Farmacêuticos morrem de Covid-19 em Manaus e situação continua piorando

Farmacêuticos morrem de Covid-19 em Manaus e situação continua piorando

Farmacêuticos ouvidos pelo Portal do ICTQ em Manaus (AM) revelam que a situação dos profissionais no Estado está muito difícil em relação à contaminação pelo novo coronavírus. Somente nesta semana duas farmacêuticas da linha de frente faleceram por Covid-19 e há relatos vários de contaminados. Alguns profissionais contaram à reportagem como foi passar pela doença.

Apesar de ser apenas o 14º Estado mais populoso do Brasil, com 4,1 milhões de habitantes, segundo o IBGE, o Amazonas é o quinto com 9% das mortes e casos confirmados por Covid-19 no País, a maior parte deles em Manaus, que possui metade da população do Estado (2,1 milhões de pessoas). Até ontem (13/5), registrou 1.098 mortes e 13.168 casos da doença. São Paulo lidera com 3.949 mortes e 47.757 casos confirmados.

Segundo o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Amazonas (CRF-AM), Jardel Araújo da Silva, ainda não há estatísticas de farmacêuticos mortos ou contaminados por Covid-19 no Estado. “Solicitamos essas informações à Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) e estamos aguardando retorno”, diz. Ao mesmo tempo, ele revela que foi criado um comitê de crise no CRF-AM, que desenvolveu um formulário eletrônico, para receber informações dos próprios farmacêuticos. “Ainda esta semana o formulário estará disponível nos canais de comunicação do Conselho”.

Enquanto as estatísticas estão sendo levantadas, crescem entre os profissionais relatos de farmacêuticos contaminados e mortos pela Covid-19 em Manaus. Na segunda-feira (11/5), faleceu Suelen Souza da Costa, 34 anos, gerente da drogaria Flex Farma do bairro Coroado. No mesmo dia, Maria Geralda Mendes de Souza, 61 anos, que atuava como farmacêutica na Fundação de Medicina Tropical, também perdeu a vida. “Duas profissionais dedicadas e que infelizmente nos deixaram, por conta da Covid-19”, lamenta Silva.

“O novo coronavírus está se alastrando muito rapidamente não apenas na população mais vulnerável e profissionais dos hospitais, mas também entre os farmacêuticos. Há relatos de colegas que contraíram a doença e morreram. Só nesta semana, faleceram duas farmacêuticas com a Covid-19”, relata Max Anderson Queiroz Macuiama, farmacêutico e professor em Manaus. “A situação está bastante grave no Amazonas e os profissionais estão à mercê de contrair a doença, pois estão na linha de frente”.

Acesso aos EPIs é fundamental

Farmacêuticos ouvidos pelo Portal do ICTQ atribuem a elevação da contaminação às condições de trabalho que são submetidos, muitas vezes sem acesso aos equipamentos de proteção, e ao descaso de parte da população com o isolamento e medidas de segurança, como uso de máscaras. “Não é tão simples conseguir os equipamentos de proteção individual (EPIs) nas empresas”, afirma Poliana Corrêa Amâncio, farmacêutica de uma distribuidora de medicamentos e plantonista em duas redes de farmácias de Manaus. “Na distribuidora não tem faltado os EPIs, mas faço plantões nos finais de semana em duas redes de drogarias e se não cobrar fico sem os equipamentos”, salienta.

Poliana revela que passou mal em abril e ficou em casa por uma semana, fez o teste para Covid-19, mas deu não detectado. “Acredito que tive a doença, pois passei muito mal. Fui no posto de saúde e a minha pressão e os batimentos cardíacos estavam muito alterados. O PCR só mostra detectável quando está em fase de transmissão, acho que por isso não apresentou positivo para mim”, diz a farmacêutica e faz outra revelação. “A situação está ainda mais grave do que aparece na imprensa. Acredito que os profissionais não falam o que acontece no sistema de saúde por medo de represálias. Aqueles que deram entrevista ao Roberto Cabrini (Conexão Repórter, do SBT), criticando o sistema, foram todos afastados de suas funções”.

