais como fluxograma, mapeamento do processo, diagrama de causa e efeito (Ishikawa) e análises estatísticas.
Contribuição
A análise de risco é essencial nos processos de tomada de decisão, contribuindo para a definição de estratégias e metas para a diminuição dos riscos inerentes, ao planejamento e a implementação de intervenções pertinentes, bem como o monitoramento dos resultados. Vários aspectos da análise de riscos e de seu gerenciamento estão associados ao desenvolvimento industrial.
“No que se refere aos riscos tecnológicos, na automação dos processos industriais que resulta na expansão da produção, armazenamento, circulação e consumo de substâncias, o que proporciona um crescimento dos riscos numa velocidade bem maior do que a capacidade científica e organizacional de analisá-los e gerenciá-los. Frequentemente, a análise de risco é realizada em sistemas – processos e equipamentos projetados e documentados - e a análise pode identificar mudanças ajudando aa melhoria do desempenho industrial”, explica Jonsson.
Redução de custos
De acordo com o farmacêutico, a gestão de riscos à qualidade por meio da melhor compreensão das etapas do processo da empresa propicia meios para alimentar melhorias contínuas, diminuindo o número de desvios da qualidade e, consequentemente, contribuindo para o crescimento industrial, evitando gastos com retrabalhos, reprocessos, falta de produto no mercado, imagem do produto no mercado, entre outros.
“A análise de riscos pode reduzir os custos com qualidade do produto, sim, principalmente, antevendo as situações, utilizando a simulação”, exemplifica Luciana.
Para aprofundar um pouco mais sobre o tema, a professora Luciana Colli concedeu entrevista exclusiva ao jornalismo do ICTQ. Acompanhe a seguir.
ICTQ - Qual a contribuição que a análise de riscos pode dar aos processos industriais na área farmacêutica?
Luciana Colli – Pode antever riscos de desvios, pode minimizar perdas e gastos financeiros para ajustar esses desvios da qualidade. A análise de riscos traça todo esse panorama no processo industrial.
ICTQ - A análise de riscos é, atualmente, um elemento norteador na elaboração das legislações sanitárias. Que mudanças esse procedimento trouxe?
Luciana Colli – A legislação sanitária colocava as atividades, mais ou menos, como se elas tivessem os mesmos riscos. E isso não é verdade. Por exemplo, uma indústria que fabrica produtos para uso tópico, esses produtos têm um grau de criticidade diferente de um produto injetável – que é muito mais crítico. Portanto, eu tenho que ter uma legislação pautada, justamente, nessa análise de risco, que irá realizar cobranças personalizadas para cada setor.
ICTQ - Como a análise de riscos pode impactar o Sistema de Gestão da Qualidade?
Luciana Colli – No momento em que eu faço a análise de risco e identifico os pontos críticos do processo, o sistema da qualidade vai agir justamente nos pontos críticos. Nesses pontos críticos de controle é que terão ações para mitigar, para minimizar, para gerenciar o risco de forma mais efetiva.
ICTQ - Como a análise de riscos pode reduzir os custos com a qualidade?
Luciana Colli – Principalmente antevendo as situações, por exemplo, a simulação. Ao usar os simuladores nos processos, eu pego as variáveis do processo e as estresso até situações máximas e mínimas, a partir daí sei mais ou menos que intervalo de comportamento do processo eu posso chegar próximo do desvio. Isso simulando, ou seja, sem estar fazendo na prática.
ICTQ - A análise de riscos é uma tendência?
Luciana Colli – É uma tendência em vários segmentos. E se nós estamos falando de indústria 4.0 e simulação, a análise de risco está totalmente em voga, presente em todos esses tópicos, ela vai agregar tudo isso.
ICTQ – Quais os maiores desafios?
Luciana Colli – Os maiores desafios estão em desenvolver os processos de simulação, pegar os indicadores e aplicar em cada área crítica da indústria e gerar dados. Falando em indústria 4.0, nós estamos na era do gerenciamento de dados, data mailing, trabalhando com uma grande quantidade de dados, dando tratamento estatístico, e então analisando a tendência daquele processo para o risco ou para não ter riscos.
Reitero que a tendência é usarmos os simuladores nos pontos críticos, para antever, inclusive, a questão da validação de processos.
ICTQ – Você vê um crescimento?
Luciana Colli – Sim. Por exemplo, se você vai operar na bolsa e tem simuladores, você consegue ver quanto uma ação pode subir ou cair, porque o simulador sabe quais as cotações daquela ação, qual foi o mais baixo e a cotação mais alta. Quando ela está no máximo é a hora de vender, quando está no mínimo é a hora de comprar. O que eu faço com meu processo? O mesmo!
Eu vejo a aplicação da simulação ocorrendo de forma muito intensa, porque assim como nós utilizamos os simuladores para ações, cotações de ações, eu sei qual é a cotação mais alta e mais baixa que ela teve, isso estatisticamente falando.
Com o processo eu também posso fazer isso. Eu posso ver o comportamento do processo que levou a um desvio, ou o limite que pode levar a um desvio. Isso me antecipa o risco. Eu vou economizar de forma muito mais intensa, porque eu não vou deixar o processo ir a um desvio, eu vou criar uma margem de trabalho.
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