A Revisão da Qualidade do Produto (RQP) é mais do que uma obrigação regulatória anual: ela é uma oportunidade estratégica para assegurar a robustez dos processos e a eficácia dos sistemas de gestão da qualidade na indústria farmacêutica. A RQP permite avaliar tendências, antecipar falhas, reduzir variabilidade e consolidar dados de forma estruturada. Mas, na prática, transformar essa revisão em uma ferramenta de melhoria contínua requer vencer barreiras técnicas, culturais e operacionais.
Segundo a professora do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Patrícia Moreira da Silveira, um dos maiores desafios ainda é a resistência organizacional à mudança de postura: “A transição de uma atuação corretiva para uma atuação preventiva e analítica, usando estatística para entender e melhorar o processo, pode encontrar resistência. Isso pode ocorrer pela falta de compreensão sobre o valor da estatística, receio de expor problemas ou a não priorização dessas ações”.
A adoção eficaz da RQP com base em dados estatísticos esbarra, primeiro, na cultura corporativa. A falta de incentivo da alta gestão à análise crítica, combinada à resistência à exposição de falhas, compromete a integração da revisão com os objetivos estratégicos de qualidade.
A professora recomenda que líderes invistam em projetos-piloto com resultados objetivos, que sirvam como prova de conceito: “Treinamentos que demonstrem os benefícios da estatística e do CEP, e projetos-piloto com ações baseadas em dados, podem ajudar a demonstrar o valor da RQP e a criar casos internos de sucesso”.
Outro desafio relevante é o conhecimento estatístico limitado de parte dos profissionais envolvidos. O uso incorreto de ferramentas, como gráficos de controle ou índices de capacidade, pode gerar conclusões equivocadas, impactando a confiabilidade do processo. A solução está na capacitação contínua e interdisciplinar, ou seja, combinar o conhecimento do processo com a expertise estatística é o que gera os melhores resultados.
Além disso, a definição inadequada de Parâmetros Críticos de Processo (CPPs) e Atributos Críticos de Qualidade (CQAs) dificulta a análise. Monitorar parâmetros em excesso torna o processo ineficiente, enquanto monitorar poucos compromete a detecção de riscos. A professora Patrícia recomenda utilizar o histórico de desenvolvimento do produto, os princípios do Quality by Design (QbD) e o Gerenciamento de Risco da Qualidade (GRQ), conforme previsto na RDC 658/2022 e na ICH Q9.
Outro ponto crítico é a qualidade e a integridade dos dados. Em muitos casos, os registros ainda são feitos manualmente ou de forma fragmentada. Isso inviabiliza a análise estatística confiável e dificulta a rastreabilidade das informações. Para solucionar, é essencial investir na automatização da coleta de dados com o uso de sistemas informatizados, como Laboratory Information Management System (LIMS), MES Manufacturing Execution System (MES) e ERP integrados.
Mesmo com dados consistentes, muitas vezes as empresas enfrentam dificuldade na implementação das ações corretivas e preventivas identificadas durante a RQP. A investigação da causa raiz requer métodos estruturados, como o Diagrama de Ishikawa e os 5 Porquês, além da atuação de equipes multidisciplinares.
Por fim, há a limitação de recursos humanos e de tempo. Em plantas com estrutura enxuta, a execução de uma RQP completa pode ser negligenciada. A automação, nesse contexto, é uma aliada: “O uso de softwares estatísticos e ferramentas de business intelligence (BI) otimiza a atividade, reduz tempo e aumenta a eficiência”, destaca Patrícia.
Indicadores estatísticos relevantes para a RQP
Para garantir que a análise estatística feita na RQP seja efetiva, é necessário escolher métricas compatíveis com o produto, o processo e a estratégia de controle da empresa. A professora Patrícia categoriza os indicadores mais relevantes da seguinte forma:
1. Atributos Críticos de Qualidade (CQAs)
São os dados laboratoriais dos produtos acabados e em estabilidade, como:
- Teor
- Uniformidade de conteúdo
- Dissolução
- Dureza e friabilidade
- pH
- Impurezas/degradação
- Contagem microbiana
- Esterilidade
- Endotoxinas
A análise estatística desses dados permite:
- Avaliar a variabilidade lote a lote;
- Identificar tendências;
- Confirmar a capacidade do processo de manter o produto dentro das especificações;
- Avaliar se a estabilidade do produto garante sua qualidade até o final do prazo de validade;
- Investigar potenciais interações com o material de embalagem.
2. Parâmetros Críticos de Processo (CPPs)
Englobam dados operacionais como:
- Tempo de mistura
- Temperatura de secagem
- Velocidade da máquina
- pH de soluções intermediárias
Esses parâmetros devem ser monitorados ao longo do tempo com gráficos de controle, a fim de verificar:
- A consistência do processo;
- A correlação entre variações de processo e impacto nos atributos finais do produto.
3. Dados do Sistema da Qualidade
Esses dados ampliam a visão da RQP e ajudam a avaliar a robustez do sistema como um todo, incluindo:
- Número e tipo de desvios/não conformidades;
- Reclamações de mercado;
- Casos de recolhimentos;
- Controles de mudança e sua efetividade;
- Ações corretivas e preventivas (CAPAs).
Esses indicadores são fundamentais para entender se o sistema da qualidade é apenas reativo ou se está orientado à prevenção e à melhoria contínua.
“A relevância dessas métricas se deve à sua capacidade de fornecer uma visão ampla, baseada em dados, sobre o estado de controle e o desempenho do processo e do produto”, afirma Patrícia.
Análise estatística é o diferencial competitivo da RQP
Ao utilizar ferramentas como média, desvio padrão, amplitude, análise de variância (ANOVA), gráficos de controle X-barra, índices de capacidade Cp e Cpk e análise de correlação, a RQP ganha poder preditivo. Isso permite evitar não conformidades antes que elas ocorram e realizar ações de melhoria sustentadas por evidências.
O que se observa nas empresas mais maduras em qualidade é que a RQP deixa de ser um relatório passivo para se tornar uma ferramenta de gestão estratégica — capaz de reduzir custos, aumentar a robustez e garantir a segurança do paciente.
“Superar os desafios da RQP exige compromisso com a qualidade, investimento em pessoas e sistemas, e a adoção de um raciocínio sistemático, baseado em gerenciamento de riscos, como preconizado no ICH Q10”, conclui a professora do ICTQ.
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