Para Vitor Hugo Borges, farmacêutico de uma drogaria que fica dentro de um hospital em Manaus, falta de informação e de consciência da população é o que mais coloca em risco o trabalho dos farmacêuticos. “Apesar das orientações, é comum chegarem pessoas sem máscara e que não respeitam o distanciamento na loja. Hoje mesmo entrou um cliente que disse que não precisava usar máscara porque era filho amado do demônio. O curioso é que ele estava atrás de azitromicina e ivermectina”, ironiza Borges. Ele destaca que não tem faltado equipamentos de proteção na sua empresa, mas que em outras farmácias, principalmente as menores, a realidade não é a mesma.

Os farmacêuticos entrevistados pelo Portal do ICTQ afirmaram desconhecer a iniciativa do Conselho Federal de Farmácia (CFF) de repassar verba para os conselhos regionais para aquisição de EPIs. Até agora esses produtos não chegaram nas mãos deles. De acordo com Jardel Araújo da Silva, desde o início da pandemia, o CRF-AM passou a realizar fiscalizações orientativas, com o intuito de verificar sobre o uso de EPIs e que está empenhado em fazer chegar aos profissionais os equipamentos de proteção.

“Logo que o CFF publicou a resolução 684/20 (verba), iniciamos processo de pesquisa de preços para compra dos EPIs, porém, por conta dos custos estarem muito acima do valor de mercado, decidiu-se pela realização de pregão eletrônico, o qual se encontra com edital sendo finalizado. Publicamos nota esclarecendo os procedimentos, conforme a resolução, no dia 12/05/2020. Inclusive o CFF também publicou esclarecimentos no seu portal”, afirma Silva.

A seguir, o Portal do ICTQ publica os relatos dos farmacêuticos que foram expostos ao vírus e desenvolveram a Covid-19. Eles explicam como enfrentaram pela doença, o processo de cura e como estão agora. Todos são unânimes em dizer que a batalha contra a enfermidade não é fácil, que os colegas devem fazer o máximo para se proteger e, quem puder, deve ficar em casa.

“Jovem ou idoso, não há como prever quem terá os piores sintomas”

José Carlos Mesquita Araújo, farmacêutico de uma drogaria de Manaus.

“Os primeiros sinais de que havia algo errado comigo apareceram na Sexta-feira Santa. Tive um leve incômodo na garganta, pequena falta de ar, estava um pouco cansado, mas não dei muita atenção. Já na madrugada da segunda-feira após a Páscoa acordei com uma febre muito alta (39,5 graus) e dores fortes no corpo. Passei mal o dia todo e comecei a suspeitar de algo mais sério, inclusive da Covid-19. Por conta disso, já me coloquei em isolamento.

No quarto dia, além desses sintomas apareceu uma tosse muito forte e a falta de ar se intensificou. Resisti a ir ao hospital e continuei me cuidando com inalação em casa. Mas não melhorei. No oitavo dia, os sintomas pioraram, senti muita fraqueza, ficar em pé ou dar alguns passos cansava muito. Para se ter ideia, sair do quarto para uma área do lado eu já ficava exausto.

Fiquei mais preocupado por causa da situação do pulmão. Estava expectorando muito e começou a aparecer sangue no catarro. Uma amiga enfermeira me relatou que havia pacientes com pneumonia de Covid-19 que apresentavam tais sintomas. Tive diarréia também. Então decidi ir ao hospital.

Fiz uma tomografia que foi suficiente para aumentar as suspeitas de que era caso de Covid-19. Isso porque ela apresentava um efeito chamado ‘vidro fosco’, uma mancha no pulmão que é característica do novo coronavírus. Nesse momento meu pulmão já estava com 50% da sua capacidade comprometida. Além disso, os sinais clínicos todos indicavam infecção pelo novo coronavírus. Não cheguei a fazer exame específico para Covid-19.

Por conta do quadro, o médico recomendou que eu fosse internado, mas insisti que queria continuar em casa e caso piorasse eu voltaria lá. Passei a tomar expectorantes, corticoides, azitromicina e hidroxicloroquina. O médico me avisou que este medicamento era algo bastante novo e se eu queria testar. Eu assenti e ele prescreveu.

Tomei a medicação por cinco dias. Comecei a sentir melhoras significativas a partir do terceiro dia de tratamento, quando abandonei o uso dos medicamentos inalatórios. Eu me recuperei em 14 dias, mas ainda fiquei uma semana depois disso sentindo fraqueza, não conseguia fazer muitas atividades. Porém hoje estou bem, não sinto mais nada, não fiquei com sequelas.

Acredito que fui infectado no local de trabalho, ao atender um inquilino do meu pai que faleceu por parada respiratória. Ele apresentava sintomas de Covid-19 e morreu subitamente. Recomendo aos colegas farmacêuticos muito cuidado, que façam apenas o essencial, usem os EPIs de forma adequada, isso é fundamental. Essa doença tem um potencial de propagação absurdo e não há como prever quem terá os piores sintomas. Jovem ou idoso, não dá para saber.”

 “Sensação subir uma escada correndo mesmo estando em total repouso”

Filipe Magalhães dos Santos, gestor de relacionamento do ICTQ em Manaus.

“Tudo começou em 25 de abril, quando tive os primeiros sintomas: febre, calafrios, dores pelo corpo, um mal-estar intenso, que foi só progredindo. Da tarde para noite, eu já estava com quase 40 graus de febre. Mesmo tomando antitérmico, a febre não cedia. Então eu percebi que era algo mais sério e poderia ser Covid-19.

A primeira decisão que tive foi ficar em isolamento em casa. Moro com meus pais, e montamos uma logística para me isolar. Os sintomas foram progredindo ao longo dos dias. Além da febre alta, tive dores no peito, no corpo todo, ao longo de cinco dias, sem parar. Foi então que busquei uma unidade de saúde. Realizaram a coleta nasal para fazer o exame molecular. Depois de alguns dias recebi o resultado que eu tinha sido positivado para Covid-19. Optei pelo tratamento e recuperação em casa, uma vez em Manaus a situação dos hospitais está bem complicada.

Por cerca de duas semanas, senti dificuldade de respiração e um cansaço intenso. Esse incômodo foi bastante forte a ponto de eu ter a sensação de estar subindo uma escada correndo mesmo deitado, em total repouso. Na cama, sentia agitação e sempre ofegante. Esse foi o sintoma que mais se alastrou durante os dias, além da tosse seca e da coriza.

Após seguir todas as recomendações médicas de repouso, tomar bastante líquido, consegui progredir bem. Tive até uma recuperação rápida, coisa de 15 a 16 dias estava me sentido melhor. Hoje oficialmente estou retornando ao trabalho, 19 dias depois que tive o primeiro sintoma.

A recomendação que passo para os colegas principalmente da minha região, Manaus, é que consigamos manter a consciência tanto individual quanto coletiva. Que as pessoas, mesmo que não tenham sintomas, evitem aglomerações, pois podem estar infectadas e acabar contaminando outros indivíduos, que podem ter complicações graves. Aconteceu comigo. Estávamos seguindo todas as recomendações de isolamento, só saíamos quando necessário, para supermercado e coisas do tipo, e numa dessas oportunidades acabei sendo contaminado. Vamos nos proteger.”

“Fiquei curada, estou bem, mas ainda ficaram sequelas”

Débora Oliveira Lima, gerente farmacêutica de uma rede de drogarias de Manaus.

“Comecei sentindo dor de cabeça muito forte, depois vieram as dores no corpo e a febre, entre  38,7 e 39 graus. Com o passar do tempo, surgiram a fadiga e a perda de apetite. Fiquei quatro dias assim. Tentei fazer um tratamento paliativo em casa, mas não deu certo. Fui perdendo olfato, paladar, o apetite já não existia. Só queria tomar líquido, uma sede incessante. Um cansaço intenso.

Seguindo as orientações do Ministério da Saúde, fui a uma UBS, mas os médicos disseram que era gripe e fui embora. Fiz exames para detectar malária e dengue, mas deram negativo. Percebi que poderia estar com Covid-19. Os sintomas foram se agravando.

No sétimo dia fui para o hospital Delphina Aziz, referência em Manaus para Covid-19, fiz os exames de imagem e os médicos constataram que meu pulmão estava muito alterado, com pneumonia grave, e que eu precisava ser internada. Nessa altura já sentia falta de ar, mas não precisei ficar na UTI ou usar respirador. Fiquei três dias internada, tomando antibiótico associado a outros medicamentos, como antialérgico e expectorante. Cheguei a tomar cloroquina no primeiro dia, mas passei muito mal e suspenderam.

Depois de sair do hospital, fiquei em isolamento em casa por mais 15 dias, com prescrição severa dos mesmos medicamentos que estava tomando internada. Foram dias muito difíceis. Minha voz quase não saía. Não conseguia subir dois lances de escada na minha casa. A febre e a dor de cabeça só sumiram no quinto dia que já estava em casa. A falta de ar, a tosse e o cansaço, só depois dos 15 dias. Terminei a medicação e fiquei ainda mais quatro dias até me sentir bem. Só me considerei recuperada mesmo no vigésimo dia. Hoje estou recuperada, mas ainda sinto algumas sequelas. Se o clima muda, fico ofegante. Voltei ao pneumologista, e ele recomendou retomar a rotina aos poucos.

Acredito que contraí o vírus no trabalho, na época estava atuando em uma região de Manaus em que o isolamento social nunca foi respeitado. É um local de muita aglomeração, com pessoas pouco informadas, que não seguem qualquer tipo de restrição. A recomendação que dou aos colegas é se prevenir, utilizar todos os EPIs, se puder os mesmos que estão usando nas unidades hospitalares. Descartar de forma correta, ter  cuidado na saída do trabalho e na chegada em casa.”

“Melhorei, mas ainda me sinto fragilizada”

Farmacêutica de uma rede de farmácias de Manaus, que não quis se identificar por receio de represália.

“Os sintomas foram chegando e, em pouco tempo, já tinha todos os sinais que indicavam Covid-19. Tive febre por 12 dias e a partir do décimo dia senti dificuldade de respirar, náusea e dor de cabeça muito intensa. Depois vieram as dores nas costas e um cansaço terrível, que não me dava vontade de fazer nada.

Desconfiada de estar contaminada pelo novo coronavírus, fiz uma consulta virtual por meio do site da prefeitura de Manaus. A receita foi usar sintomáticos para febre e dor, paracetamol e dipirona, além de manter a alimentação, mesmo que perdesse olfato e paladar. Recomendaram utilizar alho no preparo dos alimentos, pois reforça a imunidade.

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Tentei me cuidar sozinha, mas os sintomas se intensificaram. Já estava há cinco dias doente, então resolvi procurar uma unidade de saúde. Fui ao pronto-socorro do meu convênio, foram feitos vários exames e um deles mostrou leucocitose. Não consegui fazer o teste para Covid-19. A oxigenação do sangue no oitavo dia da doença já havia caído para 90%. No 11º dia a febre chegou aos 39,3 graus.

Não precisei de internação, fiquei de repouso em casa. Tomei azitromicina por cinco dias com vitamina C com zinco, ivermectina e paracetamol. Para reforçar a imunidade, tomei muito chá de limão, mel, alho e jambu. Bebia água morna com limão em jejum.

Aos poucos fui melhorando. Já se passaram duas semanas do final dos sintomas, mas ainda me sinto fragilizada. É preciso muito cuidado com essa doença.”

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